“Não há, talvez, nada mais absurdamente
demagógico no Portugal Salazarista dos anos 30 do que o discurso ideológico,
conservador e agrarista sobre o mundo rural e a vida camponesa.” É desta forma
que o historiador Fernando Rosas inicia um capítulo dedicado ao mundo rural
durante o Estado Novo. A certa altura, referindo-se à região do Barroso, e
citando o Inquérito à habitação Rural
que lhe serviu de fonte, escreve: (…) “as casas dos camponeses menos pobres,
«simples quanto possa imaginar-se», eram cobertas de colmo, sem chaminés (…)
«janelas quase as não há», com um andar térreo para a «corte dos porcos» e um
primeiro andar só com uma cozinha e um «sobrado». O mobiliário da primeira
resumia-se a «uma mesa e dois ou três bancos», os «escanos», e os utensílios
eram «tão-só os precisos e bem primitivos». «O sobrado é o dormitório colectivo
da família. Aí estão as camas, as mais das vezes tarimbas de madeira, onde
dormem pai e mãe, filhos, genros, noras e avós. (…) Algumas cadeiras, mesas
toscas, um ou dois lavatórios nos mais abastados são toda uma mobília. (…)
Obviamente, não há electricidade, nem água canalizada ou sistema de esgotos. As
«necessidades» dentro de casa eram feitas para um buraco que ligava a cozinha à
pocilga.
Passavam-se as coisas desta forma «na
camada mais elevada». No caso das famílias mais pobres, os «cabaneiros», as
casas só tinham rés-do-chão, e as duas divisões (cozinha e sobrado) davam lugar
a um compartimento que ocupa toda a extensão da habitação, a qual é de
pavimento térreo.” (1)
Mais adiante apresenta um quadro com algumas
estatísticas. Poupo-vos à leitura, deixando-vos com as médias (estando os
valores actualizados para 1994):
Rendimento anual: 2 526$61
Valor do recheio
da habitação:
Móveis – 222$84
Utensílios – 50$70
Louças – 17$55
Roupa – 227$34
Total – 508$44
Metade de um conto de réis era quanto valia tudo quanto se possuía em casa!
Do rendimento
anual diz-se que entre 80% e 87% era consumido com a alimentação; cerca de 13%
com o vestuário e 2% com a habitação; somente 1% com a higiene.
Tal rendimento
só permitia a sobrevivência e, mesmo essa, limitada ao não passar fome.
A realidade
descrita será muito diferente daquela que nós conhecemos e vivemos?
Para todos uma
boa semana
(1) Fernando
Rosas, História de Portugal, sétimo volume, dir. de José Mattoso, Círculo de
Leitores, 1994