Para
trás ficara a ceia – de bacalhau com pencas e rabas, tudo muito bem regado com
fios de azeite, encostado ao lume para descoalhar. Depois, filhós e rabanadas a
brilhar…
A
geada debruara o vidro da janela da cozinha e o gato Bernardo, que já entrara
pela gateira, aninhava-se ao meu colo. Chegara a vez de olhar os ovos que a
galinha chocava, aninhada no cesto debaixo do escano: encostados à luz da
candeia deixavam perceber o crescimento do embrião e a senhora, mãe, ia-nos
explicando tudo. Faltava pouco para os pintainhos nascerem e a senhora deixaria que cada uma de nós escolhesse um para ser o “seu”, para assumirmos com ele a
responsabilidade de colhermos as urtigas, amassarmos os farelos e dar-lhe de
comer enquanto ele não fosse capaz.
Nessa
noite não haveria velada, pois cada família estava em sua casa. Rezado o terço,
lembrava-nos que puséssemos os sapatinhos encostados ao lume e mandava-nos
dormir.
E
era com uma voz sussurrada, como se não quisesse assustar o Menino Jesus, que a
senhora nos despertava em chegando a meia-noite:
–
Acorda, que o Menino Jesus já veio. Anda, levanta-te para veres o que deixou
para ti!
E
nós levantávamo-nos, excitadas com a expectativa da surpresa. Eu dava-lhe a mão
– não sabia andar sem a sua mão arrochada à minha – e, depois de atravessarmos
a salinha, entrávamos na cozinha que parecia mais iluminada do que o prado no
Verão.
De
dentro do sapatinho tirávamos um rebuçado, uma laranja, ou qualquer outra
pequena coisa e ficávamos felizes. Os nossos risos enchiam a casa e era esse o
presente que o Menino Jesus lhe dava a si e ao pai. O brilho do vosso olhar
era o agradecimento mais terno que Ele escutava nessa noite. Também eu o via e
guardava-o.
Mãe,
venha despertar-me outra vez!