sábado, 30 de março de 2013

A Senhora Maria da Quinta


Foi aqui nesta bela quinta que a sra Maria viveu a maior parte da sua vida. Aqui trabalhou e lutou pelo bem-estar dos seus. Aqui foi esposa, mãe, avó, bisavó. Aqui soube, como só ela soube ser, amiga.
Sempre que subia a Rebordainhos fazia-o em passo apressado, mas tinha sempre tempo para nos oferecer palavras de saudação e umas boas gargalhadas.
Quinta-feira Santa despedimo-nos com um ATÉ SEMPRE desta boa amiga.


sábado, 23 de março de 2013

PÁSCOA FELIZ

Lembrais-vos? Até podia chover, mas o dia de Páscoa era sempre dia de alegria.

Que diferença! Depois de uma semana inteira a sermos chamados por matracas para uma igreja triste, porque sem cânticos e com os santos cobertos por panos roxos, eis que os sinos repicavam com toda a força, querendo apregoar que o Senhor ressuscitara. A igreja ganhara luz, transfigurada pelas mãos artistas das mulheres que a tinham enfeitado com as mais puras flores colhidas no jardim da natureza. E os cânticos da ressurreição eram entoados com tamanho júbilo que, nesse dia, penso eu, Deus nosso Senhor dava descanso aos  anjos canoros para só escutar as vozes fiéis de Rebordaínhos.

Despachado o jantar, a rapaziada começava a juntar-se na eira para jogar ao cântaro. Depois de escachados uns poucos, e já com o povo todo reunido, começavam os jogos de roda, em que rapazes e raparigas reproduziam gestos que se perdem no tempo. Os mais novos imitavam-nos, fazendo as suas pequenas rodas, enquanto os mais velhos olhavam atentos para todos, garantindo a fidelidade ao testemunho.

Que me lembre, só num dos jogos se juntavam as crianças e os jovens. Formavam-se dois círculos concêntricos - o de dentro com as crianças; o de fora com os mais velhitos, uns e outros de mãos dadas. As duas rodas giravam independentes durante os dois primeiros versos de cada quadra (bisados) mas, em chegando ao terceiro e ao quarto versos (também bisados), os da roda de fora davam uns passinhos para dentro e incluíam as crianças no espaço aberto por cada par de mãos dadas, e assim continuavam, em roda única, até terminar a quadra.

A letra é uma pérola religiosa, trazida, como que a fazer a ponte, para a festa profana, que é a festa dos Homens e das suas vidas terrenas. Lembrais-vos dela?

                                               Eu também sou lavadeira
                                               Lavo no rio Jordão
                                               Quando estou a lavar
                                               Aparece-me S. João.

                                               Nossa Senhora chamou-me
                                               Chamou-me e eu vou com ela
                                               Ela é minha madrinha
                                               E eu sou afilhada dela.

                                               Nossa Senhora faz meia
                                               Faz meia feita de luz
                                               O novelo é lua cheia
                                               E as meias são para Jesus.

                                               Nossa Senhora é uma rosa
                                               O Menino é um cravo
                                               S. José é jardineiro
                                               Desse jardim tão sagrado.
______
Para todos os visitantes desta página, os meus desejos de Páscoa feliz.

Nota: Deixei a publicação deste artigo agendada para uma data em que já estarei em Rebordaínhos, razão pela qual não poderei responder aos vossos comentários.

quinta-feira, 21 de março de 2013

PARABÉNS!

Estão  de pé. 
Ela exibe uma melancia; ele tirou os óculos que segura nas mãos. 
Ambos fazem hoje anos.


Parabéns, meus irmãos!

quarta-feira, 13 de março de 2013

Para a minha Mãe


Mãe Mãe:

Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.                                                            
Presença cinzelada em pedra dura,               
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
                              
Mãe:                                                                                                                         
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
                                                                       


                                                                                                    Miguel Torga, in 'Diário IV'

sexta-feira, 8 de março de 2013

AINDA LEMBRO ABRIL

                               


Eu vi...,
Uma semente lançada,
Atirada ao vento…
Descrever um arco,

Eu vi,
Um pó doirado cair                                          
Na terra mãe.

Eu vi uma semente enterrada
Apodrecer e  desabrochar.                                                                                                        
Eu vi uma espiga erguida,                                    
De espaço a espaço seguida
Por milhares de outras,
Até formarem uma seara.
                                               

Eu vi,
Papoilas vermelhas,
De sangue pintadas,
Beijando o manto dourado.                                                                          

Eu vi…                         
Espigas debulhadas,                                                                                                                  
Em alimento transformadas,
Tornarem-se o sustento
De uma Nação.
O PÃO

Hoje,
Eu vejo,
Campos e campos abandonados…
 Terras férteis violadas,
 Por cardos e solidão.

Eu vejo,
Lágrimas derramadas,
Casas vazias,                                                         
 Almas penadas…

Eu vejo,
O cravo encarnado,
Ainda nas lapelas pendurado,
Tornar-se negro,
Negro como a noite.

Do negro que hoje se vive,
No dia a dia da fome…
Que tal como um cancro cresce,
Mas não desaparece,
Por entre as mãos estendidas,
Que apenas pedem
PÃO.

Eu vejo,
Do peitoral da janela,
Um mar imenso…
                                                                                                                               
Um mar de gente revoltada,                                                                                     
Impotente e enganada,
A levantar as mãos,
Num silêncio de orações.

Junta-te às preces,
Pois tu não tens mais do que mereces,
E por isso grita bem alto comigo

Queremos:

PÃO
LIBERDADE

Queremos que esta terra volte

À

TERRA DA FRATERNIDADE

Gritemos todos.
                                               (Orlando Martins)