sexta-feira, 29 de julho de 2011

ORAÇÕES

Quando todos andávamos a pé e os caminhos da noite nos assustavam devido à memória herdada daqueles tempos em que os tratantes faziam covil nos montes, durante a viagem rezávamos uma oração que tinha fama de infalível: o "Justo Juíz Divinal". Lembro-me do assombro que me causavam as histórias das maravilhas operadas sobre quem rezara a oração e correra perigo real. Eram histórias contadas pela tia Vermelha, pela minha mãe ou pela tia Helena, rematadas sempre com um "é verdade!" E porque não seria?

Quem o reze bem torna-se invisível aos olhos de quem lhe queira fazer mal. Mas a tia Vermelha era mais crente e contava a seguinte história: certo pastor adormecera a meio da oração (ela nomeava a pessoa, a mim é que já me não lembra quem). Esse pastor tinha inimigos que o queriam matar. Estes, sabendo onde tinha o carreto, foram lá ter. A vítima acordou ao ouvir isto:
- "Vamo-nos embora, porque aquilo que vínhamos cá fazer, já alguém o fez por nós!"
Que viram os assassinos? Um corpo cortado ao meio, motivo bastante para concluírem que o homem estava morto. Moral da história: mesmo rezada por metade, a oração surte efeito. Aqui fica ela para os mais esquecidos, tal e qual como a minha mãe ma ditou há já muitos anos:


JUSTO JUÍZ[E] DIVINAL
Justo juíz[e] divinal
Filho da Virgem Maria
Em Belém fostes nascido
Em Nazaré crucificado
Entre toda a judiaria.
Peço-Vos, Senhor meu,
pelo Vosso santo dia,
Que nos guardeis o nosso corpo:
Que não seja preso nem morto
Nem tenha justiças em volta.
Pazteco, (1)
Pazteco,
Três vezes pazteco,
Disse Cristo aos Seus discípulos.
Se vierem nossos inimigos
Para nos ofender,
Tenham olhos, não me vejam;
Tenham boca, não me falem;
Tenham braços, não me ofendam;
Tenham pernas, não me alcancem.
Com as armas do Senhor S. Jorge
Serei bem armado;
Com a capa de Abraão
Serei bem capeado;
Com o leite da Virgem Maria
Serei bem borrifado;
Com as chaves de S. Pedro
Seremos bem fechados
Onde os nossos inimigos
Não nos possam ver, nem falar,
Nem sangue do corpo tirar.
Pelos três clérigos revestidos,
Pelos três cálices bentos,
Pelas três hóstias consagradas
Comungastes ao terceiro dia
Dai-nos, Senhor nosso,
Aquela doce companhia
Destes à Virgem Maria
Os portais de Belém
Aquém Jerusalém,
Que eu vá e venha
Na mesma alegria
Foi o filho da Virgem Puríssima
Santa Maria.
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(1) Nem sei como hei-de escrever isto, mas corresponde ao latino "pax te cum": "a paz esteja contigo"

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Ainda o diabo

Vamos lá, então, rir-nos um bocadinho:

Francisco José Freire, na entrada sobre a cadeia, remete-nos para Bluteau (1638/1734) que foi um frade (teatino) de grande cultura e autor de um dicionário notável, o Vocabulario Portuguez e Latino (etc., porque o nome é compridíssimo). Atente-se no modo como ele discorre sobre Belzebu, o tal que tenta para a inveja:

Para os menos familiarizados com esta forma de escrever, deixo aqui a transcrição em letra moderna:

“BELZEBUB, ou Belzebut, ou Beelzebub. Deriva-se do Caldaico Beel, ou do Hebraico Baal, que querem dizer Senhor, e de Zibub, que vale o mesmo que Mosca, e Belzebub, que significa Deos Mosca, ou Deos das Moscas, era na Palestina o Idolo, que os Accaronitas invocavão contra a perseguição das moscas; e como as moscas tudo sujão, foi este mesmo ídolo chamado Deos do esterco; e parece que por esta mesma razão chamarão os judeos a Belzebub, Princepe dos Demonios, porque só um princepe de merda pode ser senhor desses immundos espíritos (…)”

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Nota: quem quiser, pode ler no Antigo Testamento o primeiro Livro de Samuel onde os Acaronitas são bastamente citados.


sábado, 2 de julho de 2011

Diabos à solta

O que nós ganhamos em ler os antigos!

Hoje aprendi que, afinal, não podemos invocar indistintamente os muitos nomes do diabo. É que eles querem dizer coisas diferentes! Ora veja-se:

Não sei se é por obediências demoníacas que alguns vão parar à cadeia. Mas cada qual vai parar à sua!


Estas e muitas outras informações (ai que prazer não cumprir um dever…) bebi-as nas “Reflexões Sobre a Língua”, de Francisco José Freire, um português do séc. XVIII, contemporâneo do Marquês de Pombal. Foi muitas coisas, entre elas, frade, escritor e cultor da Língua Portuguesa que, sob o nome de Cândido Lusitano, inspirou um movimento de renovação clássica (Arcádia Lusitana) que se propunha contrariar a estética barroca então em voga.

As suas “Reflexões” são uma leitura de a gente se perder nela!