segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Francisco António Ochôa

Este artigo pretende dar a conhecer uma ilustre figura natural da freguesia de Rebordainhos, mais propriamente do lugar dos Pereiros. Estando esquecida e desassociada à sua terra natal julgo que é dever dar a conhecer um pouco do seu percurso, ainda que de uma forma sucinta.

Francisco António Ochôa (1839-1912), nasceu nos Pereiros a 04.03.1839, filho do Padre Alexandre José Ochôa (1806-?), natural do mesmo lugar dos Pereiros e de Balbina Ermelinda Romariz.

Apesar de presbítero, o seu pai foi professor de instrução primária na escola de Rebordainhos, tendo pedido aposentação em 18641 após “vinte anos de serviço”. A confirmação régia da legitimação por seu pai aconteceu em 12.06.1855 .

Frequentou o curso de Direito na Universidade de Coimbra entre 1864 e 1869 obtendo o grau de bacharel em Direito. No início da sua carreira começou por exercer advocacia, estando durante nove anos nas comarcas de Macedo de Cavaleiros, Vinhais e Bragança. Nesta altura filiou-se no partido regenerador, tendo sido vereador e administrador do concelho de Bragança. Seguiu a carreira de magistratura, tendo sido nomeado juiz de direito da comarca de Bicholim (Índia Portuguesa) a 03.02.1879. Regressado ao continente foi nomeado juiz da comarca de Vinhais a 16.12.1887 . A 16.09.1888, foi promovido à 2.ª Instância tomando posse como juiz da Relação de Nova Goa, onde permaneceu até 23.08.1897.

Em Goa, acabou por fazer parte do 29º e 30º Conselho de Governo do Estado da Índia nos anos de 1894 e 1897 respetivamente.

Foi então agregado à Relação de Lisboa por decreto de 02.12.1897, passando a juiz efectivo por decreto de 12.06.1901. Ascendeu a presidente desta instituição por decreto de 8 de Março de 1910, tendo tomado posse a 12 de Março do mesmo ano como o seu 42º presidente. Ainda como magistrado, foi nomeado juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça por decreto de 24 de Agosto de 1910.

Republicano, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte de 1911 pelo círculo eleitoral de Bragança após a revolução republicana de 5 de Outubro do ano anterior. Findos os trabalhos desta assembleia que culminaram na constituição Portuguesa de 1911, tomou posse como senador da Republica Portuguesa, tendo presidido interinamente à primeira sessão deste órgão.

Faleceu na cidade de Lisboa com 73 anos no dia 22.12.1912.

Link para o artigo completo: http://freixedelo.com/repository/francisco_antonio_ochoa.pdf

domingo, 28 de fevereiro de 2016

PARTILHAR

Os que vivem na alegria da presença têm-se esquecido da tristeza dos desterrados. Tive que "roubar" para poder partilhar e mitigar as saudades dos ausentes como eu. 

Paisagens de Rebordaínhos e dos Pereiros.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

DAR

por
ANTÓNIO AUGUSTO FERNANDES


Naquele tempo, no tempo em que o destino deu connosco em Rebordainhos, a tia Lídia, que tinha a quarta classe (das primeiras alunas que o Sr. Professor Francisco Ribom levou a exame em Rebordainhos) fazia de enfermeira porque … sabia dar injecções. Como ainda não tinha chegado o tempo do desperdício e das seringas descartáveis, a mecânica da injecção tinha o seu quê de complicado. A seringa (de vidro) e a agulha (porque tanto uma como a outra tinham que durar muito tempo) eram ambas transportadas numa caixinha inox com um pequeno cavalete metálico. Na altura do seu uso, voltava-se a tampa do avesso e servia de reservatório onde se deitava um pouco de álcool e se colocava o cavalete. Sobre este punha-se o resto da caixa com a seringa e a agulha mergulhadas em água. Incendiava-se o álcool que ardia até a água ferver e assim se esterilizava o material.

Ora um dia, pelos começos do Verão, aparece lá em casa um homenzinho cabisbaixo, torcendo nas mãos nervosas o chapéu velho, muito apoquentado: ─ “Se a Sr.ª Lídia lhe podia fazer um grande favor, que a mulher estava muito malzinho… O Doutor tinha-lhe receitado meia dúzia de injecções… mas quem lhas havia de dar?!”

A minha mãe, coitada, que era (quase) uma santa, lá lhe disse que sim, pois o que é que lhe havia de dizer?. Só que o homem era dos Vales, e de Rebordainhos aos Vales ainda é um estirão de respeito pelos velhos caminhos traçados para os carros de bois. No dia seguinte, lá nos metemos a caminho. E digo ‘nos metemos’, porque, como já não havia aulas, eu fora destacado para acompanhante na empresa sanitária. Até à Ribeira a coisa ainda ia: era caminho sobejamente conhecido, pois que para ali ficavam os lameiros para onde arranchava com os meus primos do Outeiro atrás das vacas, e era um regalo para os olhos aquele manto verde dos lameiros pelo vale acima por onde coleava o renque de freixos acompanhando a ribeira que nascia logo ali acima, no Pórto. Depois é que era o dianho: o calor começava a apertar e aquela subida, rasgada em diagonal nos costados áridos do Ladeirão , nunca mais acabava. Para quem não sabe ou não se lembra, os Vales eram um cu de Judas de meia dúzia de casotas encravadas numa prega a caminho dos cumes da serra, por onde não se ia para lado nenhum. O carreiro e o mundo acabavam ali.

Lá chegados, aquilo era um silêncio de cemitério. Quer dizer, não era bem, porque dois ou três miúdos brincavam espolhinhados no chão, no meio das galinhas que esgaravatavam a leiva, mas uns e outras num silêncio de convento cartuxo. Minha mãe chamou-os para que lhe indicassem a casa da tia Maria doente. Levantaram o nariz do chão e, mais selvagens que botocudos e mais lestos que perdigotos, evaporam-se em segundos, em absoluto mimetismo com a terra e os ramos dos sequeiros em torno.

Lá teve a enfermeira que gritar o nome da enferma até que, de um janelo rasgado na pedra nua, surdiu a cabeça desgrenhada da própria: ─ Estou aqui, Sr.ª Lídia!
Esperei sentado ao fundo da escaleira, esmagado por tanta quietude e tamanha solidão, olhando os montes ermos e quedos, a fraga grande da Ladeira ao longe, de sentinela à aldeia e adivinhando os três pares de olhos assombrados a espreitarem entre os ramos do sequeiro. Rebordainhos não era propriamente a capital, mas ao pé daquilo, bem fazia de metrópole.

As viagens ainda se prolongaram por uma semana, mas como a tia Maria dos Santos disponibilizou a sua burrica como meio de transporte para a enfermeira, fiquei dispensado da tarefa de acompanhante; por isso essa primeira impressão que tive dos Vales foi também a última e tão funda me ficou que me definiu a convicção de que não estava mesmo talhado para cenobita.

Passaram-se umas semanas e, um dia, quando me entretinha naquela varanda dos tempos da minha avó Adriana, uma mulherzinha pálida e magra, com o lenço pela cabeça sombreando-lhe ainda mais as olheiras fundas, subiu as escadas com uma cesta de vime enfiada no braço. Minha mãe acudiu da cozinha.

─ Ó Senhora Lídia, eu vinha-lhe agradecer a trabalheira que teve comigo. ─ E, isto dizendo, ia destapando a cesta e de dentro sacou pelas orelhas um coelho taludo, bem mais gordo que a dona, coitada.
─ Ó rapariga, guarda lá isso. Olha, leva-o e trata de ti, a ver se ganhas forças, que tu inda andas bem fraquinha.

A moça baixou os olhos embaraçada, acerejaram-se-lhe as faces pálidas, tremeu-lhe o beiço e futurei que se ia pôr a chorar:

─ Eu bem sei que é pouco… mas eu não tenho paga para o que fez por mim. E num arranco suspirado: ─ Ai! Era um favor quer me fazia se… ─ e desatou num choro manso com as lágrimas borbulhando, grandes e mudas.
E minha mãe, já a pontos de chorar também:
─ Está bem, Maria, está bem. Pronto. Deixa lá ver o bicho.

Bem, talvez não fossem santas as pessoas da nossa terra na nossa infância, mas tiravam bem as medidas ao sentido do serviço e da gratidão.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

INTERLÚDIO QUARESMAL


Este disco e este filme fizeram parte das nossas vidas - e tenho a certeza de que todos guardamos boas recordações dele(s).Creio que se coadunam com o tempo quaresmal que vivemos, por isso os partilho convosco.


O filme está legendado em Português do Brasil. Aqui e ali, surgem erros gramaticais de palmatória. Tende paciência, porque não arranjei melhor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Inicio, com este artigo, uma série dedicada à alimentação, distinguindo entre os dias de festa e os dias de sempre. O calendário decidiu por qual começar. 


DIAS DE FESTA

1 - O ENTRUDO

(imagem retirada daqui)

Talvez fosse no Entrudo que se iniciasse a desinça do fumeiro, já curado e amanhado em carrelos embarrados num prego espetado no terceiro ou em qualquer parede da cozinha. Da salgadeira saía a orelha e a queixada do porco que eram cozidas com chouriças de boche e das outras, tudo a servir de acompanhamento a umas casulas macias. Os potes ficavam à roda do lume durante toda a manhã e as mulheres da casa iam-nos virando para que a cozedura fosse uniforme. Quando a fervura se levantava, os testos eram ligeiramente afastados e o interior da casa era inundado do perfume quente e salgado das coisas boas.
As casulas não integravam os hábitos alimentares de todas as famílias. Nessas casas, o feijão era substituído por arroz de qualquer coisa, normalmente de espigos, mas os enchidos, cozidos ou assados, lá estavam a servir de acompanhamento: chouriças e salpicão da língua.
Quem nunca conviveu com a privação não compreende o Entrudo e desgosta-se da festa. Nós, que percorremos uma infância de constantes vacas magras, sabemos, contudo, dar-lhe sentido e apreciar-lhe o sabor.
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Nota: para este artigo inspirei-me noutro que a minha irmã Augusta escreveu há já bastante tempo (ver aqui). Para poder prosseguir com este assunto preciso de ajuda, por isso, agradeço que, à medida que se forem lembrando, me vão dizendo. Não é preciso nenhum tratado, basta que me digam: não te esqueças disto ou daquilo.