sexta-feira, 23 de setembro de 2011

OUTRA HISTÓRIA

stá tudo muito demudado do que era dantes! Nos nossos dias, esta história não seria possível, mas naqueles idos do fim da guerra, a segunda que enrodilhou o Mundo, as coisas sucederam conforme passarei a contar.


Corria um daqueles Invernos de frio tão zãeno que o calor das entranhas não basta para amornar o ar que se respira e deixa os pulmões tão engaranhados como os dedos nus que segam o nabal. Só em alturas como essas é que os homens de trás da Serra trocam a liberdade da rua pela clausura da habitação onde o tempo lhes rende por nada haver que fazer.

Foi num dia assim que o sr. Rogério se viu em Bragança, depauperado das forças necessárias para enfrentar a ladeira que o levaria ao hospital.

– Eu já não posso andar!

Enquanto proferia o desabafo, despiu o sobretudo e atirou-o para o ombro da Ester. Depois, encostou-se à parede de uma casa, perto da “marisqueira” que ficava em caminho, e ali se quedou, tremente de febre, exausto dos poucos passos que dera desde a Praça da Sé, onde o sr. Lopes os deixara, até àquela parede que, agora, lhe sustinha o corpo.


Em poucos dias, era a terceira vez que vinha a Bragança e tudo por causa de um mal-estar que o atacara a ele e à mulher, a tia Aninhas de Rebordaínhos. Ambos consultaram o médico que lhes receitou uma injecção que ministraram um ao outro, pois ambos eram mestres na arte, praticada vezes sem conta no braço de quem quer que lho pedisse. Com ela as coisas correram bem e começava a melhorar, mas a ele inchou-lhe o braço de tal maneira que precisou de nova consulta. Desta feita, regressou com uma bisnaga de pomada de beladona que deveria aplicar sobre o inchaço. Mas o diabo tem quereres e, em vez do alívio esperado, o mal parece que se espalhou, não lhe dando um minuto de sossego. Embora já descrente das ciências médicas, decidiu-se a tornar ao hospital. Porque a mulher ainda estava a convalescer, determinou-se que seria a Ester a acompanhá-lo. Ela, rapariga da família que vivia lá em casa, apesar de nunca ter ido à cidade, enfrentou o desafio com destemor, porque no viço dos seus vinte anos nada lhe metia medo. Calhou encontrarem o sr. Lopes no Espinheiro que, porque seguia o mesmo destino, se ofereceu para os levar de carro.

E agora estavam ali, de pé, calados um e outro; ele sem nada poder fazer, ela sem saber o que fazer. Passado algum tempo – nem saberiam dizer quanto, porque nestas aflições os minutos custam tanto a passar como as horas – ouviu-se uma voz amiga:

– Que andas a fazer por aqui? Perguntou o “Sobe e Desce”, polícia e companheiro de profissão do sr. Rogério, que estava casado com uma parente da tia Glória de Rebordaínhos.

– Olha onde vim deixar os meus ossos! Foi a resposta que ouviu.

– Ó homem, tu não digas isso! Anda, que eu ajudo-te a chegar ao hospital!

Lá foram os três, mas como a segadora de vidas tinha aquela filada, seguiu-lhes no encalço, bicando mais a cada passo dado e, mal deram entrada no hospital, chamou-o a si antes que algum médico se acercasse dele e o pudesse tratar. Com efeito, o doutor pouco mais fez do que atestar o óbito e informar os acompanhantes de que o doente falecera de um fleimão que lhe rebentara no pulmão.

– E agora, o que fazer? Perguntava a Ester, a si e às freiras que, naquele tempo, geriam o hospital.

– A menina não tem por cá ninguém conhecido?
– Eu não senhora! Só sei que está cá uma mulher da minha terra, a ajudar a fazer alheiras em casa de três irmãs a quem chamam as “Bartilotas”!
– Vá-se a saber delas, porque alguém há-de ser capaz de lhe dizer onde moram.

À Ester custou-lhe ter dito aquele “uma mulher”, mas o receio de incomodar as freiras fê-la poupar nas palavras. Na verdade, era a sua tia Aurora, irmã do falecido, quem se encontrava na cidade. Que notícia tinha para lhe dar, coitada!

Seguiu o conselho das freiras e, perguntando a uns e inquirindo a outros, chegou à residência das três irmãs solteiras onde a tia Aurora largou a massa das alheiras para, aflita, ir em seu socorro e ater à situação.


Naquele tempo já havia ambulâncias, mas ou Bragança não tinha nenhuma, ou a que houvesse não estaria disponível. O certo é que a tia Aurora e a Ester, em conversa com as freiras do hospital, tiveram de encontrar uma solução: chamar um táxi que as levasse, e ao finado, de volta à aldeia. A princípio, o chofer agradou-se do serviço, mas quando percebeu que tinha de transportar um morto, negou-se. Que não, onde já se viu? E se a Guarda me apanha, nestes tempos em que aparece sem que a gente saiba de onde?

Mais do que a intervenção das freiras, lembrando-lhe a obra de caridade que faria, deve ter valido o encorajamento fardado do “Sobe e Desce”: afinal, aquele homem era uma autoridade e não queria passar por desobediente.

Sentaram o sr. Rogério no lugar do meio do banco de trás, ladeado pela tia Aurora e por um criado do hospital que as freiras fizeram o favor de dispensar. A Ester sentou-se no banco ao lado do condutor.

Em Bragança nem nevava muito, mas em chegando ao cimo de Arufe, frente à Quinta do Fidalgo, a neve estava de tal modo acumulada que o carro não conseguia romper. Mais outra para ajudar! Ainda por cima começava a anoitecer! O motorista bem queria voltar para trás, mas as mulheres não lho permitiram. Depois de muito discutirem, lá o convenceram a esperar enquanto iam a pé buscar ajuda. Sozinho é que o não deixassem! Então, a Ester e o criado meteram-se a caminho e a tia Aurora ficou com ele, a atenuar-lhe os receios.

Se um carro não passa para cima, para baixo também não. Estava, por isso, posta de lado a hipótese de pedir favores a quem na terra tivesse automóvel. A solução que, aflita, a tia Aninhas encontrou, foi jungir as vacas ao carro e trazer nele, de volta a casa, quem de manhã tinha partido.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ORAÇÕES

O Mateus é brasileiro e nosso leitor, além de bisneto de uma transmontana. A sua bisavó soube transmitir-lhe aquilo que, certamente, tinha como herança fundamental: o conhecimento das orações. Deles já recebi nova versão da oração antes de dormir ("Nesta cama me deito") e que acrescentei no lugar certo: aqui. Depois lembrou-se de outra, oferecida de manhã e é essa que apresento agora. Logo a seguir, escrevo outra que aprendi com a sr. D. Denérida.

Ao Mateus, o meu muito obrigada!



Bom dia vos dou, Rei da Glória,
Bendito seja o vosso poder.
Vós quisestes, Senhor,
Que eu chegasse a amanhecer.
Minh' alma vos entrego,
Ó Rei soberano de bondade,
Embora eu não mereça,
Tenhais de mim piedade.


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Ao Santo do Meu Nome
Glorioso Santo....
De quem tenho a honra de ter o mesmo nome,
Protegei-me, pois o céu me concedeu em vós
um especial protector.
Rogai por mim,
Para que eu possa servir a Deus
Como vós O servistes na Terra.
Assim seja


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Virgem Santíssima,
Mãe do meu Deus
E minha Mãe
Dai-me a vossa bênção.
Viva Jesus, minha vida,
Viva Maria, minha alegria!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Concurso de Fotografia


A Câmara Municipal de Bragança organiza um concurso de fotografia que tem por objectivo "divulgar a cultura ancestral das festas de Inverno de Trás-os-Montes". O nome dado a este concurso é 5.ª Bienal da Máscara - Mascararte 2011.

Ao concurso de fotografia estão associados também concursos de Pintura, Escultura e Arte Infantil e Juvenil. Pode ler o respectivo regulamento e obter mais informações aqui.

A data limite para a entrega de fotografias é 4 de Novembro de 2011.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

NOVIDADE

É com muito gosto que anuncio que o Rui Freixedelo aceitou fazer parte da equipa de autores do Rebordainhos. Assinará com as iniciais "RF".

O Rui, para os mais distraídos, é o filho mais novo da Maria Angélica e do Zé e tem colaborado connosco desde sempre, sugerindo artigos, enviando imagens, etc. Espero, do fundo do coração, que os nossos leitores o recebam com a alegria que merece.


OBRIGADA POR ACEITARES, RUI!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Afinal, o arraial ainda conseguiu reunir um número interessante de pessoas. Devia estar frio - vê-se pelos casacos vestidos - mas, certamente, soube bem ter mais um dia de festa. E ao frio estamos bem acostumados, não é verdade?

Aqui ficam alguma imagens que o Rui Freixedelo teve a gentileza de enviar.

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O TEMPO

Por

AIRES MARTINS

Talvez nunca tenha doído…talvez tenha sido apenas a recordação…talvez tenha sido o cheiro dos carvalhos que impunham o verde do Verão nos montes que nos ladeavam.

Talvez a dor fosse minha e daqueles que ainda respiravam o ar de Rebordainhos. Talvez a dor pertencesse aos Santos que compunham a procissão de Domingo. Talvez o pesar fosse dos olhares mais profundos, engelhados, velhos, e das pessoas que os carregavam como se fosse parte do seu destino.

Talvez a dor existisse porque persistia a teimosia de não aceitar o tempo. O tempo que passou sem questionar ninguém, o tempo que passou por cima dos anos e atropelou as pessoas que faziam parte do analgésico da vida. O tempo que insiste em mudar a aldeia e as pessoas que nela cresceram, o tempo que desafia as memórias mais antigas e aceita as novas pessoas com uma condição prévia: a de aceitarmos o som do sino, o som que nos lembra que as horas passam…

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Notícias (diferentes) da Sr.ª da Serra

Não resisto a publicar:



Um abutre esfomeado e exausto desceu na Senhora da Serra, ontem, no início das novenas. Apiedadas, as pessoas chamaram a GNR que chamou outras entidades responsáveis e todos juntos fizeram a obra de caridade de alimentar o pobre bicho que, mal se viu nutrido e recomposto, abriu as asas e rumou a Sul.

Bem fez o abutre em pousar no santuário: Nossa Senhora, protectora dos aflitos, saberia como valer-lhe, servindo-se do bom coração de alguns homens.

A história vem contada no blog dos bombeiros de Bragança e amplamente ilustrada