domingo, 14 de dezembro de 2014

"Deus quer, o homem sonha, a obra nasce"

Hoje vali-me de Fernando Pessoa para vos dar conta do que andámos a fazer na tarde de hoje.
Porque o Natal se aproxima a passos largos, urgia pensar, e fazer o presépio da nossa Igreja.

E, com um verdadeiro sentido de comunidade pelas mãos e ideias que se uniram, a obra nasceu.




A ponte que o Beto construiu













As cancelas do Rafael lá permanecem

Oa mordomos-aqueles que moram todo o ano na terra- definem estratégias futuras

E o carreto do pastor também não podia faltar




E, se comecei com Fernando Pessoa, termino também com mais uma citação dele.


"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem."

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

BOM PROVEITO


O verbo comer é um verbo engraçado e  vem a propósito do muito que manducamos(1) nesta época festiva.
O Latim clássico tinha o verbo edere e só no Latim tardio surgiu comedere, ou seja, “edere” com alguém: as refeições só satisfazem quando se está acompanhado, digo eu.
Em Latim também existia um tempo verbal que nós não temos: o Particípio Presente. No caso que nos interessa, aquele que come será o commens e daí virá o nosso “comensal”, embora com alguma alteração do significado.

O que me traz aqui é a nossa comenência, vocábulo que não vejo registado em lugar nenhum. Mas eu acho-lhe tanta graça que gastei um ror de tempo à procura da sua origem e, confesso, andaria perdida se não fosse uma proveitosa conversa com o meu irmão Evaristo que me alertou para a sua relação com “comer”.

Voltemos ao Latim, onde o sufixo “entia” (entre outros) se originou a partir do Particípio Presente acrescido de “ia”: confidens / confidentia; credens /credentia, etc. No nosso caso: commens / commenentia. Em suma, do verbo nasceu o substantivo.

Tendo o sufixo “ência” valor de “estado”, “qualidade” ou “resultado de acção”, então a nossa “comenência” significará “estado ou qualidade daquele que comeu”. Ora, se comer é uma coisa boa, de grande valor, tal significado parece esbarrar com a acepção que costumamos dar à palavra: coisa pouca, sem importância nenhuma. A alguém que recebeu um presente sem valor nenhum dizemos “deram-te cá ũa comenência!

Tenho, para mim, que a ironia é um dos traços mais marcantes do nosso modo de ser. Lembremos, por exemplo, que lamentamos quem sofreu um grande prejuízo, exclamando: “tebe cá ũa esmola, o pobre!” Creio que se passa o mesmo com a comenência: profere-se, querendo afirmar o seu contrário. Eu metia-me com o Gilberto, chamando comenência a um cão minúsculo que ele tinha… “Onde está a comenência? – perguntava-lhe.

Em abono do significado de comenência como coisa boa ou importante lembrei-me que, às vezes, usamos a expressão sem ironia. Nos dias que correm, posso afirmar sem sombra de dúvida que o meu ordenado não é comenência nenhuma!
_____


(1) Manducar, apesar de alguns dicionários referirem que é verbo de utilização popular, entrou no Português por via erudita, tão próximo que está do original: mandūcāre.

A ilustração é uma iluminura do livro de horas do duque do Berry (séc. XV).