quinta-feira, 17 de abril de 2014

PÁSCOA FELIZ



A todos os que têm a bondade de nos ler, o nosso desejo de uma Santa Páscoa.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

AS NOSSAS PALAVRAS

A SALA



A sala era o lugar da casa reservado à recepção das visitas mais importantes e, também, a menos usada. Visita acabada ou festa celebrada, esfregava-se o soalho e encerrava-se a porta para que tudo permanecesse limpo até à vez seguinte.

Na sala existia o guarda-louça onde se preservava o serviço de faiança dos dias importantes e, na sua parte cimeira, se embarravam as chávenas finas que nunca serviam porque o café da manhã era tomado por uma malga e o chá era bebido por um púcaro de esmalte, à merenda ou a qualquer hora. As chávenas lá estavam, pois, cumprindo a importante função de não servirem para coisa nenhuma. Quando começou a emigração para as terras de França, meia dúzia de copos finos e uma ou outra taça mais bonita, trazidos como lembrança nas férias de Agosto, passaram a merecer honras de figurar na parte envidraçada do guarda-louça.

Havia a mesa grande que, com o passar do tempo e o aumento das posses, foi substituída por outra que se podia encartar, ficando mais pequena e rodeada por meia dúzia de cadeiras onde se sentavam as visitas nas datas de cerimónia. Debaixo da mesa, para que os convivas não atrecessem nos dias frios, uma braseira de cobre (ou de folha) assentava sobre a rodilha de palha que os homens entrançavam. É extraordinário como daquelas mãos grossas e calejadas saía um objecto de tanta arte!

Havendo-as, era nas paredes da sala que se expunham as fotografias da família. É singelo que assim acontecesse, pois, ali colocadas, como que continuavam a participar dos momentos essenciais dos seus, testemunhando o devir das gerações. Tais fotografias serão, talvez, uma manifestação do culto aos deuses Lares, divindades que personificavam os antepassados e a quem os romanos destinavam altares domésticos. Benditos romanos que também isso nos legaram!

Se a ocasião fosse de luto, tudo na sala era coberto antes de a pessoa falecida ser colocada em urna aberta sobre a mesa. À cabeceira punha-se um crucifixo e, aos pés, a caldeirinha de água benta trazida da igreja. Para o mortório, toda a casa era pequena, porque gente todos os arredores vinha prestar a última homenagem. Depois de momentos assim tão tristes, a sala fechava-se por muito tempo, porque a vontade de festejar demoraria muito a voltar.

Não se fariam festas, mas para o Senhor a porta abria-se sempre: nos Reis, em vez de cantarem, os cantores rezavam e, na visita pascal, a toalha mais alva cobriria a mesa. Sobre ela, um ramo de pascoelas, colocado aos pés de Cristo crucificado, lembravam que Ele é a ressurreição.
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Nem todas as casa tinham sala, como muito bem lembrou o Tonho no seu primeiro comentário.

A maior festa de família que se desenrolava na sala era a da matança, como lembrou o Filinto, cujas palavras transcrevo para aqui: «Ali se reunia toda a família e vizinhos mais chegados. As cozinheiras comiam na cozinha, mas na hora de rezar pelos familiares defuntos todos se reuniam naquele lugar que quase era "sagrado". Após as orações era ali que os pais jogavam a sueca, sem faltar a braseira debaixo, embora não fosse muito necessária, pois baco ajudava.»

Pormenor imperdoável: não me lembrei da estrutura de madeira - hexagonal? - que, aberta no centro, suportava a braseira. Apesar disso, recordo-me de ver algumas assentes em rodilhas que eram iguais àquelas em assentavam as caldeiras.

Obrigada pelos comentários que me permitiram afeiçoar o texto à verdade dos factos.