terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

PEREIROS

A eloquência do autor deste artigo deixa-me impressionada e gostaria muito de conhecer o nome que se esconde por detrás da sigla: G. E. - o mesmo que assinou a crónica sobre Rebordaínhos. Nesta escrita existe grandeza porque o pensamento foi amadurecido e as palavras escolhidas com critério. Tudo tão longe da jactância e da pouca gramática que os jornais nos oferecem hoje em dia! Este homem (suponho que seja homem...) bem merecia ver reunidas e publicadas em livro as maravilhas que assinou sob o título genérico de "Pelourinho".

Agora, os Pereiros, povoação onde reside o único fidalgo do concelho (estou pronta a alterar esta frase se me provarem que o Sepúlveda morava na "Quinta"). Era dia da festa de Santo Amaro. Há cinquenta anos, talvez fosse, ainda, o Sr. P. Amílcar a presidir à missa em honra do santo padroeiro. Ou seria, já, o Sr. P. João? O sino tocava no mesmo "timbre honrado e limpo" que hoje lhe conhecemos mas, se o tempo estava de dilúvio, é provável que se não ouvisse em Rebordaínhos.

A igreja dos Pereiros sempre me encantou. Tem uma arquitectura sóbria mas de estilo seguro, escapando à construção tradicional das redondezas. A arquitectura e a dimensão - grande para o número de pessoas da aldeia - mostram que, ali, ou houve abundância, ou existiu algum patrono dedicado. Mesmo assim, a terra continua a dar "a pedir de boca"; só não há gente, porque essa não nasce da terra, apesar de nos dizerem que viemos do pó.

Novidade, para mim, é o uso extemporâneo do adro como cemitério. Essa prática foi proibida em meados do séc. XIX e até deu origem a uma guerra-civil, que foi a Maria da Fonte, e a um romance ternurento que é A Morgadinha dos Canaviais de Júlio Dinis. É caso para fazer pensar muito!

Os garotos dos Pereiros (e, já agora, os dos Vales) eram verdadeiros heróis. O que eles tinham que trepar para chegar à escola! Aquela estirada, serra acima, é de cortar o fôlego e os caminhos assustam em certos dias de Inverno, quando a água corre brava pelos barrancos e o vento do Norte assobia medos por entre as carvalheiras. Mas eles tudo venciam e metiam-se a caminho, segurando os livros numa mão e a sacola da merenda na outra. Só a neve de mais de metro os fazia faltar. Eram uns valentes e bem merecem o elogio.

A gente dos Pereiros distingue-se pelo azul dos olhos. É um azul profundo e intenso como o céu dos dias mansos de Verão. Olhos assim tão belos, só me lembro que fossem os do meu avô. Como poderia não lhes querer bem?
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Nota de edição: se alterar aquilo que escrevi, os comentários ficam sem sentido. Faço aqui a devida ressalva: o "Fidalgo" dos Pereiros era-o, tão-só, de nomeada e as pessoas tratavam-no por "Sr. Imbertinho", alfaiate de profissão. Talvez daí lhe viesse a fidalguia, do não sujar as mãos na terra.
Nova ressalva - o Carlos Pereira corrigiu o nome do "fidalgo": é sr. Emílio! Desta vez não há que duvidar, porque antes de fazer esta emenda consultei o povo de Rebordaínhos (actual. em 20/04/2010).
De ascendência verdadeiramente fidalga era o Sr. Sepúlveda cujos avoengos são referidos por Camões em Os Lusíadas (e também na História Trágico-Marítima). Pelos vistos, tinha residência fixa na Quinta de Vila Boa e era pessoa dada ao convívio com toda a gente.
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Reparo que ninguém me corrigiu num erro que cometi propositadamente: queria "provar" como, nas nossas cabeças, Rebordaínhos continua a existir com a ancestralidade de concelho. Nenhum de nós (nem os nossos pais) vivemos essa realidade que, apesar disso, está vincada em nós com o valor das certezas. Registe-se, assim, que o tempo das nossas ideias está desfasado século e meio do tempo político da divisão administrativa do País. Isto não faz de nós seres estranhos, pelo contrário, demonstra uma certeza da História, a de que não existe um tempo, mas sim vários tempos em simultâneo. Queiram desculpar a rasteira e a prelecção.

10 comentários:

Chanesco disse...

Bem haja aos autores cuja pena disserta sem gaguejar acerca dos lugares e das suas gentes, valorizando-lhes a ténue existência, quer sejam dos Pereiros ou de Rebordaínhos.

Um abraço para Rebordaínhos (e para os Pereiros)

António disse...

Realmente, grande poeta era esse G.E. que se dava ao trabalho de subir às espaldas da serra e descer aos cafundós dos Pereiros para parturejar estas tão ternurentas crónicas que desenham o nosso antigamente...
E grande poeta és tu, Fátima, que tão bem te identificas com e te revês em as crónicas sobre as terras que nos viram nascer! Parabéns.
Agora sobre a questão das fidalguias: o Sr. Sepúlveda, o grande Fidalgo da Quinta,da família daqueles Sepúlvedas de que Camões nos conta que nos areais de África "Abraçados as almas soltarão / da fermosa e misérrima prisão" (Lus. V, 46-48), esse morava mesmo na Quinta (acho que dita de Vila Boa), em deslado de Arufe,à mão esquerda de quem demanda Rebordainhos, ali por alturas do Navalho. Ainda me recordo, sendo eu raparigo de poucos anos, de o ter visto, baixito e muito composto, com uma barbicha branca (como é agora a minha)muito fidalgo, mas muito dado com os homens do campo. Foi ele quem encaminhou meu pai para a polícia com as suas influências na capital do distrito.
Então, nos Pereiros, havia uma outra personagem com ares (e suponho que nomeada) de Fidalgo, o Sr. Imbertinho, que se deslocava em seu soberbo cavalicoque baio (o único que por aquelas redondezas) até à vila ou até Rossas para apanhar o comboio.
Grato pelas leituras que nos proporcionas e desculpa o pretensiosismo da minha achega.
Um abraço do
Tonho da Tia Lídia

antonio disse...

É realmente um artigo fantástico, para a época.Não há muito para acrescentar, porque tu o fizeste, como sempre, maravilhosamente explicito completando, com factos que ainda ressoam nos nossos ouvidos, mas sobretudo na memória de cada um. Não era façil "atravesar o pontão, como eles lhe chamavam, em dias de inverno!!!Também a grande águeira repleta de água que atravessava o povo de alto a baixo,está presente na minha memória. Como gente acolhedora era do melhor que havia. Enorme consideração pelos de Rebordainhos, sem complexos de inferioridade.
Quanto ao fidalgo, não sei se tinha verdadeiras raizes, ou apenas uma alcunha. Se bém me lembro era alfaiate.. ou será que estou errado?O Sepulbeda, vi-o várias vezes, até lhe fomos cantar os reis.O Assis era o seu feitor. O pároco creio ser ainda o Pe Amilcar, e recordo-me perfeitamente de fazerem o Cemitério onde existe hoje, e do transporte dos restos mortais, como na nossa Igreja e as sepulturas por baixo do tabuado. Parabéns fátima pelos esclarecimentos e ao autor da descoberta do artigo que adorei ler. Beijos, António Brás Pereira

Céu disse...

Fátima

Mais um artigo enternecedor narrando os tempos que foram difícieis e marcantes, e que tu, com a tua prosa poética nos fazes sentir bem e até emocionando-nos porque as lembranças sobre os nossos conterrâneos dos Pereiros e dos Vales, colegas de escola, ficaram para sempre gravados, pois todos nós, creio eu, tínhamos a noção do sacrifício que faziam, naqueles dias fustigados pelos temporais do inverno, para chegarem até à Portela!
Lembro que os filhos do senhor Raúl dos Vales, vinham sempre acompanhados por um cão que, deixava-os na escola, voltava para os Vales e à tarde voltava para os vir buscar e levá-los de volta a casa. Vê lá tu, se isto não é enternecedor!
Gostei imenso do artigo do Anónimo, mas também gostei muito do teu.
Beijinhos
Céu

Fátima Pereira Stocker disse...

Viva, Chanesco!

Sejam dos Pereiros, de Rebordaínhos ou de Toulões, acrescento eu!

Um grande abraço

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Pretensiosismos desses são muito bem-vindos! Pelos vistos temos mais um amor comum: Os Lusíadas - o teu bem maior do que o meu, porque teria que procurar muito até achar onde vem referida a história do Sepúlveda e de sua esposa, aquele bocadinho de tragédia no interior da epopeia. Já agora: que me dizes à ideia peregrina de tirarem o episódio da Batalha de Aljubarrota dos programas de 9.º ano para o substituírem pelo canto X (não sei se todo, mas duvido muito)?

Adiante! Fiquei a saber por ti - e a minha Amélia confirmou - que fidalgo, nos Pereiros, só de nomeada, mas essa não vale, porque teria que acrescentar os marqueses de Rebordaínhos... Mas o bichinho da curiosidade ficou-me a morder! então aquela casa apalaçada à entrada dos Pereiros (em ruínas, infelizmente!)quem a mandou construir? A arquitectura revivalista, de pendor neoclássico, atira-a para o séc. XIX. Quem a construiu tinha, por força, que ser pessoa de algumas posses e ao corrente dos gostos do tempo... Há muita coisa para deslindar!

Fiquei a saber que sr. Irmindinho era o nome da figura, para mim misteriosa, que recordava montada num cavalo malhado, a atravessar Rebordaínhos.

Já viste como me serviu para tanto o teu comentário pretensioso? Vou corrigir a laraxa que tinha escrito e mais o erro de palmatória naquele acento que só levaria a bem se alguém me tivesse feito o reparo.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Não acerto uma! Sr. Imbertinho!

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho [Braz]

É um artigo "fantástico" para qualquer época! Obrigada por aquilo que disseste, que acrescentou as nossas (minhas) informações.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Céu

Lembro-me tão bem dessa história dos cães! A minha Amélia cita tantas vezes a expressão da Sr. D. Maria, quando os dos Vales chegavam à escola: "deixai aquecer estes meninos, que já caminharam hoje meia légua!", dizia ela, para que os deixassem chegar-se à braseira!

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Nota de edição:

Comecei por retirar o disparate que escrevi e republiquei o artigo. Depo, percebi que os comentários anteriores perdiam o sentido sem que a asneira estivesse à vista e tive que voltar a incluí-la. Parece-me que o melhor modo de resolver o assunto é fazer uma ressalva no final do artigo.