sábado, 23 de abril de 2011

PARA MATAR SAUDADES

Para os ausentes e saudosos, deixo aqui estas fotografias tiradas pela Augusta.




E deixo também a letra de um jogo de roda que dançávamos na eira no domingo de Páscoa. Cantávamos tão bem e éramos tão felizes! Lembro que os versos se repetem dois a dois:


Ai, se o loureiro não tivesse
Ai, pelo meio tanta rama,
Da minha janela via
Os olhos à minha dama.

REFRÃO
Ai, tudo é dançar, dançar,
Ai, tudo é dançar assim,
Vá de roda com seu par
Vamos dançar ao jardim.

Vamos dançar ao jardim,
Ai isso é se eu quiser,
Nem você é meu marido,
Nem eu sou sua mulher
...................................................

....................................................
....................................................Ai, se o loureiro não tivesse
....................................................Ai, pelo meio tanta flor,
....................................................Da minha janela via
....................................................Os olhos ao meu amor.

....................................................

sexta-feira, 22 de abril de 2011

SANTA PÁSCOA

Hoje é Sexta-feira Santa, dia de profundo recolhimento. Na nossa infância, todo o trabalho cessava e o silêncio inundava o povo. Em sinal de luto pela morte do Senhor, as mulheres cobriam os cabelos com um lenço. Na igreja, as imagens eram escondidas sob panos roxos e nenhuma flor adornava os altares. Também os sinos se mantinham quedos e as pessoas eram chamadas à casa de Deus por matracas que as crianças faziam soar pelos caminhos.

Cá fora, a natureza dava testemunho da Ressurreição que se anunciava.

Uma santa Páscoa para todos



quinta-feira, 14 de abril de 2011

ORAÇÕES




DE TARDE


PAI-NOSSOS PEQUENINOS





I

Meio-dia

Pai-nosso pequenino
pelo monte vai rugindo
com as chaves do Paraíso
quem nas deu, que as dera,
Santa Maria Madalena.
Cruz no monte,
cruz na fonte,
que o diabo não me encontre
nem de noite nem de dia
nem à hora do meio-dia.
À honra de Deus e da Virgem Maria
um Pai-nosso e uma Ave Maria

OU

na versão da avó da Fátima Amaral:

Padre nosso pquenino,
pelo monte vai rugindo,
leva as chaves ao paraiso,
quem lhas deu, que lhas não dera
Santa Maria Madalena.
cruz na fonte,
cruz no monte,
nem o pecado comigo se encontre,
nem de noite, nem de dia,
nem à hora do meio dia.
Já os galos pretos cantam,
já os anjos se levantam,
já Jesus desceu da cruz,
para sempre,amém Jesus.


II
Tarde

Pai-nosso pequenino
quando Deus era menino
pôs os pés no seu altar
o sanguinho a pingar.
Tate, tate, Madalena
não mos chegues a limpar
estas eram as cinco chagas
que Deus tinha que passar.

domingo, 10 de abril de 2011

ARES DA SERRA

PASCOELAS
por


ANTÓNIO AUGUSTO FERNANDES

Quando raiava Sábado Santo, varriam-se da aldeia as trevas fuliginosas da Paixão, os cochichos ciciados, as horas mortas sentadas à lareira sem nada para fazer, as rezas lamentosas da via-sacra olhando os quadrinhos dependurados das paredes da igreja, com as feias visagens dos judeus que judiavam de Nosso Senhor, ajoelha, levanta, ajoelha, levanta, e Jesus caminhando de Herodes para Pilatos e depois até um monte escalvado, como o Alto do Sirgo, onde ficava crucificado. Com o Sábado Santo, as luminosidades da primavera resplandeciam mais intensas e descia sobre a serra a autorização de se ser feliz novamente, de jogar o pingue e a bilharda, de ir visitar os ninhos que já se sabiam, de se provar o folar.

E era também o dia de descermos em bandos grulhentos até aos lameiros da Ribeira dos Pereiros em cata das pascoelas com que se enfeitassem os pobres casebres serranos e reconquistássemos a alegria de ser Páscoa. Pascoelas: um pequeno luxo doirado para receber o Senhor quando, no domingo, visitasse a casa de cada um. Eram as primeiras flores a aparecer na serra, o anúncio temporão de uma primavera que mal se anunciava ainda, companheiras das andorinhas leves como sílfides e do canto travesso do cuco a arreliar as moçoilas casadouras. Parecia quase um milagre que, tão delicadas e mimosas, tão cor de ouro, germinassem e crescessem sob as geadas intensas daqueles sítios mais fundeiros e subessos: gentis gotas de sol suspensas dos caules finos, protegidas pelo verde rugoso das suas folhas, saudando os primeiros lampejos de um sol fagueiro e irmão.

Sempre me espantara que preciosidades daquele quilate enjeitassem nascer nos lameiros familiares das Bouças, da Ribeira ou do Catrapeiro para irem despontar naquele buraco dos Pereiros. Eram decerto flores de eleição, já que na sala de aula, elas apareciam pintadas no bojo de uma jarrinha que o senhor Professor invariavelmente propunha como modelo para os da quarta se exercitarem no desenho à vista. Mas nunca os nossos lápis Viarco eram suficientemente amarelos para reproduzirem o ouro daquelas pétalas, nunca o seu verde nos satisfazia ao pintarmos aquelas folhas rugosas que as protegiam.

Levados pelo fascínio de conquistar esses primeiros mimos florais lá nos aventurávamos pelo tortuoso carreirão das Ribas até aos lameiros dos Pereiros, sabendo embora que iríamos enterrar as botas cardadas nos ervaçais ainda encharcados da invernia. E, como os argonautas de Homero, regressávamos soberbos e contentes, ostentando os nossos velos de ouro.

Uns tempos mais tarde, já rapazote, depois de a minha diáspora me ter alijado para longe do ninho materno, quando regressei a Rebordainhos pela primeira vez nas férias da Páscoa, aferroou-me um aguilhão de nostalgia pelas pascoelas de outrora. À sorrelfa, quase envergonhado da minha infantilidade, sem dar cavaco a ninguém, arrisquei-me a recriar a descida de Orfeu em demanda de Eurídice, descendo até aos lameiros da Ribeira dos Pereiros, em demanda das pascoelas da infância.

De pascoelas nada vi, nada encontrei. Decerto esse tesouro pertencia, tal como as fadas e a carochinha, às magias de quando se é criança e que se perdem quando o buço desponta. E remontava o carreirão das Ribas, desapontado da procura frustrada, quando…

Não sei se se lembram. Ali nas Ribas, havia (creio que ainda há) um lameiro, no meio do lameiro uma amoreira, uma das últimas sobejantes de quando por lá se criavam bichos-da-seda e, junto da amoreira, uma poça de rega. Pois foi nessa poça que as pascoelas me floriram os olhos deslumbrados: três moçoilas procediam às abluções rituais da Páscoa. Depois de terem purificado as almazinhas juvenis no confesso ao Pe. Amílcar, vinham dealbar ali, na solidão das Ribas, os tenros corpinhos de adolescentes em flor. Nuazinhas como Deus a pôs no mundo, alvas sob a luminosidade espiritual da manhã de primavera, com a graça pagã das rolas, dos freixos, das pascoelas, enfim, das coisas naturais, lavavam-se umas às outras, na reciprocidade amorável das Três Graças de Canova. Na cútis leite e rosas, no peito os outeirinhos de neve coroados de amora madura e, entre as colunas de alabastro de que fala o Cântico dos Cânticos, a penugem discreta que escurece as secretas regiões da remota fonte da vida.

Pouco durou a bucólica. Quando deram pelo meu olhar transeunte e embevecido, desataram em grandes gorjeios, enovelando-se umas nas outras na atrapalhação de ocultar a olhos profanos o que o pudor da adolescência manda seja ocultado.
Porque, Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e… após dias, dias vêm e cada sazão tem as suas pascoelas…
Foi assim que, nessa Páscoa, em vez dos lameiros dos Pereiros, foi por ali, nos lameiros das Ribas que me desabrocharam essas outras pascoelas, não douradas, mas alvas como a neve, mas igualmente deslumbrantes, igualmente primaveris.
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quarta-feira, 6 de abril de 2011

A MOURA E AS MOURAS

Passei quase cinquenta anos de vida sem dar importância ao sentido distinto com que usávamos o mesmo nome: moura. É verdade que umas vezes o utilizávamos no singular e outras no plural, mas o número também nunca me serviu de alerta. Era a moura da Fraga Grande da Ladeira, aquela que fiara um saco de maçarocas enquanto transportava a fraga à cabeça, e eram as mouras, aquelas ervas que nascem nos tanques e nas ribeiras, com as quais brincávamos em crianças. Uma e outras nada podem ter em comum e só pensei nisso depois de ter aprendido uma lição, pelas mãos generosas da nossa querida visitante Quina, da Idanha-a-Nova. Palavra de honra que até corei de vergonha por, ao menos, nunca ter pensado no assunto!

A moura é evidente: aquele “ou” resultou em Português da transformação do “au” latino. Ela é moura porque “maura”, isto é: da Mauritânia.

As mouras têm um percurso muito mais complexo. Com propriedade, apetece compará-lo com o da vida das pessoas. Com efeito, até ao séc. XVI era rara a utilização do ditongo “oi” em língua portuguesa, embora vulgar entre os judeus. Gil Vicente até brinca com o assunto (1). A partir daí, generalizou-se o seu uso e, hoje, dizemos um e outro sem cuidarmos nisso. No entanto, se repararmos bem, são muito raras as palavras que, em Rebordaínhos, comportam o ditongo oi. Essa raridade talvez justifique que os nossos antepassados, quando ouviram falar em “moiras”, tenham transformado automaticamente esse som estranho noutro mais familiar e conhecido.

As nossas mouras, parece-me, equivalem às “moiras” da Idanha, entidades associadas ao destino das pessoas. Pela explicação da Quina, fundamentada na vasta ciência do professor Vitorino Nemésio, fiquei a saber que as moiras correspondem às divindades gregas com o mesmo nome (que sempre designei por Meras, o seu outro nome), a que os romanos chamam as “Parcas”. Moiras ou Meras (ou Parcas) são três irmãs malvadas – Átropo, Cloto, Láquesis – que determinam como há-de ser a vida de cada um dos seres humanos, entendida como se fosse um fio que a primeira fiava, a segunda enrolava e a terceira cortava.

A analogia parece-me clara: o percurso dos cursos de água simbolizando os caminhos da vida; as mouras, fios das nossas vidas, enredados ou cortados ao sabor da agitação das águas. O destino de cada um de nós!

Bem-haja, Quina, porque me permitiu este exercício de pensamento.
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(1) Vejam-se estes exemplos das falas dos judeus casamenteiros Latão e Vidal, extraídos da “Farsa de Inês Pereira”

LATÃO
Será o que hoiver de ser (…)

Ora oivi, e oivireis (…)

VIDAL
Como oivo cantar (…)

Afoitado pela mão (…).

Lembremos que os mais velhos de Rebordaínhos ainda dizem “afoutar”

sábado, 2 de abril de 2011

ACORDO ORTOGRÁFICO

Nunca é fácil escrever o primeiro artigo a seguir à notícia do falecimento de um dos nossos. Hoje ocorreu-me que poderia aproveitar a nossa página para levar ao conhecimento de todos uma iniciativa legislativa de cidadãos (prevista na lei) contra o acordo ortográfico. Eu já assinei.

Previa-se que a recolha de assinaturas decorresse até 25 de Abril, mas a recente dissolução do parlamento irá, certamente, fazer alterar algumas datas. Logo se vê.

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue!


A assinatura pode ser feita de dois modos:

1 - Preenchendo o impresso e enviando-o por correio para (seguir as indicações desta página) :

Apartado 53
2776-901 Carcavelos


2 - Preenchendo o impresso e enviando-o por e-mail.

Bem sei que a língua evolui e está sujeita a transformações constantes, mas este acordo (perdoem-me os seus defensores) parece-me uma aberração.