quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sérgio Godinho




SÉRGIO GODINHO

Muitas frases que disseram…
E não falaram.
Muitas coisas que fizeram…
E não acharam.

Muita vida, muita vida, muita vida…,
Muita vida por eles vivida.

E nós aqui, e nós aqui, e nós aqui…,
Até pensámos que partiste,
Sem saber de ti,
Num ardor amargo e triste.

Julgámos a vida
Por tudo o que fizeste,
Julgamos a vida
Por tudo o que fazemos,
Nas alegrias que tanto nos deste,
Julgamos a vida, julgamos a vida,
Por tudo o que temos.

Sai dessa moda, sai dessa moda, sai dessa moda….
Que o tempo fina.
E com a cabeça a andar à roda,
Sai dessa moda,
Sai desse ardor que contamina.

Assim serás, assim serás, assim serás…
Outra mente, outro canto, outro ser,
Sai assim e verás,
Como afinal ainda é bom viver.

Assim verás, assim verás, assim verás….
E não olhes para trás.
Não olhes para trás.

Orlando Martins

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Peço a todos que mantenhamos o nível habitual desta página e que só entremos em diálogo com quem aceitar participar com o respeito e a elevação necessárias.

Fátima

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sementeira


Este é o meu comentário para o António Braz Pereira.

Por tudo o que me fez lembrar, sementeira, acarreja e outras recordações que se adivinham, dedico-lhe este soneto. Sem o comentar

Desculpem-me todos
SEMENTEIRA

E com fios de lágrimas caindo,
No sulco que o arado vai rasgando,
Atiravas sementes de alegria,
Palmo a palmo lançadas todo o dia.

Com teus pés, descalços abraçando,
A terra que Deus lhe abençoou,
Sentia o ser do fruto que saindo,
Calava a dor da fome que matou.

Lá ao fundo uma roseira brava,
Mil braços abertos de liberdade,
Como cantos da minha amizade…

Canto-te só a ti rosa brava,
Que das lágrimas só que tu lançaste,
Este feto para sempre marcaste.

Orlando Martins

sábado, 24 de outubro de 2009

TERRA AMADA

MUDAM-SE OS TEMPOS...
por

ANTÓNIO BRAZ PEREIRA


Também em Rebordaínhos se foi instalando a mudança. Chegavam os primeiros tractores. Isto foi pouco depois da reconstrução da igreja, ainda sob a responsabilidade do Padre Amílcar (as ossadas encontradas foram levadas para o novo cemitério). Primeiro, o do tio Sebastião, um Ford Dextra e o do tio Alfredo Guerra, da mesma marca. Mais tarde, o do Basílio e outros mais. O primeiro automóvel, creio, foi o Anglia do Sr. Padre João, seguido de um Ford-Taunnus – o espadinha - do Sr. Professor, e outro idêntico do Sr. Herculano.

O telefone tinha acabado de chegar, e o primeiro rádio fazia também a sua aparição, para a felicidade
de quem gostava ouvir música, notícias, as novelas da “Maria” mas, sobretudo, o relato de futebol. Creio que o tio João Santo foi o primeiro a comprar um Grundig grande, com quatro ou cinco teclas como as dos acordeões.

Tempos antes começaram as explorações de água, junto da casa da tia Laura, e as canalizações feitas pelo povo, para junto das casas. Aparecia igualmente a electricidade, mas só tempos depois foi comprado um televisor para a casa do povo do Outeiro, obra do Sr. Professor e do Basílio, e mais jogos, como: pingue-pongue do qual se faziam grandes disputas, dominó e damas, para ocupar os domingos chuvosos. Entretanto, para ver jogos de futebol da selecção, fomos várias vezes a pé, pelos Montes, até Bragada, onde uma senhora amável nos acolhia e permitia que os víssemos.

Hoje, é com grande nostalgia que recordo a minha linda terra de outrora e as maravilhas que o progresso derrubou, como a fonte do Espinheiro, onde tantos jovens se sentaram, conversaram e, até, namoraram, fingindo as moças, à noitinha, que vinham buscar água de que nem precisavam, mas tinham a certeza de que, ou pelo caminho, ou junto da fonte, encontrariam jovens das suas idades, e o fingimento devia-se à severidade dos pais e à pouca liberdade com que éramos educados naquele tempo. Também chegou a vez à minha vizinha, a Fonte Grande. Nela, as mulheres vinham encher, de água fresquinha, as “bilhas de barro” compradas nas feiras, porque em Rebordainhos apenas havia a Olaria do “Tio Vento” do livro da terceira classe. Também neste lugar se podem contar histórias verdadeiras, de um viver simples, natural, sem vergonhas ou invejas.

O prado tinha uma magia encantadora. Não era um largo qualquer, construído por arquitecto de renome, pois, nele, apenas o tanque de duas bicas e o poço de lavar deviam a homens bem inspirados a sua construção. As duas árvores magníficas foram plantadas por dois estudantes que, talvez, já tivessem partido quando elas caíram, mas os que ficámos, pequenos e grandes, sentimos um vazio imenso, porque elas faziam parte integrante da nossa vida real. Por sua vez, também a fraga desapareceu: por se encontrar no lugar errado, ou talvez por ser de granito natural, grande demais; quem sabe porquê?...

Aquele espaço do Prado foi sempre considerado suficiente para a realização de jogos ou, simplesmente, trocar impressões junto das tascas, em volta de um “quartilho” de vinho. Os mais novos tinham a Eira do Outeiro para jogar à bola, mesmo sabendo das barafundas do tio Zé Çuca porque lhe partiam as telhas do telhado da casa. O polidesportivo, construído nesse lugar, retirou o encanto de se percorrer a distância que o separa do campo da Cabeça que, de tão pisado, se ia cuidando da invasão das carvalheiras.
Recordo-me de uma aposta feita entre o Sr. Arnaldo e o Carlos Chicheiro que tinha vindo fresquinho dos pára-quedistas. O Carlos partia do Prado e o Arnaldo da eira do Outeiro. Ambos tinham que ir ao campo da bola e voltar ao lugar de partida, para ver quem ganhava. Apesar da grande diferença de idades, o mais novo perdeu, para grande espanto dos presentes, que tinham votado nele!
***
Apesar de haver lugares mais costumeiros, jogava-se e brincava-se em qualquer sítio: ao cepo, ao pingue, à relha, ao bate-cu... mas isso fica para a próxima!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

TERRA AMADA


MODO DE SUBSISTÊNCIA

por

ANTÓNIO BRAZ PEREIRA


Ilustrações: peças de artesanato da autoria de Carlos Águeda


A BATATA

Vivia-se essencialmente da agricultura: batata, centeio, um pouco de trigo, linho, castanha, mas também da posse de gados de ovelhas, cabras ou vacas. A batata, cultivada nas terras mais férteis, ditas “fundas”, era semeada manualmente, trabalho da competência exclusiva das senhoras que as iam deixando cair, uma a uma, no espaço de um palmo, à medida que iam marcando o passo pelo sulco fora, rectificando alguma que ficasse menos alinhada, pois só assim condizia com o aprumo do lavrador. Deste, a grande proeza destacava-se no movimento lento e certo dos animais, bois ou vacas, a quem ensinara o ritmo e o passo.

Quatro meses depois surgia a arranca. No Largo do Prado, ao lado do tanque de duas bicas de água corrente onde tanta gente se refrescou e saciou a sede, o olmo e o freixo estavam repletos das sequelas deixadas pelos pregos espetados pelas mãos de sucessivas gerações. Era à sombra do olmo e do freixo que, aqueles que tinham uma safra de toneladas, esperavam o rancho de homens e mulheres, de proveniências diversas mas, sobretudo, de Caravelas (perto de Mirandela), a fim de os contratarem, já que o pessoal residente não chegava para as encomendas. Davam-lhes pousada durante os dias de serviço, num palheiro ou casa apropriada e, quando se acabava o que fazer, o mesmo rancho passava para outro patrão. As batatas eram minuciosamente escolhidas em três categorias: consumo, semente e miúda (para os porcos).

Para melhor conservação, a maior parte das batatas eram metidas em ”silos”: abriam-se covas com cerca de vinte centímetros de profundidade e metro e meio de largura, variando o comprimento de acordo com a quantidade a ensilar. As batatas eram depositadas em pirâmide e rigorosamente emparedadas, depois cobriam-se com a palha alta e direita do centeio, numa espessura de dez centímetros, e, por fim, acrescentavam-se três de terra por cima. As certificadas eram levadas para Rossas e as outras guardavam-se nos palheiros.

OS CEREAIS

Cultivar o centeio e o trigo era mais um dos grandes acontecimentos da Aldeia. As segadas realizavam-se no Verão, durante o mês de Julho. Como acontecia para a apanha da batata, grandes ranchos de homens juntavam-se no Prado debaixo das duas árvores favoritas. Vinham equipados com seitoura, dedais, colete e camisa de quem se mostra disposto a trabalhar. Alguns calçavam uns tamancos abertos atrás e vestiam calças idênticas às dos cow-boys. Musculosos, apresentando um rosto severo ou ar alegre e juvenil, os que vinham pela primeira vez ofereciam os seus serviços e os outros reencontravam-se com os patrões antigos, se no ano anterior tinham deixado boa impressão e ficado referenciados como bons trabalhadores. A gente da terra chamava-lhes camaradas de segadores, havendo-as pequenas, médias e grandes, chegando estas a atingir os vinte homens. Entre eles havia alguns com funções bem definidas: aquele que animava o rancho, tocando concertina, realejo, viola ou guitarra e começava a cantoria, e aquele que dava de beber, levando vinho num pipo ou cabaça, ou água em bilhas de barro ou em remeias feitas de zinco.

Feita a distribuição pelos diversos patrões, quase sempre ao domingo, os segadores instalavam-se com os apetrechos que traziam e voltavam ao largo do Prado a tocar e a cantar até alta noite. Pela manhã, bem cedo, seguiam a pé, conduzidos pelos patrões, para o local da segada onde se organizavam rapidamente, metendo mãos à obra. Um ou dois de entre eles eram atadores, e não tinham tempo para se coçar. Juntavam as gabelas necessárias para fazer um molho, retiravam uma mão cheia de palha com espiga e, com ela, apertavam, pondo o joelho esquerdo por cima, para melhor unir: num virar de olhos, estava concluída a operação, que parece fácil, mas acreditem que era necessário muito exercício e força para ficar bem. O calor a apertar, o efeito do vinho, e outros factores, contribuíam para haver despiques entre eles, pois nenhum gostava ficar para trás. A água corria-lhes pelas faces e o cansaço notava-se nos rostos. Mesmo assim, cantavam versos dirigidos aos que não aguentavam aquele ritmo desenfreado! Quando terminavam e ceifa naquele prédio, juntavam o centeio numa “murnalheira” em forma de U: molhos ao alto, com a espiga para cima, contando as “pousadas”. Cada quatro molhos fazia uma pousada, que dava um alqueire de centeio, cujo peso correspondia a onze quilos, se não estou errado.

Tanto esforço requeria boa alimentação e em grande quantidade. Pelas nove e meia matavam o bicho com salpicão, chouriça, bacalhau frito ou desfiado, queijo e café. Ao meio-dia, lá ia a dona da casa, ou uma pessoa contratada, levar o almoço bem recheado em colorias, num grande cesto feito de verga e transportado à cabeça. Outras vezes, metia-se o almoço em alforjes e carregava-se um burro com elas. Matava-se uma canhona, ovelha das mais velhas, que se refogava e acompanhava com batata cozidas. Também se preparava arroz com galinha, e muitas outras coisas que ficariam para a merenda, programada para as quatro da tarde. Á noite, era uma alegria vê-los voltar a casa. Tocavam, cantavam e dançavam, como se voltassem de uma excursão ao Algarve. Qual fadiga, qual carapuça! Eram rijos como o ferro!

As malhas eram mais uma obra de entreajuda. Muitas vezes ia-se à torna jeira, mas contava-se também com os que vinham ajudar porque deviam favores. Apesar do sacrifício para suportar o calor intenso e a poeira, nunca havia queixas. As pessoas punham-se nos lugares cujas funções desejavam desempenhar. O lugar mais procurado era o dos sacos, pois havia quase sempre vinho doce, às vezes com ovos batidos.
A arquitectura, tanto das medas como dos medeiros, era outro dos orgulhos dos Lavradores. Havia um pormenor que não passava despercebido: quando a meda estava quase no fim, e se o patrão tivesse filhas solteiras, iam dois ou três rapazes buscar uma delas, para ser transportada, até à malhadeira, nos quatro molhos do começo da meda. Levada no virgo, assim se dizia! No final do almoço, a menina transportada distribuía rebuçados às senhoras e cigarros aos homens.

Pelo ano fora, os cereais seriam moídos nos moinhos de água, com um rodízio e duas pedras devidamente colocadas e picadas segundo a qualidade das farinhas. Do centeio saía apenas farinha e farelo; do trigo extraía-se, o “relão” de cor mais negra, a sêmea, farinha mais fina, e um pouco de farelo. O milho moído fazia igualmente parte dos alimentos desse tempo, assim como os”cussecos”, hoje especialidade dos Países Árabes, feitos da farinha do trigo, amassada e enrolada em pequenas porções, para depois cozer no forno, dentro de cântaras de zinco perfuradas com centenas de buracos.


ACTIVIDADES ARTESANAIS

Profissões exercidas eram várias: havia dois sapateiros. O mais idoso era o Sr. Carlos, homem simpático e brincalhão, com a sua sovela que, de tempos a tempos, passava na bola de cera, para melhor perfurar a sola, batida sobre um seixo, o seu avental de couro, e as cicatrizes deixadas pelas linhas nas mãos, quando as puxava, enquanto realizava com proeza um belo par de sapatos. O Sr. Carlos contava histórias que nunca me cansava de ouvir. Estávamos uma vez à braseira, quando um rapaz, filho de agricultor abastado, lhe veio encomendar uns sapatos em nome do pai. Ouve lá ó rapaz...Tu queres que os sapatos chiem? O puto reflectiu e respondeu: Claro!... Então tens que dizer ao teu pai que me mande uma posta boa de bacalhau, se não, não chiam.
Havia, ainda, um soqueiro, três carpinteiros, um “chicheiro”, cesteiros, latoeiros, tecedeiras, ferreiros dois, alfaiates e costureiras, etc. Figura inesquecível era o tio Hermenegildo Caixeiro que fazia os carros de bois desde eixo ao pinalho, passando pelas rodas e ferragens, engarelas, arado, trasga e até o jugo! Este homem fazia tudo na perfeição, não esquecendo as tarraxas que, bem apertadinhas, eram o orgulho dos que, ainda longe, se ouviam chiar, como a querer dizer que aquele carro vinha carregado com alimentos ou coisa no género. O tio Hermenegildo tinha, também, o dom de saber cantar o fado à desgarrada, como poucos, e a sua reputação era tão grande como a de carpinteiro.

Também se cultivava linho em Rebordaínhos. Semeado em terras mais ou menos férteis, existiam, segundo me consta, duas variedades: o Mourisco, que crescia mais, e o Galego. No tempo da recolha, era arrancado e posto ao alto, em pequenos ”molhos”, para acabar de secar. Depois seria levado para os ribeiros e metido debaixo de água até estar curado. Terminado este processo, levavam-no para junto das casas, ou eiras, onde permanecia mais algum tempo para voltar a secar. Seguidamente era maçado com uns maços feitos de madeira rija, em forma de “quilhas” de “bowling”, sobre cantarias apropriadas. Depois de bem maçado, era passado num “sedeiro para lhe ser extraída a estopa, a qual por sua vez, seria fiada, servindo para tecidos mais grosseiros, como tapetes, meias, panos de limpar etc.. O linho, mais fino e delicado, era tecido em teares, de onde saíam lindas toalhas, lençóis, cortinados e muitas outras coisas indispensáveis ao viver desse tempo. Sobejavam os “tascos” sem utilização, que eram postos em montes e queimados, fazendo a alegria dos mais novos, que os levantavam ao ar, enquanto ardiam. Quase parecia fogo de artifício!
Os Teares eram manuais, ouvindo-se, de longe, a funcionar. A tia Irene, naquela casa do Pelourinho, foi, talvez, uma das últimas tecedeiras a exercer na Aldeia.

sábado, 10 de outubro de 2009

CONTA

VI


Porque sei que se o meu pai, a minha mãe, o Zé Mateus e o João Stocker estivessem entre nós, partilhariam connosco a felicidade que hoje sentimos, esta conta verdadeira é-lhes dedicada.

Aconteceu entre o meu pai - João Fouce - e o meu tio António - Pincha.

Pois bem, contava o meu pai que no tempo das acarrejas, era costume dormirem nos palheiros, para acomodarem as vacas bem cedo, e bem cedinho partirem para os campos, para acarrejarem os molhos de centeio para as eiras onde faziam as medas.
Ora o tio Pincha, sendo um homem que acreditava que as bruxas existiam, numa dessas noites, botou-se a sonhar com elas. Durante o seu sono, agarrou o pulso do meu pai acreditando que tinha agarrado uma por uma perna.

-"Ó João, risca um lume, ca…, agarrei uma por uma perna! Ca… , e olha que a tem bem grossa!”

O meu pai puxava o braço, tentando libertar-se. Quanto mais o meu pai puxava, mais o meu tio apertava, e gritava:

- “Risca aí depressa ca…, que a gaja quer fugir!”

Finalmente, quando o meu pai se conseguiu libertar e “riscar o lume”, diz-lhe o tio Pincha:

-“Risca o ca…, agora que a gaja já fugiu!”


Augusta Mata

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

TERRA AMADA


IN ILLO TEMPORE

por

ANTÓNIO BRAZ PEREIRA


Rebordainhos já foi vila e, ainda hoje, lá para os lados da Chãera, as gentes de trás da serra falam dos “Cancelos da Vila”. Era um aglomerado bastante significativo de pessoas e a maior parte dos lares eram constituídos, bem à vontade, por uma dezena de familiares próximos. A maior parte das casas não possuíam o mínimo conforto: poucas divisões, telhados e paredes com buracos, por onde a ratazana fazia os seus passeios diurnos e nocturnos, com tranquilidade desavergonhada. O gatito que por lá andava tentava, de vez em quando uma astúcia heróica, pretensiosa, que resultava ou não, mas era do seu abnegado trabalho que dependia a sua sobrevivência. Havia, também, as chamadas casas “ricas”, as quais se contavam pelos dedos das mãos. Estas diferenciavam-se das outras, tanto pela arquitectura, como pela abundância, na recolha dos géneros, no seu devido tempo.

Falava-se de uma Igreja que em tempos teria existido no Lombo de à Igreja, pelo facto de ainda se encontrarem pedaços de telhas ao lavrar e, também, pelo nome dado ao lugar. Houve aí grandes pegas de touros a que nós chamávamos luta. Existia uma rivalidade orgulhosa, tremenda, entre os proprietários dos touros: todos diziam ser o deles o mais forte, o mais bonito, o maior... O Ramiro Alves e o Francisco Martins tinham dois bichos grandes e lindos. Lutaram no Lombo de à Igreja, mas já me não recordo qual deles ganhou. Também o Cândido Pires e o Fernando Jarrete participaram com os seus touros em lutas semelhantes. Outro pretexto de rivalidade era a rua que divide ao meio a povoação: sempre que se organizavam jogos, era o bairro de Baixo contra o de Cima, Cubelo, Espinheiro e Portela contra à Chave, Bairro das pedras e Outeiro.

Da nossa Freguesia fazem parte integrante os lindos Vales, um pequeno aglomerado de casas, mas com gente de grande franqueza e bondade, não esquecendo a coragem, tanto dos mais novos, para virem à escola, como dos mais velhos, que se deslocavam quando a necessidade se fazia sentir. Os Pereiros ficam mais perto e têm maior número de habitantes do que os Vales. A sua festa grande é dedicada ao Santo Amaro, no mês de Janeiro, creio, e fazia o orgulho dos que lá moravam. Porque Pombares também fazia parte da paróquia, realizávamos a Romaria ao S. Frutuoso em Teixedo, local magnífico para repouso, com a sua paisagem esplendorosa, parques em estado selvagem, onde à sombra de numerosas e diversas árvores, junto da corredia e silenciosa ribeira, se comiam copiosas merendas, partilhadas entre amigos e familiares, vindos com fé, assistir à missa anual, mas igualmente para relaxar, conviver, admirar e saborear, numa harmonia de paz e amor. Arufe também tem a sua Capela e o seu encanto, tanto na localização como na terra fértil, sabendo os seus moradores explorar e partilhar o que lá havia de melhor. A Quinta do “ Sepúlveda” rica, airosa e de grandes dimensões, dava muito trabalho, "jeiras" para a subsistência de algumas famílias.

Nesse tempo não existia na Aldeia, nem alcatrão nem calcetamentos No Inverno, pelas ruas cheias de lama e águas, espalhava-se palha ou folhas de carvalho, para melhor se passar, e essa mistura serviria, mais tarde, para estrume. Também não havia energia eléctrica, pelo que as candeias a petróleo, com sua torcidinha, faziam a felicidade dos da boa vista. Outra fonte de energia, a do carvão por exemplo, era feita directamente no monte. Primeiro arrancavam-se os “cepos” (toros, ou o que se lhe queira chamar), raiz da urze. Depois, cavava-se uma poça em circunferência com um diâmetro de um metro e a profundidade de trinta centímetros, onde se metia a urze. Chegava-se-lhe fogo e ficava a arder noite e dia, mais ou menos durante quarenta e oito horas. Quando o carvão estava em ponto, para que se apagasse lentamente, punham-se-lhe em cima bocados de terra com erva, cortados com uma enxada.
Regularmente, realizavam-se os "dias de concelho", ordenados pelo Presidente de Freguesia, para arranjos de caminhos, limpeza das poças de rega e o demais respeitante à comunidade.

Também não havia automóveis. As pessoas deslocavam-se a pé ou a cavalo e, para irem à cidade, apanhavam o comboio a carvão na estação de Rossas. No regresso de Bragança havia um túnel onde os putos costumavam fazer apostas, para ver quem tinha coragem de o percorrer; outras vezes, punham sebo e pregos nos carris, para que o vagaroso comboio não fosse capaz de subir a encosta próxima.

Nas noites rudes e bravias de Inverno, ia-se velar para casa do vizinho ou amigo, onde se contavam histórias, umas verdadeiras outras imaginárias, e as de “ficção científica”, que incluíam bruxas, lobos, ladrões etc. Em casa do meu avô paternal, pegava ele num cajado, com o qual jogava o” Rectemol “ indo de cabeça em cabeça, e só parava quando acabava a cantilena. Na da tia Aninhas, na Portela, podia-se ouvir até bem tarde, cantar desgarradas e fados, obra do Octávio das Cabanas, irmão da tia Ester, que tinha maravilhoso timbre de voz. O povo entretinha-se do modo que podia. Às vezes, junto das tascas, os homens mediam forças entre si. Contavam que o tio António Trocho levantava do chão, a braços, uma pedra redonda, junto da sua taberna, que pesaria por volta dos duzentos quilos. Eu vi o Ramiro dos Pereiros pegar em dois sacos de centeio, debaixo de cada braço, e transportá-los numa distância de duzentos metros.

Por estes tempos, costumavam visitar a Aldeia algumas "troupes" de circo mas, sobretudo, de teatro. Da minha lembrança foram representados A Rosa do Adro, o Amor de Perdição e o Zé do Telhado. As sessões realizavam-se no palheiro do tio João Santo, frente à casa do tio Jaime, e também no cabanal do tio Alfredo Guerra, junto da casa. A mocidade dos seus vinte e mais anos aterrorizava os mais pequenos, com o "bate-cu" (de onde veio a alcunha do Orlando, quando uma vez foi apanhado, e como do outro lado o rapaz era mais pequeno, então diziam que ele dava “pinotes”). Grande mocidade, em quantidade e qualidade! Pôncio, Ricarte, Víctor, Chico, Fernando, Zequinhas, Cândido, Corrécio, Frederico, Carlos e Duarte Chicheiro, Manuel e Américo Pereira, Mário Couceiro, Nuno e Manuel Caminha, Hermenegildo e Brotas, Manuel e Rafael e outros que não cito por me não lembrar, mas que davam vida e ser à nossa terra. Todos estes galafates se reuniam quando qualquer estranho, vindo das aldeias vizinhas, tentava namorar com moças da terra, fazendo-lhe pagar o vinho. Caso recusasse, era atirado para dentro de um tanque ou agredido. Pedir uma moça em casamento não era tarefa fácil, sobretudo se os seus familiares discordavam de tal casamento. Aliás, a maior parte dos casamentos realizavam-se por conveniência, sendo os pais a escolher e organizar tudo. Os que realmente se amavam, mas que infelizmente encontravam barreiras pelo caminho, aguardavam a maioridade para se casarem, mas eram desprezados pelo agregado familiar, sofrendo graves consequências afectivas e financeiras.

No mês de Setembro era a grande festa da Aldeia, cuja animação e entusiasmo se via retratada, mesmo, nos rostos mais pacatos e silenciosos. Dois ou três foguetes, (lançados pelo fogueteiro da Aldeia, se faz favor!) anunciavam o início das festividades, seguidos da Banda, (quase sempre a de Pinela) que, depois de dar a volta ao povoado, parava no largo do Prado debaixo dos famosos freixo e olmo. Os músicos já tinham patrões determinados para o almoço, esperando apenas pela hora da missa e procissão. As doceiras faziam o encanto dos mais jovens que se contentavam com umas amêndoas caseiras, doces económicos, ou uns rebuçaditos, porque o dinheiro também não abundava. Pela tarde, já findo o almoço melhorado, dançava-se ao toque do “auto-falante” saboreando os momentos felizes e harmoniosos dedicados a Nossa Senhora do Rosário.

domingo, 4 de outubro de 2009

Sou eu



SOU EU


Venho de negro, … do negro que sou,
Porque de vermelho não vou chegar.
Lancem brancas fitas ao abalar,
Sem me dizerem para onde vou.

Para chegar lenta, …mas lentamente,
Perfilhei outra mescla multicor.
Ao partir, abneguei sangue e amor,
Mas de branco, fá-lo-ei livremente.

Que o leve tom verde se dilua
Nessa vítrea luz do teu olhar,
Como pureza de cristal em flor,

Tal como sombras nesta vida crua,
Na paleta florida de ardor.
Mas um dia, sei que vou regressar.

Orlando Martins


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Creio que não fica mal lembrar aqui: Gracias a la Vida