segunda-feira, 28 de maio de 2012

MEMÓRIAS DE UMA ZELA [III]



EPÍLOGO EM PENACANE


Não sou ingénua – sei que destruíram o altar de Nabia para nos dar uma lição: ou nos submetíamos ou seríamos destruídos. Pior: poderíamos ser vendidos como escravos!
***

Parecia que a terra se tinha aberto e lhe saíam das entranhas. Eram enxames deles, semelhantes a escaravelhos em pé, de tão protegidos que vinham atrás dos seus longos escudos. Formavam fileiras intermináveis mas moviam-se como se de um só corpo se tratasse. Apareciam de todos os lados e adentravam pela nossa terra, galgando a distância num assalto organizado, obediente e eficaz.

Decidimos invocar o auxílio dos deuses, enviando os feiticeiros à sagrada fraga do berrão e pedimos-lhes que se não esquecessem de passar pela anta, pois tão notável sepultura deveria guardar o corpo de algum guerreiro valente ou poderoso sacerdote. Enquanto isso, com os parcos meios de que dispúnhamos, organizaríamos a defesa do nosso povoado.

De início tentámos uma defesa frontal, mas, como as nossas lanças e dardos se mostrassem inúteis perante a carapaça dos escudos deles, mudámos de táctica. Usámos a nosso favor o facto de estarmos em ponto alto, o que nos permitia arremessar pedregulhos que os faziam tombar, atrapalhando-lhes a marcha. Compensámos a desvantagem numérica pela organização em pequenos grupos emboscados que atacavam de surpresa, pelos flancos, e se escondiam velozes para atacarem de seguida noutro lugar. Assim nos aguentámos até que o Sol se escondeu. A noite não tardaria e os feiticeiros já deviam ter regressado. Mediante a resposta que trouxessem dos deuses, assim organizaríamos os dias seguintes.

Os feiticeiros, porém, não tinham regressado. Mesmo assim, montámos vigias e aquilo que observámos deixou-nos mais preocupados: o breu nocturno era quebrado pelos fogachos das fogueiras que os invasores acendiam para se aquecerem e prepararem as refeições. Luziam por todos os vales em redor. Estávamos cercados!

Era tão grande a inquietação que nem as crianças conseguiam dormir. Deambulávamos ao acaso por dentro da cerca, tentando entreter o tempo até que amanhecesse e retomássemos o combate. Subitamente, o silêncio da noite foi rasgado por enorme vozearia vinda do lado de onde nasce o Sol e todos subimos às muralhas para perceber o que se passava.

Oh! visão horrenda! Oh! filhos das trevas, que abominação tão grande cometestes! Sobre um enorme cadafalso iluminado pela luz de muitos fachos, erguestes cruzes bem altas. Presos a elas, atados de pés e mãos, agonizavam os nossos feiticeiros. Num crime de soberba sem limites, ornastes-lhes todo o corpo com os sagrados ramos do teixo!

Quase todos consideraram esta visão como um sinal dos deuses para que aceitássemos pacificamente a chegada do novo povo. Não me incluo entre esses, mas tive que me sujeitar como os demais.

Fizeram tudo rápida e ordenadamente como só eles sabem. Obrigaram-nos a abandonar o nosso povoado e a descer para esta terra mais abaixo, proibindo-nos de a cercar de muralhas. Comparando com aquilo que, contam, fizeram a outros (gabam-se especialmente dos lusitanos), connosco nem foram muito cruéis: permitiram que ficássemos por aqui e “deram-nos” terras, embora tenham vendido os mais aguerridos como escravos. Os que agora somos velhos, no entanto, guardámos para sempre a mágoa imensa de termos perdido o nosso modo de vida. E foi por isso que, quando nos perguntaram que nome dávamos àquele chão onde tinham erguido o patíbulo, lhes respondemos que era o cabeço dos cães(1). Iludidos pela semelhança com a sua palavra “pinna(2)” e, crendo que ali tivesse existido alguma fraga onde os cães se juntassem para uivar à Lua, aceitaram que assim ficasse: Penacane(3). Mas os cães do nome são eles, por causa do mal que lá cometeram!

Quem vos fala, para que de tudo saibais, é esta velha Zela, da comunidade dos Reburrinus(4).


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(1)Cão, em latim, diz-se "cane"

(2) Pinna: rochedo, fraga

(3)Cito a entrada “Pena” do "Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa", de José Pedro Machado:
“Em alguns casos, pena, e seus compostos e derivados, pode representar o céltico penn, pen, «cabeça», «cabeço», «extremidade» (…).
Foi daqui que deduzi a possível confusão com pinna.


(4)De todos, este é o maior atrevimento que cometo. Quase nada sabemos dos nomes dos lugares dos Zelas: que Curunda é a sua sede e pouco mais. Reburrinus é nome próprio masculino e seduz-me muito a sua semelhança com o nosso Rebordaínhos, que em português arcaico vemos grafado "Rebordinos", "Rebordino" ou "Rebordayo". Reburrus, Riburra e Burrali são outros nomes próprios dos Zelas.

Não deixa de ser interessante uma outra perspectiva que poderá ter a ver com semelhanças fonéticas. Leia-se o verbete “Burro” no Vocabulário Portuguez e Latino de Bluteau (clicar na imagem para ampliar: "Diz Festo Grammatico, que os Antigos dizião Burrus em lugar de Rusus [Ruço], Ruivo, Burrum dicebant Antiqui quod nunc dicimus Rusum (...)


quarta-feira, 23 de maio de 2012

MEMÓRIAS DE UMA ZELA [II]


2: DA FÉ E DO NABALHO

Escutai-me com atenção, vós que começais a deixar-vos seduzir pelas novidades trazidas pelos invasores. Porque vos sentis diminuídos quando vos chamam “barbari”, desejais assemelhar-vos a eles, vestindo como eles se vestem, falando como eles falam e sacrificando aos deuses deles. Existe algo de muito estranho nos romanos que, mal chegaram à nossa terra, trataram de dizer que os nossos deuses eram os mesmos que os deles, só que com outro nome. Não acrediteis e cessai, por isso, de sacrificar a Marte cuidando que homenageais Bandua.

Meditai bem nas histórias que contam sobre os seus deuses e concluireis que são terríveis, sempre irados e em guerras constantes uns com os outros. Se somos um povo de paz, como poderíamos ter como deus alguém que promove a guerra e só com ela se satisfaz? Bandua(1), o nosso deus, defende-nos dos perigos que surgem nos caminhos escuros; acompanha-nos quando caçamos, protegendo-nos das investidas do porco montês quando se vê acossado, ou da violência do urso que não teme o ser humano. Bandua está na natureza, não está no gládio!

Aerno(2)– não Júpiter – é o nosso deus maior. Só nosso, dos Zelas! Sempre a ele recorremos e homenageámos no devir das estações, fosse quando nascia para os dias longos, fosse quando se deitava para dormir noites compridas. E porque a morte é a noite dos Homens que não termina, gravávamo-lo em pedra como um disco solar com braços(3), para que iluminasse a escuridão da sepultura. Assim me ilumine ele a mim, pois descreio de todos os deuses que vieram de fora mas que vós, agora, já seguis.

O Sol, a Lua e as estrelas são instrumento da vontade do grande deus que quer e permite que a vida aconteça ao ritmo certo:

noite-dia, Inverno-Verão, infância-velhice
/
trevas-luz, frio-calor, nascimento-morte.

Agradecemos-lhe a luz intensa do dia tanto quanto o brilho ténue do luar ou a sublime opulência do céu estrelado, mormente quando nos mostra aquele caminho que parece feito de leite e o atravessa de lés a lés.

Foi para Aerno que esculpimos o grande berrão que está naquela fraga que se avista daqui. Os romanos consideraram-no tosco, mas que sabem eles das nossas intenções? Aquele berrão representa, para nós, o próprio deus da vida na posição de fecundar a Terra(4). É um símbolo, sabemo-lo bem, mas como nos tem valido!

De tudo quanto fizeram, o que mais me custa perdoar aos romanos diz respeito a Nabia(5). Nabia, a senhora dos vales plenos de vegetação, dos vales fundos por onde correm veios de água, dos vales que, desenhados entre encostas, se assemelham a berços ou a navios; Nabia que faz brotar a água das fontes que mata a sede e cura as enfermidades; Nabia que dá vida aos bosques!

Quem vem de nascente e se encaminha para o lugar que habitamos agora, há-de reparar naquela encosta à sua direita, mal se inicia a subida. Está aí um lugar destruído. Era o altar de Nabia! Altar singelo que, todos os dias, enfeitávamos com delicados ramos de teixo colhidos nos lugares cujo nome nasceu da abundância dessa árvore: Teixedo e Teixeira. Apesar da morte, o teixo lembra-nos que a vida, enquanto tal, é perene, e por isso oferecíamos os seus ramos à deusa que faz jorrar a água, essência dessa vida. Ela retribuía-nos, povoando as nossas terras de arvoredo e de animais e abençoando aquele estreito rio que corre junto a Teixedo. Pois não é aí que, ainda hoje, levamos os nossos animais e os banhamos nas suas águas para serem curados das maleitas que os afectam?

Nabia é uma grande deusa, fecunda e benfazeja, mas o seu altar foi arrasado! Conspurcaram o seu espaço sagrado, calcando-o com os pés tingidos do sangue de quem a adora. Afirmaram que era falsa, que a verdadeira pertencia a povos diferentes, que a nossa era outra, que aquele lugar não era de Nabia. Na sua língua arrevesada, juntaram tudo. Já começam a chamar-lhe Nabalho(6)!

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(1)Bandua; Bandue; Bandueli são formas, ainda discutidas, de grafar o nome do deus. Pensa-se que terá sido equiparado a Marte, o deus romano da guerra. Contudo, são tão escassos os dados disponíveis sobre tal divindade, que as informações possíveis advêm somente da análise linguística do nome, que são muitas e divergentes entre si.

(2)Sabe-se muito pouco sobre os deuses Zelas mas, seguramente, que Aerno é um deles e que lhes é exclusivo. Segundo recentes estudos linguísticos, Aerno poderá ser um adjectivo formado a partir de “
ayer/ ayen” com o significado de dia e, se usado como advérbio, significaria “pela manhã”. Este raciocínio conduz à conclusão de que o deus seria o próprio Sol. Outras leituras sustentam que seria um deus relacionado com a vegetação. No entanto, devido ao carácter especulativo destas interpretações, a maior parte dos historiadores limita-se a considerar Aerno como um deus tutelar da comunidade Zela.

(3)Como se pode observar na imagem aqui publicada e naquela que ilustra o artigo anterior, são muito variadas as formas das suásticas solares que, tudo indica, dizem respeito a Aerno.

(4)Nada me permite fazer tal associação. O significado dos berrões é ainda um mistério, mas salta à vista a quase coincidência entre a sua distribuição geográfica e o território dos Zelas, em justaposição com o deus Aerno.

(5)Nabia é uma deusa omnipresente – salvo na região de Bragança. Olhando para a distribuição dos achados, essa ausência parece-me estranha, porque a deusa está representada a toda a volta, saltando apenas a nossa zona. Pergunto-me se tal ausência não resultará, somente, do quase nulo trabalho arqueológico na nossa terra?

(6)Estou aqui a propor uma leitura etimológica para Nabalho, assumindo que poderá ter nascido de Nabia + “alteru” que significa “outro" em latim. Assim: Nabia alteru > Nabi(a)alteru > Nab(i)alt(e)ru> Nabaltru > nabal(t)u > Nabalho.
Quer dizer: o processo há-de ter sido bem mais complexo…
Concordo que é um atrevimento, mas confesso que me seduz!

Agradeço ao Tonho da tia Lídia as correcções que me sugeriu. Só não sei se as acatei bem.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

MEMÓRIAS DE UMA ZELA

Os caminhos percorridos e os lugares visitados na Páscoa criaram-me a vontade de inventar algumas lendas, para nós que somos gente pouco dada a elas.

Os acontecimentos a que me vou referir são velhos de mais de 2000 anos e dizem respeito a um povo e a uma cultura de que descendemos: os Zelas (latim: Zoela/Zoelae). Infelizmente, a quase nula exploração arqueológica do Nordeste Transmontano não permite que se saiba muito acerca dessa comunidade e foi também esse o motivo que me fez inventar "lendas" em vez de escrever um artigo sobre esse tempo da História de Rebordaínhos. Queiram desculpar as notas de rodapé, mas parecem-me necessárias.

Esta "lenda" - ou "lendas" - será contada em três capítulos. Aqui fica o primeiro.

1: APRESENTAÇÃO


Para meu tormento, nada do que vivi e testemunhei existe já, mas, porque me pesa a consciência da memória que não quero ver perdida, aqui me tendes a contar-vos. Em chegando a vossa vez de serdes velhos, fareis consoante a consciência vo-lo ditar.

Éramos do mesmo sangue, todos quantos habitávamos lá em cima, naquele cabeço cercado por muros altos de xisto e granito. Pertencíamos a uma comunidade mais vasta – a gente dos Zelas – que se estendia por toda a terra que se avista lá de riba. Os Zelas, juntamente com outras gentes, formávamos o povo dos Ástures cujo território confinava com o vasto oceano(1).

Antes, as terras eram nossas e agora, por as cultivar, temos de pagar tributo a Roma. Roma deve ser a grande deusa deles, porque estão sempre a invocá-la. Há-de ser bem voraz, para consumir quase tudo quanto recolhemos deste chão e, se é verdade aquilo que apregoam, também de todas as terras à volta do grande mar.

Nunca vi pessoas tão feias como esses romanos. São uns sapos, sem pelos no rosto e, em vez de entrançarem o cabelo, tosam-no rente. Foram esses sapos que nos sujeitaram e nos obrigaram a descer lá de cima, onde tínhamos as nossas casas protegidas por muros altos.(2) Eram enxames deles e, dizem, a chefiá-los veio o próprio imperador, de seu nome Octávio. Eu não sei bem o que seja um imperador, mas deve ser uma espécie de deus em corpo de pessoa porque, apesar de ter nome próprio, referem-se a ele como “Augusto”(3). Também deve ter muito poder, pois todos lhe obedecem.

Parece-me muito estranho, isso da obediência a uma só pessoa: entre nós, e desde os tempos dos nossos antepassados, as decisões eram tomadas em conselho, homens e mulheres, orientados pelos feiticeiros que sabiam interpretar a vontade dos deuses. Tínhamos, até, um recinto especial para essas reuniões onde nos sentávamos em círculo, que é como quem diz, em posição de igualdade uns com os outros. Falava quem queria e, no fim, ficava decidido tudo quanto dissesse respeito à vida comum: o tempo da sementeira ou da colheita; os dias de agradecimento aos deuses – ou do pedido de auxílio, se fosse esse o caso –, a assinatura ou o reforço de laços de amizade com os vizinhos.

Levávamos vidas sossegadas. Os pactos de hospitalidade(4) que, desde há muitas gerações, assináramos com os vizinhos, permitiam-nos viver em paz e desfrutar do correr dos dias. Apascentávamos os rebanhos de cabras e ovelhas por este carvalhal que se estende a perder de vista. Recolhíamos bolotas e castanhas que pilávamos e delas fazíamos o pão que os romanos execram, mas a nós sabe-nos bem. Nas encostas mais abrigadas semeávamos linho e cevada. Do linho nos vestíamos e da cevada fazíamos a cerveja que bebíamos enquanto cantávamos e dançávamos nas belas noites de lua cheia. Desdenhosos, os conquistadores dizem que ululamos… melhor fora que desdenhassem também do nosso linho, assim não teríamos que fazer dele tributo! Nada parece saciá-los!
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NOTAS
(1)Para os tempos pré-romanos, a historiografia designa por “gentilidade” o conjunto dos habitantes de um povoado. Esses habitantes seriam membros de uma mesma família alargada. A gentilidade integrava-se numa “gente” que, por sua vez, pertencia a um “povo”. No caso que nos importa, os Zelas são uma gente que pertence ao povo Ásture. O centro dos Zelas seria, possivelmente, Castro de Avelãs (Torre Velha) e ocuparia um território que abarca a zona oriental de Trás-os-Montes (pelo menos, desde Mirandela) e que se estende até Zamora. Zela / Zelas é o aportuguesamento do latim Zoela/Zoelae.
Olivares Pedreño, um historiador espanhol que tem estudado os Zelas, defende que estes seriam um grupo cultural diferente dos Ástures e que teriam sido os romanos a uni-los.

(2)Como se depreende, estou a assumir que o Cabeço Cercado possa ser um castro. O romano Avieno refere-se aos castros como sendo "arduos colles": colinas difíceis, ásperas.

(3)O território dos Ástures foi definitivamente conquistado pelos romanos numa campanha chefiada pelo próprio Augusto. Sem datas exactas para cada uma das regiões, assume-se o ano 25 a.C. como a data da conquista efectiva.

(4) A assinatura de pactos de hospitalidade está testemunhada em várias estelas (a maior parte oriunda da região de Bragança). Quem assina um pacto fá-lo em nome da sua gentilidade e assume que daí por diante pertencerá à gentilidade do outro subscritor. Também há pactos de clientela, em que se aceita a protecção do outro em troca de obediência e auxílio.

domingo, 13 de maio de 2012

Ténue tentativa de manter e preservar uma tradição muito querida

Sabes, nós as mulheres gostávamos mais desta festa que da do Verão. – dizia-me a Lúcia enquanto procedíamos ao arranjo da igreja e do andor de Nossa Senhora de Fátima. E frisava: É que sabes, era uma festa só de igreja. Então não tínhamos mais trabalho que este.

Mas então, como era a festa – questionava a Tilinha, ao que a Lurdes lhe respondeu de imediato:

A tia Helena trazia sempre outro padre uns dias antes, que todos os dias fazia um sermão em honra de Nossa Senhora. Depois, no dia 13 às 9h da manhã, era a missa das crianças. A outra era ao meio dia.

Então havia duas missas? - questionava uma vez mais a Tilinha.

Sim, porque eram as primeiras comunhões. As crianças da cruzada e os anjinhos eram vestidos em casa da tia Helena. Depois vinham em procissão até à igreja – acrescentaram quase em uníssono a Lurdes e a Lúcia. A outra era ao meio dia.




E assim se passou mais uma tarde de preparativos para a festa do 13 de Maio em Rebordainhos. Todas as mordomas estiveram em sintonia, e mais uma vez a nossa igreja foi decorada com uma única cor – o branco - pois a Luísa e o Dinis decidiram que a festa da 1ª comunhão da sua filha mais nova, a Daniela, acontecesse como antigamente, no dia 13 de Maio.

E foi bonito de se ver. Na hora da comunhão da Daniela voltámos a ouvir aquela canção que, acredito, todos nós recordamos com carinho: "Vinde ó meigas criancinhas"…

Para o Dinis e para a Luísa, os meus mais profundos agradecimentos pela decisão que tomaram.










E agora, apesar de não ter nada a ver com o que aconteceu hoje em Rebordainhos, mas porque directamente relacionado com a data, não posso deixar de mandar um grande beijo à pessoa que dedica horas e horas do seu tempo à manutenção deste blog.
Há uns anos atrás, no dia da 1ª comunhão da Amélia, nasceu a filha mais nova do tio João e da tia Teresa.

A FÁTIMA FAZ ANOS HOJE

Augusta

UMA SENHORA DIFERENTE

Este artigo foi-me inspirado pelo Ribordayn .



Todos conhecemos de sobra a imagem de Nossa Senhora de Fátima, da autoria de Guilherme Thedim, que a terá esculpido em parceria com seu irmão José.

Tanto quanto sei, a escolha da imagem fez-se entre duas alternativas, sendo preterida a de Teixeira Lopes. Gosto tão mais dela!

O seio evidenciado; a perna que sobressai, moldada pelo manto fino; os braços com carne; tudo isto apela à ideia de Maria que foi mulher. No rosto está estampada a dor que as pessoas são capazes de sentir. Esta imagem aproxima Nossa Senhora dos Homens, porque recorda a humanidade da mãe de Jesus e a torna tão semelhante às nossas mães!



Para os nossos compatriotas no Brasil, um dia da mãe muito feliz.

domingo, 6 de maio de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

FEIRA DAS CANTARINHAS

Este artigo só servirá, provavelmente, para que quem está longe possa matar saudades. Acredito, no entanto, que vale a pena.

De há vinte e cinco anos a esta parte, à feira das cantarinhas associou-se a do artesanato, pelo que o tempo da feira já se não limita aos dias 2 e 3 de Maio. O Sapo publicou um vídeo que nos dá essa e várias outras informações (tentei incluí-lo aqui, mas por algum motivo não permite a leitura a partir do blog. Quem tiver interesse em vê-lo pode seguir a ligação, clicando no sublinhado)


Porque me lembro bem da sensação de esperar pelo regresso da mãe, não resisto a transcrever parte de um texto assinado pelo Sr. Padre Belarmino e colocado no portal do distrito de Bragança. Quem tiver curiosidade pode consultar todo o texto seguindo o link.

A Feira das Cantarinhas constituía uma celebração festiva. De véspera, à noite, preparavam-se os alforges com os produtos que se mercadejavam na feira: gradura, batatas. Tudo se acomodava de modo que sobrasse um pequeno espaço onde cabia também a ração dos animais. Enfeitadas iam também as albardas. Uma colcha de lá vermelha eu branca, tecida no tear da casa, enfeitava a burricada que fazia um arraial medonho. Os donos, seguros de que ninguém . iria violar os enfeites festivos dos animais, deixavam-nos seguros, à aldrabe de uma porta velha.

"(...) Todos se apressavam para escolher um lugar bom, onde a exposição dos produtos facilitasse a venda. Dos ventres flácidos dos alforges saía a gradura e outros produtos para vender. No largo de S. Vicente, a Praça Velha, junta-se em pequenos montículos a trouxa que vem chegando das aldeias mais distantes: Câmaras de Pinela, latoeiros, ferreiros e mais objectos artesanais. Também os objectos as vasilhas de cobre têm sempre um pequeno espaço para se arrumar. Hortaliça e renovos, chouriços secos, queijos e raminhos de cerejas apetitosas vão atafulhando todos os espaços até à metade da Rua Direita. Da Torre de D. Chama e de Alfaião, pequenos microclimas, vinham em canastras os pimentos, alfaces, tomates, beterrabas, que iam ser plantados no dia seguinte e fazem a fartura dos marranchos de qualquer casa.

Rua abaixo, rua acima, saracoteavam-se os compradores e vendedores. Dos lados do sul, nuvens negras ameaçavam chuva iminente. Fim da tarde aproxima-se. Compram-se os últimos presentes que fazem o enlevo da garotada.

O dia 3 de Maio, dia de feira e festa está quase a findar. Falta a cântara de barro que no campo acompanha os trabalhadores com a água fresca. Nossa Senhora da Serra dá de novo as merendas. Quer dizer, os dias alongam-se mais. Esta mobília, comprada no 3 de Maio, nunca mais se esgota. Ainda falta um caldeiro e um garabano para regar à mão os renovos e os feijões de que falámos.

Os homens vêm do Toural, onde tinham levado um vitelo e uma vaca para vender. O bom negócio foi também pretexto para fechar o negócio com uns copos de vinho.

Em sentido contrário, organiza-se agora o mesmo movimento para casa. À entrada da aldeia já aos filhos lhes tarda a chegada dos pais. Numa saquinha da merenda, feita de remendos de muitas cores, vão uns económicos ou súplicas, quando não alguns rebuçados, para sofrear a gulodice da garotada. Uma flauta de barro, mais um chapéu da palha salpicavam a noite e os dias seguintes de tons musicais. A monotonia nostálgica do pós festa regressa também no quotidiano dos dias que se seguem. Que esta breve descrição nos auxilie na compreensão de uma festa anual que já não se reconhece no barulho de uma multidão que não cabe nos espaços livres da Rua Direita."

quinta-feira, 3 de maio de 2012

UM CHEIRO ADOCICADO...


Por:
AIRES MARTINS


Começou por me dizer que o seu caso era igual a tantos outros e que de todos os lugares onde tinha estado, aquele era sem dúvida o seu preferido. Falou-me dos cheiros que sentia quando o galo cantava, cheiros adocicados, dizia ele, e acrescentava totalmente absorto nos seus pensamentos, era como se entrassem na alma e ali ficassem gravados para sempre. Entendes? Sim, respondi. Olhou-me no momento em que respondi, e como que à espera de sentir se a minha resposta era verdadeira, continuou. Sabes, no dia em que saí de lá, lembro-me de olhar para o lado, dentro de um autocarro, e ver lá no cimo duma pequena serra as casas, os telhados vermelhos, os imensos carvalhais e soutos que as envolviam, lembro-me de chorar por ter de abandonar a minha casa, a minha terra, os meus pais, os meus amigos…mas à medida que o autocarro avançava e as casas ficavam para trás, houve algo que me deu esperança, que acalentou o meu peito. Sabes o que foi? Não, respondi. O fumo que saía das chaminés das casas, e que cobria a aldeia de cheiros. Percebi que esse fumo ia continuar a sair das casas enquanto eu o conseguisse cheirar, estivesse onde estivesse. E hoje, passados estes anos todos, continuo a sentir aqueles cheiros adocicados da minha aldeia.

terça-feira, 1 de maio de 2012

UMA CANTIGA DE TRABALHO




Celebrar quem trabalha e o modo como o faz (ou fazia) é a minha forma de prestar homenagem a quem, com o seu suor, soube construir o nosso País.



CANTIGA DA SEGADA para cantar à hora do jantar, que é o meio-dia, tal e qual como o meu pai ma ensinou.





.................O LAVRADOR DA ARADA

.................Ó ditosa do lavrador que da sua arada vinha
.................Com o seu jugo às costas, a cavalo na burrinha.

.................Lá no meio do caminho encontrou um pobrezinho:
.................- "Lavrador, levas-me na tua burrinha?"

.................O lavrador se desceu e o pobrezinho subia,
.................levou-o para sua casa, para a melhor sala que havia.

.................Mandou-lhe fazer a ceia do melhor manjar que havia,
.................de galinhas e capões que outra coisa não havia.

.................Sentaram-se os dois à mesa, mas o pobre não comia:
.................os suspiros eram tantos que até a mesa tremia.

.................Mandou-lhe fazer a cama da melhor roupa que havia:
.................por baixo lençóis de seda, por cima lindas cortinas.

.................Lá pelo meio da noite, o pobrezinho gemia;
.................o lavrador se levantou, a ver o que o pobre tinha.

.................Encontrou-o crucificado numa cruz de prata fina
................- "Ai meu Deus, ai quem soubera quem em minha casa tinha!"

.................- "Cala-te aí, lavrador, que em tua casa falta nenhũa havia,
.................No Céu te estarão guardadas três cadeiras de fantasia:

.................Uma para ti, lavrador; outra para a tua família;
.................Outra para a tua criada, que ela também a merecia!"