sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

AURORA BOREAL


Tinha terminado mais um dia de Janeiro. Às seis da tarde, já toda a gente ceara e preparava-se para passar mais um serão. Provavelmente, as mulheres entretinham-se a fazer meia e os homens, tábua no colo, pisavam o unto que, enrolado em bola, se tornaria no tempero delicioso do caldo de couves do ano inteiro.

Ninguém sabe como foi que deram por ela, mas o facto é que todos sairam à rua e olhavam embasbacados. Nunca tal se vira!

O céu apresentava-se de um vermelhão que metia medo. Todo o Norte parecia tingido de sangue!

Ouviram-se gritos de temor pelo fim do Mundo anunciado e as mães abriram os braços para que neles lhes coubessem todos os filhos que tinham. Deve ter sido assim por todo o povo. Menos no bairro da Portela.

Na Portela, o tio Ramos e o tio Pereira, cunhados por serem casados com duas irmãs, faziam um fado! Na sala do Pereira, ambos de meotes, dançavam um com o outro, dando-se o braço em gancho. E cantavam também, porque dançar sem música não tinha jeito nenhum! De vez em quando paravam e assomavam à janela. O Ramos espreitava e dizia:

- Olha a aurora boreal!

O Pereira, que gostava pouco dos "ai meu Deus" e de coisas que nunca vira, tratava de corrigir:

- São os medeiros dos Vales que estão a arder!

E passaram a noite nisto, a dançar de meotes e a espreitar à janela, um a afirmar que era a aurora boreal e o outro a dizer que eram os medeiros dos vales a arder!

No bairro da Portela não sabiam se haviam de chorar com o espectáculo do céu, ou rir com o espectáculo dos dois borrachos.

Os cegos de Vinhais rapidamente poriam em verso este acontecimento raríssimo de uma aurora boreal observada em Portugal. Pela feira dos Chãos, tais quadras chegaram ao conhecimento de meio mundo e foi assim que o meu tio Manuel as decorou e mas ensinou. Tinha doze anos nessa altura e estávamos em 1938.

Meus senhores, venham ouvir
Grande pecado de paixão,
Caso triste e horroroso
Fez tremer o coração!

Apareceu um sinal
Aos vinte e cinco de Janeiro,
P'ra que todos acreditassem
Naquele Deus verdadeiro!

Ele foi universal,
Em todo o lugar apareceu:
Foi visto por todo o Mundo
Mas ninguém se arrependeu!

Esse sinal foi um exemplo
Não devemos duvidar:
Anunciou por todo o Mundo
Grande guerra mundial!

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Efectivamente, a II Guerra Mundial começaria a 1 de Setembro de 1939. No entanto, logo em Março de 1938, Hitler anexava a Áustria e, pouco depois, conquistava a Checoslováquia. Entre nós, muitos veriam na aurora boreal a confirmação da
mensagem de Fátima.
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A imagem que ilustra o artigo foi
retirada daqui. Mostra uma aurora austral porque não encontrei nenhuma boreal que correspondesse às descrições que ouvi e li.

domingo, 23 de janeiro de 2011

JOGOS

Não sei porquê, hoje isto não me sai da cabeça...


- Ó vilão do cabo, cheira a pão queimado! Quem é que o queimou?

- Foi o rei que aqui passou!

- Que seja morto e enforcado co'as cordinhas de Santiago!

[Agora, quem se lembrar faça o favor de descrever o resto do jogo que, se me não engano, tinha alguma coisa a ver com "aguçar navalhinhas".
Pelos vistos, ninguém se lembra. Paciência, fica aqui conforme sei. Depois não se queixem, se estiver mal!]


Depois do diálogo entre os "vilãos", os garotos perguntavam a um deles:

- Mais queres passar gateirinhas ou aguçar navalhinhas?

Se escolhesse passar gateirinhas, os outros punham-se em fila, de pernas abertas. O garoto em causa tinha de passar, de gatas, por entre elas (as gateirinhas), enquanto os que estavam na fila lhe davam nozadas na cabeça.

Se escolhesse aguçar navalhinas, os garotos dispunham-se em duas filas, uns de frente aos outros, enquanto esfregavam as mãos (aguçar navalhinas). O garoto tentava passar a correr pelo meio das duas filas, de modo a apanhar o menor número possível de palmadas.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ROSTOS

Esta fotografia apela à memória dos mais velhos frequentadores desta casa. Quem se lembra dos rostos que foram seus companheiros de infância? Aqui fica o desafio.


................................. LUGAR: Escadas da tia Maria e do tio António Piloto

.................................1 - tia Teresa Martins
.................................2 - Olímpia Pereira
.................................3 - Maria Augusta Martins
.................................4 - Pedro Pereira (Manuel)
.................................5 - Augusta Pereira
.................................6 - Amélia Pereira
.................................7 - Albertina Pereira
.................................8 - Evaristo Pereira
.................................9 - Artur Pereira

sábado, 15 de janeiro de 2011

DITOS DO POVO


Janeiro molhado, se não cria o pão, cria o gado.
Pitos em Janeiro vão com a mãe ao poleiro.
Pitos em Janeiro não vão ao poleiro.
Em Janeiro, um porco ao sol e outro ao fumeiro.
Sapatos brancos em Janeiro, sinal de pouco dinheiro.


Luar de Janeiro não tem parceiro!
Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro.
Não há luar como o de Janeiro, nem sol como o de Agosto.


Sobre o crescer dos dias:

No Natal, um salto de pardal;
em Janeiro, salto de cordeiro.

Janeiro fora, tem o dia mais uma hora
e se bem contar, hora e meia lhe há-de achar!

Sobre o devir do ano:

Consoante for o tempo nos 12 primeiros dias de Janeiro, assim serão os 12 meses do ano.

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Vamos ver se este artigo cresce como crescem os dias!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CARETO (III)

O Jornal Nordeste esteve, também, em Rebordaínhos e publicou uma excelente reportagem fotográfica que pode ser vista clicando sobre o sublinhado. O mesmo jornal fez, ainda, reportagem escrita e um vídeo com as fotografias que publicou no Youtube. Tudo isto são informações que o Rui me vai dando.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Careto (II)

Felizes os povos que são capazes de manter as suas tradições, muito embora precisem de as adaptar. Rebordaínhos é feliz! Que importa se o rapaz que veste o fato do careto já não é escolhido e mantido em segredo? O que interessa é que essa figura perdura, disso se encarregando o Rogério Veigas (da Marquinhas). Bem-haja ele! Mostra a cara? Paciência... também já não há raparigas para chocalhar, nem as crianças fogem dele como o diabo foge da cruz!

Bem-hajam, também, os cantadores: Casimiro Pires; Francisco Martins; Manuel Ferreira e António Rodrigo. Magníficas vozes entregues a um esforço que só a dedicação ao povo compensa! Aqui ficam quatro apontamentos, em três casas diferentes, entoando estrofes diferentes.

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Estes mimos, assim como todas as fotografias que ilustram este artigo e o anterior, temos a agradecê-los ao Rui Freixedelo (da Maria Angélica).

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A graça que acho a esta fotografia!

domingo, 9 de janeiro de 2011

O CARETO


A sua origem perde-se nos tempos. Há quem o afirme celta e há quem lhe atribua filiação romana. Ninguém duvida, no entanto, que o careto é uma figura pagã que foi cristianizada.

Os caretos - figuras maiores das festas dos rapazes - existem por todo o Nordeste transmontano e estão associados a diferentes festas litúrgicas, segundo as preferências de cada aldeia. Para nós, é o dia de Reis.


Em Rebordaínhos, a festa é organizada pelo mordomo das Almas que oferece lauto mata-bicho ao careto e aos cantadores. Depois, dirigem-se todos ao adro da igreja onde, fente à porta principal, cantam e rezam. De seguida iniciam o périplo pelas povoações que compõem a freguesia: Arufe, quinta de Vila Boa, Pereiros, Vales (ainda lá vão?) e, naturalmente, Rebordaínhos. Era uma canseira, nos tempos em que todas as casas eram habitadas e o percurso se fazia, integralmente, a pé.

As famílias aguardam em suas casas pela visita. Os cantadores, que se não intimidam com o frio, puxam pelas vozes e entoam alguns versos (ver aqui). Finda a cantoria, o mordomo recolhe a esmola que lhe é dada. Em casas de luto, em vez de se cantar, oferece-se uma oração por alma de quem partiu.

Que faz o careto? Vestido com fato garrido, costurado de uma colcha velha e debruado com franjas de lã, traz chocalhos à cinta, que sacode o mais que pode para se fazer ouvir bem. Numa mão transporta uma maçã onde vai cravando as moedas que as pessoas lhe dão, ao pedido de "ũa c'roinha! ũa c'roinha!" Na outra mão transporta uma foice. Chocalhos e foice são as armas que usa para se meter com as raparigas, que fogem dele a sete pés. Traz a cara tapada por uma máscara que lhe acentua o aspecto diabólico.



Além de chocalhar as raparigas, o careto é um atrevido, capaz de entrar em qualquer casa e, com a foice, roubar algumas chouriças e salpicões do fumeiro.

Com o fato vestido, o rapaz transformava-se na própria personagem do careto. É por isso que nunca mostrava a cara pois acreditava-se que se o fizesse e morresse, iria direitinho para o inferno, sem possibilidade de redenção.





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A figura do careto é composta de diversos símbolos, a maioria deles associados ao diabo: o fato e a máscara de cor vermelha, os chocalhos e também a maçã, aquela que Eva comeu, induzida pela serpente. Mas o careto ainda transporta uma foice que todos relacionamos com a ideia de morte. Representará a morte da natureza presente no calendário cíclico de eterno retorno que os celtas celebravam? Não sei e ninguém o pode afirmar, mas tenho a certeza de que, através desta festa, estabelecemos uma ligação entre o mundo dos vivos e o mundo das almas - afinal, o mundo futuro de todos nós.

sábado, 8 de janeiro de 2011

DIA DE REIS


Surripiei esta fotografia à Lurdes, que a incluiu na página de Rebordaínhos no facebook.

A nossa festa de dia de Reis vai ser amanhã e o Rui Freixedelo, porque estará lá, prometeu que me enviaria as fotografias que pudesse tirar. Publicá-las-ei assim que me cheguem.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

ROSTOS

Eis a segunda fotografia fornecida pela Ondina. Já nenhum deles é menino e, confesso, para mim foi um desafio tentar encontrar nestes rostos as faces dos homens e das mulheres de hoje. Vamos ver, então, quem dá palpites!


............... 1 - Gina (da Maria Albertina)
............... 2 - Patrícia (da tia Julieta)
............... 3 - Tilinha (da Lurdes)
............... 4 - Marta (da Lúcia)
............... 5 - Pedro (da Ondina)
............... 6 - João Duarte(dos Pereiros)? Paulo (do sr. Víctor)?
............... 7 - Celeste (do Valente)
............... 8 - Paulo (do Valente)? Miguel (da Bárbara)?
............... 9 - Gorete (do Cerca da Quinta)
............... 10- Miguel (da Bárbara)? Paulo(do Valente?
............... 11- Susana (da Marquinhas)

domingo, 2 de janeiro de 2011

CONTAS


EPIFANIA E LAVANDEIRAS


Celebra-se hoje a festa da Epifania. Nas leituras dominicais destaca-se a passagem do Evangelho de S. Mateus em que se narra a visita dos Reis Magos, gentios vindo do Oriente. É, precisamente, neste acontecimento que reside a epifania, ou seja, a manifestação de Deus que, através dos Reis Magos, Se revela a todos os povos da Terra.

Se bem vos recordais, o melífluo rei Herodes pediu aos Magos que, assim que encontrassem Jesus, lhe viessem dizer onde estava, para também O ir adorar. Na verdade, o que ele queria era matá-Lo, para não ter quem lhe disputasse o poder mas, avisados em sonhos, os Reis do Oriente foram-se embora sem nada contarem. Herodes, para cortar o mal pela raiz, determinou a matança dos inocentes. Jesus escapou com vida porque a Sagrada Família fugiu para o Egipto.

É aqui que entram os acrescentos que, em Rebordaínhos, fazemos ao texto bíblico.
Na nossa tradição, dizemos que S. José ferrou a burra ao contrário, de modo a enganar os que fossem em sua perseguição: quem olhasse para as pegadas pensaria que aquele animal estaria a entrar na terra, em vez de sair dela. Mesmo assim, os soldados do rei perguntavam:

- "Vistes passar Jesus por aqui?"
E as lavandeiras, limpando as pegadas com a cauda, respondiam:
- "Por aqui não passou! Por aqui não passou!"

Gostaria de saber a moral que cada um tira desta história (para poder acrescentar ao texto).
Eu deixo esta: o auxílio dos mais humildes é tão importante que até Deus beneficiou dele.

"O seguro morreu de velho",terão pensado as andorinhas, não fosse o diabo tecê-las e os soldados do rei começassem a questionar-se sobre as pegadas. É a máxima acrescentada pela Olímpia.

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O que eu aprendi sobre lavandeiras! Vejam lá bem que lhes chamam Motacilla alba e têm mais nomes vulgares do que nomes próprios os reis!

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A pintura da visita dos Reis Magos é de Grão Vasco, grande pintor português do séc. XV-XVI