sábado, 30 de novembro de 2013

INTERLÚDIO

Vamos testar a vossa memória (ou a capacidade/vontade de ir à procura).

Esta data já foi aqui publicada, mas o Filinto fez o favor de nos enviar esta fotografia que tem uma nitidez notável.

A pedra, que tem gravada a data de 1737, está inclusa numa casa de Rebordaínhos. Quem diz de que casa se trata?

A data gravada na cantaria está na casa da tia Marquesa, mãe dos srs. Alfredo, Amador, Maria e Perpétua. Obrigada, Rebordas. Conferir aqui
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No mesmo ano de 1737, a inquisição lançaria as suas garras sobre um dos maiores vultos das letras portuguesas do séc. XVIII: António José da Silva (o Judeu) que, apesar de baptizado, não escapou à  senha dos zelotas. Dois anos mais tarde, o seu corpo morto seria queimado em auto-de-fé depois de, "bondosamente", ter sido garrotado. Enfim, foi isto que me aprazeu dizer em vésperas do 1.º de Dezembro, feriado que zelotas de outro tempo resolveram incinerar. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Lengalenga

Eu sabia-a de outra maneira, mas dizem-me que a sabia engrolada. Grola ou não, a lengalenga sempre me aproveitou nas muitas vezes em que comi as azedas dos lameiros. Aqui a deixo na versão mais bem cozinhada:


Coxo aqui
Coxo além
Farracoxo que aqui tem
N.ª Senhora com um livrinho de ouro na mão
Se esta azeda tiver coxo
Não entre ao meu coração
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Adenda
O nosso leitor Paulo R.  teve a gentileza de deixar um endereço no comentário que fez a este artigo. Bem haja, porque nos permite aceder a uma interessante versão musicada desta lengalenga. Versão bem mais inteligível, diga-se em abono da verdade. Nela, o terceiro verso reza, com grande verosimilhança, o seguinte: "fora o coxo que aqui tem". Assim, já se compreende.  Obrigada ao Paulo e obrigada, também, aos autores do Capagrilos cuja versão incorporei aqui.



domingo, 24 de novembro de 2013

Missão cumprida


Olá Fátima

Já que o blog divulgou o apelo, informo que as pessoas em questão já se encontraram.
Obrigada pela divulgação do apelo e pelos esforços feitos para que este reencontro fosse possível.

Fátima Lourenço



Faço notar que, apesar de ter sido aqui que o assunto nasceu, o António Brás Pereira deu um contributo fortíssimo para que as duas amigas se reencontrassem. Ainda bem que todos pudemos ajudar.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

TROCANDO A SORTE PELA CHANÇA"


II

Iam já distantes os tempos em que, menino, recebia um tostão do P.e Amílcar a quem, todos os dias, ajudava à missa. Tudo somado, se alguma vez o tivesse juntado, daria o lauto salário de três escudos ao mês, o que o habilitava a ser o garoto mais abonado das redondezas, capaz de ter o gesto magnânimo de comprar cigarros para, com os colegas de escola, celebrarem o seu aniversário. Mas isto sou eu a falar depois de ter lido histórias que outros já aqui contaram.

À data dos novos acontecimentos era um homem feito e, naquele dia, estava com a família a vimar no Fetal quando apareceu o Sr. Eliseu. Partiu tal e qual como estava e ao fim de três dias passava a fronteira com Espanha, país que atravessou encafuado num camião de transporte de cimento. Iam mais de cem pessoas nesse camião mas, porque era fechado, entrou em França sem dar conta disso.

Há coisas que custa perguntar, por isso, embora tivesse curiosidade, abstive-me de inquirir sobre o como dormiam, como se alimentavam, enfim, como respondiam às necessidades básicas da existência. Não custa, no entanto, imaginar, pois continuamos a ler histórias dramáticas de emigração clandestina que acontecem nos nossos dias. As pessoas terão outra origem, mas o sofrimento é o mesmo e as circunstâncias semelhantes.

Mal se abriram os portões do camião, deram de caras com quatro polícias armados de metralhadoras que os obrigaram a sair e os conduziram para o interior de um salão grande onde teriam a grata surpresa de constatar que, afinal, as polícias dos países não eram iguais umas às outras. Ali, foram alimentados e, um por um, interrogados sobre quem eram e para onde iam. Mas algum dos cem falava francês? Ninguém. Entendiam-se por gestos. Saciada a fome, foram metidos em camionetas e conduzidos até Paris de onde, cada qual, partiu à procura dos contactos que tinha.

O Jorge dirigiu-se a Tours, de carro de praça, pois claro, que ele não era bruxo para adivinhar quais os transportes que poderia apanhar. Valeu-lhe o sr. José Pereira, mundialmente conhecido por “Chochelas”, que pagou o frete ao taxista e lhe arranjou trabalho. O Sr. José, aliás, foi a boa alma que acolheu e orientou alguns dos naturais de Rebordaínhos que demandaram terras gaulesas – como o meu irmão Artur, por exemplo. Como o sr. José, outros terão existido, estando na origem da criação de uma rede informal de solidariedade que amparava os emigrantes nos seus primeiros passos, angariando-lhes trabalho e desbridando o processo de obtenção dos documentos necessários à legalização.

Os tempos em França também não eram fáceis: em 1956, esse país perdera Marrocos e a Tunísia, em 58, a Guiné e, para evitar mais complicações, em 1960, o general De Gaulle deu a independência a quase todas as outras colónias, por decreto. O seu problema grave era a Argélia, território africano com uma importantíssima colónia branca aí nascida: os “pieds-noirs”. A guerra da Argélia, que durou oito anos, só terminou em 1962 e a França viu-se a braços com a necessidade de receber e de absorver cerca de um milhão de “pieds-noirs”, pouco mais de dois lustros volvidos do fim da II Guerra Mundial e da razia económica provocada pelos nazis. Isto tudo serve para explicar que, apesar dos dinheiros do “Plano Marshall”, a França talvez não pudesse preocupar-se com as condições de vida que concedia aos imigrantes, pois tinha muito onde gastar esse dinheiro.

Tal como quase todos os outros, o Jorge foi trabalhar num estaleiro que punha à disposição dos operários condições precárias de existência: uns barracões em cujo chão eram espalhados alguns colchões. A higiene corporal e a lavagem das roupas era feita numa bacia; todos se serviam de uma latrina exterior. Trabalhavam, em média, dez horas por dia, mas eram pagas como extraordinárias todas quantas ultrapassassem a jornada das oito horas. A semana tinha seis dias. Os operários comiam em conjunto e as refeições eram feitas por quem calhasse. Parece que o Jorge tinha jeito para a coisa.

O primeiro patrão foi quem lhe “arranjou os papéis” e, com eles, veio um contrato de trabalho por um ano, renovável. Não o quis renovar e foi-se em busca de melhores condições. Aguentou-se em Tours mais cinco anos, três dos quais na Michellin e depois foi-se para Angoulême onde o ordenado lhe saía limpo, já que alojamento e alimentação em hotel estavam a cargo da empresa. Melhorou de vida, razão última da emigração e anseio de todo o ser humano.


  Eras novo. Então, as diversões e os amores? A resposta veio na forma de um sorriso maroto, modo gentil de me dizer que me metesse na minha vida. Eu assim fiz.

sábado, 16 de novembro de 2013

"TROCANDO A SORTE PELA CHANÇA"


I

O Jorge conta-me a viagem ao contrário: S. Sebastián – Victória – Burgos – Valladolid – Salamanca – Vilar Formoso. Era a viagem de regresso de uma tentativa frustrada de dar o salto para França. Voltava cabisbaixo, ele e os outros, arrenegando a má sorte e a irmandade malina entre Salazar e Franco que, com as suas polícias, transformavam a Península Ibérica num enorme campo de concentração enquanto condenavam as suas gentes à desdita.

Em sentido literal, não se pode dizer que fugissem da fome. A mesa era pobre, decerto, mas o caldo de couves não faltaria, mesmo que nem sempre fosse adubado com um cibo de toucinho ou com uma colher de unto. Faltaria o compango, mas não o pango. Fugiam da falta de horizontes e da imoralidade instituída que os condenava à aceitação da miséria, imposta como valor supremo e virtude. Vivesse quem mandava com aquilo que deixava aos outros para viverem! Fossem eles também para a guerra para onde estavam a mandar os jovens em fornadas cada vez maiores e motivo último para o encerramento das portas à emigração.

A saída do país só era possível com a colaboração da família, pois era sobre ela que recaía o ónus do pagamento ao passador. Sete contos de réis foi o combinado. O passador, já se pode dizer, era o Sr. Eliseu dos Vales, pessoa honesta que só cobrava a viagem depois de as famílias terem recebido notícias a informar da chegada a França. Daquela vez, porém, nada lucrou.

Tudo decorrera normalmente até chegarem a S. Sebastián, lugar em que se deveria proceder à troca de passador. No grupo, que integrava vários rapazes, além do Jorge de Rebordaínhos ia mais um dos Vales e outro de Lanção, isto só para falar de quem nos é mais próximo. Foram largados e deram-lhes instruções para que esperassem até que chegasse o homem que iria conduzi-los a França. Estavam, contudo, em terra estranha e o medo embotava-lhes o raciocínio. Nunca se tinham afastado das suas terras mais do que 20 ou 30 km e agora viam-se ali, desamparados, sem saber o que fazer. Julgaram-se abandonados e, porque a fome apertava, foram-se a saber de comer. Foi nessas circunstâncias que o Jorge pousou os olhos na rapariga mais bonita que alguma vez já viu. Era a neta de uma senhora bondosa que lhes ofereceu um cibito de pão.

“Nunca esqueci aquela rapariga. Tinha uns olhos mais lindos que…!” Sem palavras para descrever tais olhos, o Jorge completa a frase com um sorriso desconcertado.

Não sabe o que aconteceu, mas a Guardia Civil veio buscá-los. Não os incomodou, apenas os escoltou na viagem de regresso que referi no início. Em chegando a Vilar Formoso a coisa modificou-se: a PIDE estava à espera deles e fez-lhes uma recepção à altura da má memória que nos legou. Prendeu-os e, ao bofetão, tentou arrancar deles o nome do passador. Como ninguém abriu a boca, lá os soltou, mandando-os de volta a casa.

Levariam, ao todo, cerca de 200$00 nos bolsos e era com esse dinheiro que teriam de se amanhar até chegarem a casa; porém, em Figueira de Castelo Rodrigo já lhes escasseava o pecúlio. Decidiram meter-se a pé até Barca d’Alva onde chegaram famintos e estafados de tanto andarem. Um taxista encontrou-os na estação e, condoendo-se deles, matou-lhes a fome. Quem diz que não há gente boa neste mundo?

O dinheiro que lhes restava deu à justa para chegarem de comboio até Mirandela onde o primo de um deles os alimentou e lhes deu o bastante para comprarem o bilhete até Rossas.

Esta aventura só terminaria no tribunal. O Jorge foi condenado a três anos de pena suspensa e ao pagamento de 50$00 de multa. Eram assim tratados aqueles que buscavam uma vida melhor para si e para os seus.


Continua


Nota: o título deste artigo é um verso da canção "Por Terras de França", de José Mário Branco (do álbum "Margem de Certa Maneira")

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

CARTA ABERTA


Rebordainhos, 8 de Novembro de 2013

Caros conterrâneos:

Confesso que sou leitor assíduo do Blog de Rebordainhos, embora não tenha por hábito comentar. Decidi partilhar convosco um pouco do que me vai cá dentro e penso que muitos dos que habitualmente “frequentam” o Blog partilham o mesmo sentimento.

Começo por dar os parabéns ao Blog de Rebordainhos, ao seu fundador e a todos aqueles que com ele colaboram, pois, com as suas palavras, imagens, ditos e contos ajudam a reviver memórias, preservar tradições e promover a cultura de um povo ímpar (pelo menos para mim).

Há já algum tempo que pretendia escrever esta carta, mas por este ou aquele motivo ainda não o tinha feito. Fez no passado mês de Setembro sete anos que parti à procura de emprego, pois como muitos dos migrantes e emigrantes desta nossa terra, as oportunidades escasseavam. Encontrei no Porto o meu lugar ao Sol, onde, confesso, me sinto realizado. Porém, o facto de ter ido para uma cidade distante não me fez perder a afeição que tenho por Rebordainhos – que ninguém pense que quem está perto gosta mais do que quem está longe; julgo, até, que a distância nos faz sentir um maior carinho. Confesso que, no meu caso, a saudade me faz sentir mais nostalgia de cada fez que cá regresso (e costumo ir a Rebordainhos pelo menos uma vez por mês).

Recordo com saudade os tempos de outrora em que brincava com os amigos da aldeia (enumero alguns sem ordem de importância, e perdoem-me se me esquecer de alguém, mas a memória por vezes atraiçoa-nos): Aires Martins, Hélder Valente (mais conhecido por Gala Pitas), Óscar (da Tia Maria Silva), Bruno (do Tio Zé Luís), Rogério Veigas, Luís Caminha, Pedro Carrocedo, Amaro Pereira, Hugo Fernandes, Hélder Fernandes, Carlos Fernandes, Bruno Fernandes, Pedro Pais, Albino Caminha, João Caminha… Bons tempos que passámos juntos, a guardar as vacas e ovelhas, a jogar futebol e a fazer tantas traquinices próprias da idade e, claro, a colaborar nos trabalhos agrícolas, uns mais do que outros, de acordo com as necessidades de cada família. De todos estes que enumerei, julgo que apenas o Rogério e o João Paulo conseguiram resistir ao apelo da cidade e dos grandes centros. São uns heróis por isso (confesso que até lhes tenho inveja pelo feito).

Sinto saudade de tudo, especialmente dos Natais passados em família e entre amigos, do Cantar dos Reis, do Entrudo, do Serrar das Velhas e dos Casamentos, da Páscoa, dos fenos, das malhas, das regas, da apanha das batatas e das castanhas, da matança do porco… Mas tudo isto era um pouco diferente do que se passa atualmente, com muita gente sempre a ajudar, o que transformava o trabalho pesado em momentos de convívio, e os momentos de lazer numa verdadeira paródia. Pena é, que por limitações da Internet, que não seja possível levar a todos os cantos do mundo um pouco dos cheiros e sabores que por cá se sentem.

Talvez por estes motivos e por tantos outros não mencionados nesta pequena carta, tenha decidido abraçar, juntamente com outros corajosos amigos, o projeto da Associação Social, Cultural e Recreativa de Rebordainhos (ASCRR). Acredito que podemos fazer muito para revitalizar e fazer perdurar as tradições que tanto nos orgulham, não permitindo que o passar dos anos faça cair no esquecimento o património riquíssimo herdado dos nossos antepassados.

Em jeito de conclusão apenas queria deixar a seguinte reflexão: vivemos, de facto, tempos conturbados a nível económico e social, que nos fazem ter enorme incerteza em relação ao futuro. No entanto, em relação ao passado não deveremos ter dúvidas e devemos estar orgulhosos das nossas origens e dos nossos antepassados. Neste sentido, faço um apelo a todos os que partilham destas ideias que se juntem a nós na preservação de tão rico património.

Um abraço Amigo


Filipe Freixedelo

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

VIDAS DURAS

Estamos habituados a descrever as vidas dos nossos pais como vidas duras - que o foram, de facto. Hoje, no entanto, é de uma outra dureza que vos quero falar: aquela que nos prende todos os instantes do dia e da vida porque exige presença constante, atenção permanente, carinho incondicional e sem limites. Este assunto já foi abordado aqui, embora de forma genérica e a propósito do lançamento de um livro útil.

Faço questão de o visitar todos os anos. Falo do Evangelista (que todos conhecemos por "Carriço") que, de há uns anos a esta parte, sofre da terrível doença de Alzheimar. Está acamado, já não fala e é alimentado por uma sonda. É uma situação triste e dolorosa, talvez menos para ele do que para a família sobre cujos ombros recai o maior peso dos cuidados a dar. Poderá parecer-vos estranho aquilo que vou dizer, mas a verdade é que no fim de cada visita saio satisfeita, e saio satisfeita por causa daquilo que sempre vejo: o quarto a cheirar a limpo, a cama impecavelmente feita e o Evangelista com a barba feita a desvendar a pele macia e lisa de uma criança. 

Só aqueles que já viveram situações semelhantes são capazes de dar o devido valor a quem consegue tratar assim de um doente. É a Teresa, sua mulher (e minha prima), quem não descansa e vela para que nada lhe falte. Não tem horário de trabalho nem horas de descanso, conceitos que se perdem quando é preciso cuidar de quem precisa de nós para tudo, e precisa desse cuidado as 24 horas do dia. Felizmente, tem alguns apoios criados pelos serviços de saúde de Bragança e que prestam auxílio domiciliário às famílias e aos doentes que necessitam de cuidados continuados. Rezo aos Céus para que, apesar da crise, estes serviços não sejam atingidos porque a sua utilidade e necessidade são enormes.

Escrevo este texto fundamentada naquilo que vejo e num artigo da jornalista Glória Lopes que saiu no Mensageiro há já alguns meses. Quem o quiser ler pode fazê-lo a partir das imagens que reproduzo neste artigo. Vale mesmo a pena.