domingo, 23 de outubro de 2016

A PROPÓSITO DE UMA LENGALENGA

Esta também saiu da memória da tia Delfina:


Gri, gri, sai, sai
Que aí vem teu pai
Com faca de latão
Espetada no coração,
Ou então,
O grilinho
Sai à porta
Que a cabrinha
Está na horta.


Nós dizemos lengatenga, não é verdade?

- A esta não a conhecia, mas acho-a ternurenta.
- Mesmo com aquilo da faca espetada no coração?
- Sobretudo por causa da faca espetada no coração!
- Não poderia dizer-se “com a mão no coração”? É menos violento e rima na mesma!
- Pois rima, mas não faz rir! Uma faca de latão não é uma palaçoula! Se é de latão, dobra-se toda, não espeta nem mata! Imaginar uma lâmina que se torce e se dobra, a espetar-se no coração, faz rir, porque é um disparate! Assim como faz rir imaginar que um bicho, tão pequeno como o grilo, possa andar com uma faca espetada no coração, caminhando sobre ela enquanto a arrasta!

A parte educativa vem a seguir: se a cabra está na horta e o grilo está em casa, então a cabra come tudo e o grilo fica sem nada. Enquanto repete este disparate, a criança vai aprendendo uma grande lição de vida: "guarda o que te pertence" (Gén. 33,9). Ou, em alternativa, "guarda-te dos mais fortes" (ou dos mais lestos).

E foi isto que me aprouve dizer a propósito da lengatenga, com a devida ressalva de uma interpretação excessivamente livre do texto do Livro do Génesis.

Um bom domingo para todos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

CARA NOVA II

Como vêem, tentei responder às sugestões. Espero que a solução seja do vosso agrado (da Augusta e do gentil anónimo), repondo a cor original. O desenho inicial não poderia manter-se porque não podia mexer em nada; estava de pés e mãos atados.

Agora preciso, de novo, de ajuda: é que estou com dois monitores ligados e cada um reproduz imagens relativamente diferentes. Eu quero que a cor do texto da mensagem seja cinzento escuro e o tamanho da letra pouco maior do que a primitiva. Um dos monitores, contudo, apresenta-me texto de cor azulada e letra de tamanho bastante maior do que o habitual (pode ser por causa da idade, o coitado já tem mais de 10 anos). Gosto do aspecto num, mas não gosto do aspecto no outro. Como vos aparece tudo nos vossos monitores?

Desde já, obrigada pelas respostas


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CARA NOVA

Confesso que preferia a velha. Contudo, era tão arcaica que já nem podia mexer em nada.
Na galeria das "caras" permitidas, escolhi esta que vedes agora e para a qual peço a opinião dos leitores.

Importa-me saber se apreciam as cores ou se escolheriam outras e, sobretudo, se os vossos monitores não desfiguram a apresentação do blog, ou seja: se o texto e as imagens vos aparecem devidamente organizadas. 

Há sempre algum porém: as fotografias do cabeçalho são, agora, estreitas para a largura que seleccionei. Vão continuar assim, até que tenha tempo, e paciência, de trabalhar as fotografias para as dimensões actuais (acreditem que é um trabalho muito maçador).

Aguardo as vossas opiniões.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

SENHORA JULIETA E SENHOR EURICO

Sessenta anos! A feliz celebração de uma vida em comum.

Houve um tempo, certamente, em que cada um existia por si mesmo, mas esse tempo há-de esbater-se perante a dimensão do tempo comungado. É como se um tivesse estado sempre presente nos dias do outro, caminhando juntos. Talvez resida aí o mistério das vidas felizes, em que os dois se tornam um só, pisando o mesmo chão ao mesmo tempo e deixando como rasto uma só pegada.
O sr. Eurico e a sr.ª Julieta são dois corações abertos. Já vão em bisnetos, mas todas as gerações são tão próximas, que ninguém faltou à celebração do dia. Só um grande afecto permite que tais laços se prolonguem no tempo e no espaço.
Como amiga, quero agradecer à sr.ª Julieta e ao sr. Eurico pela dádiva que fazem de si aos outros e na qual têm a bondade de me incluir.
Bem hajam!

P.S. O meu muito obrigada ao João Manuel, que fez o favor de me enviar as fotografias.



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

NEM SEMPRE O QUE PARECE É

(Van Gogh)

Nem mesmo a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico veio alterar, naquela terra, o ciclo das colheitas. Depois da acarreja, e decidindo-se a ordem de entrada das malhadeiras pelas eiras cravejadas de medas, dava-se início às Malhas.

Para animar apregoava-se “à eira que o bacalhau está na caldeira”. De todos os caminhos convergiam, uns mais lestos que outros, aqueles que queriam a torna-jeira ou os que por afinidades ou favores lá tinham que dar uma ajudinha.

Por vezes ouvia-se em surdina, “nesta só fico até ao jantar (leia-se a parte da manhã) que a minha só dura meio-dia”. Mas no final tudo acabava por se realizar.

Numa dessas Malhas, cuja meda invariavelmente de forma rectangular, e que durava… durava… até o sol se deitar e por vezes acabava-se no dia seguinte, era o caso da malha do “Santo”, à qual muita gente torcia o nariz…, questionou-se seriamente Copérnico e a sua teoria do séc. XV.

Ainda ao raiar do sol, e depois do mata-bicho, o Amador vira-se para o Fernando do tio Zé “Çuca” e diz-lhe – “Aguenta aqui no carro e nos molhos, que eu vou descansar um pouco ali atrás do palheiro”.

As horas passaram e o Amador lá ficou, sonhando…, quem sabe com o bacalhau, com azeitonas e com o pão molhado em azeite… ou, por outras razões desconhecidas, o sono tinha-se tornado mais pesado que o devido.

Já à tardinha, quando o sol se preparava para se ir embora lá para os lados de Soutelo, e enquanto ainda espreitava através do cume da serra, o Fernando lembrou-se de ir ver do Amador. Ainda ressonava. “Amador… Amador… Acorde que em breve se faz noite”, e o Amador nada… “Amador, acorde”, e elevava cada vez mais a voz.

O Amador esfrega os olhos em sobressalto, abre as pálpebras pesadas da longa soneca, olha em redor e murmura para o Fernando:
– “Fernando…, parece-me que o sol hoje nasceu ao contrário, não te parece…?”
– “Oh Homem dum caraças, está-se a pôr! Vamos embora antes que dêem por si!”
E assim, todas as tardes, tal como Copérnico previra, o sol deitava-se para os lados da serra, … ainda hoje assim é.