quarta-feira, 31 de outubro de 2012

MEMENTO



............................ Deus, Senhor nosso!...

............................ Quantos são hoje já os olhos
............................ que nos fitam de além-terra!...
............................ Tantos já os sorrisos
............................ cristalizados no barro original
............................ a que volveram,
............................ e volveremos,
............................ no após ódios e paixões!...

............................ Rodeados, dia após dia,
............................ de cada vez mais ausências,
............................ torna-se despovoado
............................ o nosso vasto mundo.
............................ E mais perdidos nele somos,
............................ gasalhados apenas
............................ da frialdade das sombras
............................ dos que partiram,
............................ nossa perene
............................ e silente companhia.

............................ Guarda-os Tu, Senhor,
............................ em teu seio.
............................ E a nós protege-nos
............................ pelos dias breves deste peregrinar,
............................ enquanto aguardamos,
............................ para os nossos ossos,
............................ o aconchego
............................ da mãe-terra que nos gerou,
............................ e, para o espírito,
............................ o regresso à pátria definitiva
............................ de que provimos.

............................ Amen.
.................................................................... AA.


Faz hoje dois anos que um autor anónimo me enviou (e publiquei) este belo e sentido poema. Não me voltou a sair da memória.
Nesta altura do ano, em que temos a alma entanguida como a pedra das sepulturas que iremos visitar, aqui o deixo de novo, em memória de todos aqueles por quem choramos. O meu bem-haja a quem o escreveu e aceitou partilhá-lo.

domingo, 28 de outubro de 2012

TRADIÇÕES

Reler os clássicos tem efeitos destes: veio-me à lembrança um dos nossos jogos de roda e agora não me sai da cabeça. Só que me não lembro de quase nada da letra. Quem, por favor, me ajuda a completá-la?

JARDINEIRA FLOREIRA

- Jardineira floreira 
Você o que é que tem? 
- Eu vendo cravos e rosas 
E outras flores também.

- Quanto quer pelo raminho
Dessas mimosas flores? 

- Só lhe peço um escudo
Porque lhe devo favores.





Todos os versos se repetem, um a um. E a graça que tem cantarmos "f(e)loreira" e "f(e)lores", para que a letra encaixe na música. É um doce de cantiga e estou em pulgas para voltar a sabê-la toda. Bem-haja a quem me ajudar.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

VIVA RECOMENDAÇÃO


Torna-se importante salientar que velhos são quem a sociedade diz que o são, e que, por conseguinte, os velhos e a imagem social dominante que se tem deles é uma construção social. (…) Um dos elementos essenciais desta construção social da velhice é a representação mental desta etapa como um período de “deterioração” e “involução” (…).

Sabe-se hoje que esta conceção está errada. A mudança das diferentes capacidades não é unidirecional, nem universal, nem irreversível. Embora algumas capacidades possam deteriorar-se, outras mantêm-se e inclusive podem enriquecer-se, as pessoas evoluem de formas diferentes, e há mudanças que são reversíveis.

      Emília Magalhães, Sabedoria, Conhecimento e Espiritualidade no Idoso
                             in Teoria e Prática da Gerontologia, PsicoSoma, Viseu, 2012 (pp 287-288)

O artigo de onde retiro a citação (e todas as que se seguem) encerra uma obra que reúne contributos de numerosos especialistas sob a coordenação do professor Fernando Pereira. É um livro que se lê bem por diversos motivos, de que destaco:

– A linguagem acessível (ou seja: apesar de não prescindir do léxico técnico, ele vem devidamente explicado permitindo que tudo seja bem compreendido);

– A opção por capítulos breves, correspondendo cada capítulo ao artigo de um (ou mais) especialista;

– O encerramento de quase todos os artigos com uma súmula intitulada “Ferramentas para a Prática”. Estas súmulas, acreditem, estão muito bem feitas e podem funcionar como uma espécie de estojo de primeiros socorros de que podemos servir-nos em caso de emergência.

Não é este, então, um livro destinado a quem cuida dos idosos, ou estuda para isso? É, sim! Mas, não estaremos todos nós nas circunstâncias de cuidar, ter cuidado ou vir a cuidar de idosos? Ou ainda: não estamos nós todos a envelhecer e ler sobre quem é velho não nos ajudará a envelhecer de modo mais consciente e  sereno? Tenho a certeza de que sim e esse é outro motivo pelo qual recomendo a sua leitura. Além mais, a nossa Augusta assina dois artigos em co-autoria.

A título pessoal, devo dizer que alguns artigos me fizeram relembrar muitas situações que vivi com meus pais. Dou dois exemplos:

A integridade do Eu significa chegar a esta etapa da vida e ser capaz de ao olhar para trás aceitar, no essencial, o percurso percorrido (…), aceitar a vida como ela foi vivida e, desta forma recear menos a doença, a dependência ou até a morte.

Fernando Pereira, A Institucionalização do Idoso (p. 150)

– Pai, tanto filho que teve, tanto sacrifício que fez para os criar, e agora vê-se sozinho!
– Estas minhas mãos desfizeram muito torrão, mas voltaria a fazer tudo de novo!

No estudo levado a cabo por Andrade et tal. (2009), verificou-se que os cuidadores sentem constantes preocupações, por exemplo, em nunca deixar o idoso muito tempo sozinho porque temem negligenciar a sua assistência.

Maria José Gomes e Augusta Mata, A Família Provedora de Cuidados ao Idoso Dependente (p.166)

– Ó rapariga, avia-te tu primeiro, que estás aqui consumida! – dizia-me a tia Maria constatando a minha ansiedade por ter deixado a minha mãe sozinha e, embora estivesse à porta de casa, tinha medo que ela conseguisse levantar-se sozinha da cadeira e caísse.

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Há artigos que nos provocam um nó na garganta, tal o contraste entre a boa teoria que lemos e a prática a que assistimos com frequência:

A aplicação da metodologia da humanitude assenta essencialmente em seis pilares (Margot, 2010): verticalidade, o toque, o olhar, o sorriso, a palavra, a relação com o outro e com a sociedade, os adornos.

(…) IGM (2011b) defendem que o cuidador deve fazer os possíveis para manter o doente de pé, a andar, dado que (…) a verticalidade (…) faz com que este não perca totalmente a sua independência, elemento essencial para a sua qualidade de vida.

O toque é aqui abordado na forma de substituir o “toque utilitário” pelo “toque carinhoso” (Touboul, 2009), na medida em que o toque, como demonstração de carinho, por vezes, alivia mais o doente do que qualquer palavra. (…)

Quando falamos do olhar, temos em atenção o olhar partilhado, olhos nos olhos. (…)

(…) O riso é o remédio mais eficaz para combater o stress e relaxar (…).

O poder da palavra é de especial importância, dado que a comunicação se revela vital na vida do indivíduo. (…)

A relação com o outro e com a sociedade também se revela um pilar fundamental na vida quotidiana do indivíduo (…). Os idosos, pela sua situação vulnerável de dependência e doença, têm mais necessidade do contacto que as pessoas saudáveis e jovens (…).

Por último, mas não menos importante, o porte do vestuário e dos adornos (…) Pela carga simbólica (…) [eles tornam-se] algo imprescindível da nossa condição humana, estes determinam “quem nós somos e como os outros nos percecionam”

Fernando Pereira, Maria José Gomes, Ana Galvão, Ética e Humanitude no Cuidado do Idoso (pp. 88-89). (Sublinhados meus)

Encerro este artigo lembrando outra situação que vivi, desta feita as palavras indignadas da D. Suzette (tia-avó do meu marido, internada num lar):

– Não posso ver aquilo, não posso! Aquela senhora andava sempre tão bem posta, tão elegante! Agora que perdeu a vista, vestem-lhe uns trapos quaisquer, que nem são dela! Não posso ver aquilo, não posso!

É por estas e outras que vos digo que este livro é para ser lido por toda a gente.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

PARA (ALGUNS) MATARMOS SAUDADES...

... E ADOÇAR OS AMARGOS DE BOCA PROVOCADOS PELO ARTIGO ANTERIOR.
(Clicar nas imagens para ampliar)



Se repararem na barra lateral, têm o link para muito mais Mafaldinha (embora em Português do Brasil, sabe muito bem reler).

NOVO PROCESSO DE COMENTÁRIOS

Só algumas pessoas se dão conta, mas nos últimos tempos este blog e o da ASCRR têm sido sistematicamente bombardeados com mensagens de spam, que são comentários enviados automaticamente por computadores com links que têm por objectivo induzir o leitor a entrar neles. O blogger tem sistema de detecção dessas mensagens e não as publica. No entanto, a minha caixa de correio fica inundada delas. Para terem uma ideia, o blog da ASCRR tem arquivados (neste momento) 296 e o de  Rebordainhos tem 106.

A única forma de evitar tamanho assalto às caixas de comentários é pedir um esforço extra aos comentadores, isto é, que identifiquem uma sequência aleatória de letras e algarismos e os copiem para uma caixinha. Assim, como podem ver na imagem:

Devo dizer, ainda, que alguém muito mal formado tentou atacar esta nossa página (e outro blog que eu tenho há muito tempo). Foi esforço inglório, porque o problema está resolvido e o patego responsável, se nos queria mal, ficou-se pelo querer. Ainda bem.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

BEM-VINDOS

É do fundo do coração que dou as boas-vindas, a Rebordaínhos, a todos os naturais de Pombares.


 Por votação da Assembleia Municipal de Bragança, extinguiram-se dez das freguesias do concelho, situação que pode observar-se no mapa que copiei do Mensageiro.

 Não é por Rebordaínhos se manter como sede freguesia que deixei de me opor a esta medida que é meramente administrativa sem nada ter de reformadora. Os anseios dos moradores de Pombares (como os compreendo!) e que podem ver-se e ouvir-se no vídeo abaixo, eram os meus anseios quando se perspectivava a nossa extinção. Competirá à futura junta de freguesia zelar para mitigar mais esta vergastada sobre as populações rurais, gente para quem o abandono, o envelhecimento e a tristeza constituem a realidade substantiva.

Pombares é uma aldeia muito bonita. O vídeo não lhe faz jus. É muito bonita, mesmo! E o seu termo, a confinar com o de Rebordaínhos, é senhor de uma beleza de cortar a respiração. Pertence a Pombares o vale mais aprazível da região, Teixedo, lugar que tenho em tão alto conceito que se me afigura que não ficará atrás do jardim do Éden.

Rebordaínhos ganha, e muito. Esperemos que Pombares perca menos do que receia. Bem-vindos, pois, moradores de Pombares.
  in Sic Notícias, 27.09.2011

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

NETOS E AVÓS

Mais umas quadras saídas do baú de memórias do meu tio Manuel. 

NETOS E AVÓS

Noutros tempos, meu netinho
Eram melhores os meninos:
Não faziam ruindade
Eram bons, os pequeninos.

Iam para a escola contentes,
Vinham da escola a sorrir,
Não gritavam pelas ruas
E não sabiam mentir.

Estavam com eles seguros
Os ninhos pela ramada;
Não usavam ratoeira
Nem fisga endiabrada.

Eram amigos dos pais,
Dos avós... - Ó avozinho,
Eu sou culpado, talvez,
nisso tudo um bocadinho!

Mas lá quanto a ser amigo
Dos meus avós, dos meus pais,
Posso dizer que ninguém
O poderia ser mais!

É um daqueles textinhos que ensinavam a criançada a comportar-se, isso compreendi bem. Mas, a rir-me, perguntei: ó tio, conhece algum garoto que não faça garotices? É claro que concordou comigo, mas quando lhe perguntei se na idade própria ele não ia também aos ninhos, calou-me com esta: tinha pouca sorte! E disse mais, a fazer-me lembrar uma história que o Tonho da tia Lídia contou lá atrás:

"À porta do tio Benjamim havia uma urze. Um passaroco - uma escrevedeira - fez lá o ninho e eu ia lá vê-lo todos os dias! Ficava ali parado, a olhar para os ovos riscadinhos. Por causa de os ovos serem riscados, e os riscos parecerem escrita, é que lhe chamamos escrevedeira."

E cá estou eu sempre a aprender. Quando fui à procura de imagens para ilustrar este artigo, dei de caras com um passareco que vi no Verão e não soube nomear. Agora já sei! Quem quiser mais informações pode entrar nesta página.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

PALAVRAS QUE HOJE ME ACUDIRAM...

... e que foram consideradas pouco adequadas para quem se não quisesse confundir com a ralé no modo de se expressar. Integram a lista elaborada por Francisco José Freire, nas suas Reflexões sobre a Lingua Portugueza, obra publicada em 1842 mas escrita, de certeza, lá pelos meados do séc. XVIII).


Alcouce casa de alcouce: assim chamavam sem escrupulo os nossos antigos oradores ás casas, que dão commodos para  commercios lascivos. Hoje em discurso grave foge-se de pronunciar este termo por ser popular.

Coçar estranha-se em alguns oradores, quando ao tratar do santo Job dizem que coçava [em logar de raspava] com uma telha as suas leprosas chagas.

Cocegas: é termo humilde para estilo grave. Quando seja preciso usar delle, querem os criticos que se diga antes alatinadamente titilação que provoca o riso, ou outra semelhante circomlução, que não abata o estilo.

Enfadonho tem baixeza por ser termo muito popular. Enfadoso se acha em alguns Classicos (...)

Enforcado: não tem nobreza este termo, e deve-se usar de alguma frase; v.g. morrer suspenso em um patibulo, ou de um laço &c.

Engulhos só se admitte na linguagem medica. Use-se de alguma frase decorosa, v.g. inuteis esforços da natureza para provocar o vomito &c.

Engulir em sentido metaforico, significa soffrer (...). 

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Como se comprova, a linguagem "politicamente correcta" não é invenção dos nossos tempos...

Guardo para mim as frases que tal leitura me sugeriu, mas deixo a porta aberta para quem, aproveitando a deixa,  nos queira proporcionar alguma titilação que provoque o riso. Sintam-se libertos dos inúteis esforços da natureza...