JUSTIFICAÇÃO: Eu já andava, há muito tempo, com vontade de escrever sobre Teixedo, aquele vale das minhas delícias. Creio que este é um momento oportuno, agora que, com toda a probabilidade, Pombares se associará a Rebordaínhos em freguesia única. As duas primeiras partes desta "Crónica Breve" são relatos históricos, embora escritos de forma muito livre. A terceira parte não passa de um devaneio meu que, espero, vos seduza tanto como a mim.
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1: ASSUNTOS (POUCO) PIEDOSOS
Ora,
no ano da encarnação do Senhor de 1I02 [D. Diogo Gelmires], pela excelsa graça
divina bispo da igreja de Santiago da Sé de Compostela, no segundo ano do seu
episcopado, determinou visitar – como é de justiça – as igrejas, capelas e
herdades que se sabe que, localizadas em território português, são da
jurisdição da igreja de Compostela. Efectivamente, é obrigação de um bom pastor
cuidar tanto dos bens externos da sua Igreja como dos internos e, se encontrar
neles algo deteriorado ou desordenado, que a sua prudência o restaure e o
componha. Tomou, então, as mais importantes pessoas da sua igreja (…). [1]
Com efeito, D. Diogo Gelmires
assim fez: deslocou-se às terras do Condado Portucalense. Este condado fora
criado, havia pouco tempo, pelo rei Afonso VI de Leão e Castela que o entregara nas mãos do seu valoroso genro, o conde D.
Henrique, casado com D. Teresa (o casamento e a doação do condado datam, provavelmente de 1096).
Os bondosos autores da Historia Compostellana, incapazes de atribuírem intenções dúbias ao
bispo, referiram os deveres de um bom prelado: “restaurar e compor” aquilo que
não estiver bem. No entanto, as acções que enumeram a seguir estão muito
distantes daquilo que começaram por afirmar e, afigura-se-me, essas acções
terão sido o único móbil da visita pastoral às terras de Braga: roubar as
relíquias dos santos que se encontravam em terras portucalenses e que eram alvo
de grande veneração. Sem o conseguirem dissimular totalmente, os autores
chamaram-lhe “pio latrocínio”. Há cada uma, mesmo para o séc. XII!
Entre os corpos roubados encontram-se os de S.Susana, S.Cucufate, S. Silvestre e S. Frutuoso. Os
leitores começarão, agora, a entender os motivos desta “crónica” …
Sobre S. Frutuoso,
dizem-nos os mesmos autores: (…) Assim,
dois dias depois, chegaram à igreja do bem-aventurado Frutuoso e aí ele
celebrou a eucaristia com solenidade. Terminada a missa, envergando as vestes
sagradas, abeirou-se do seu sepulcro. Mas, porque São Frutuoso era o defensor e
padroeiro daquela região, foi com maior temor e silêncio que ele o levou, num
pio latrocínio, para fora da sua igreja, a qual o santo erigira enquanto era
vivo, e, daí levado, foi confiado aos seus fieis guardas para ser guardado (…)[1]
E tudo o senhor bispo roubou e depositou em Santiago de Compostela no meio de grandes aleluias. Aleluias
deles, claro!

À frente da Sé de Braga
estava Geraldo, um santo homem. Santo, mas decidido, aliado de unha e carne ao
Conde D. Henrique. Meteu-se a caminho e dirigiu-se a Roma onde, se não obteve
do papa Pascoal II a devolução das relíquias, veio de lá com uma vitória
impressionante: a entrega a Braga de uma lista de dioceses suas sufragâneas:
Astorga, Lugo, Tui, Mondonhedo, Ourense, Porto, Coimbra, Viseu e Lamego, ou
seja: a Galiza (excepto Compostela) e, o que é mais importante, as dioceses
daquele que era, então, todo o território do Condado Portucalense. Estava
consumada a unidade religiosa e política do território, tão cara ao conde D. Henrique
como a S. Geraldo. E aos seus sucessores, como muito bem sabemos, pois nos
conduziram à independência.
Mas quem era, afinal, S. Frutuoso? Se tiver paciência, espere pelo próximo capítulo.
[1] Historia Compostellana (obra do início do séc. XII e redigida por
clérigos muito próximos do bispo Gelmires), excerto retirado DE LUÍS CARLOS AMARAL e MÁRIO JORGE BARROCA, Teresa - A Condessa Rainha, 2012