quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ecos do Meu Sentir





Esta foto foi enviada pelo autor do texto com a seguinte legenda:

"Pôr do Sol no Azibo lendo os contos de Torga"

por
FILINTO MARTINS

Recordar é viver…
… Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos – Antoine de Saint-Exupéry.

A história não é feita daquilo que lembramos, mas daquilo que não queremos esquecer.

Como assinante n.º 499 do Mensageiro de Bragança, ao lê-lo, numa bela sexta-feira à tarde, vi a notícia: “Blogue de Rebordainhos”, (mas, por favor, sem acento… voltaremos mais tarde ao assunto.), do sofá corri para o computador. Que vejo: Augusta, Olímpia, Fátima e João, único que não conheço pessoalmente. Li… vi… senti…

O Bichinho do Blogue não me largava. Vi, com grande alegria que tinham seleccionado o Grupo “Galandum G.”, para música de fundo… vi… ouvi… senti… Dois elementos do conjunto foram meus alunos, que orientei e aconselhei, como psicólogo, a investir na música. “Força Meirinhos…”

Recentemente aparece a Lurdes, filha do Hermínio… e não será também da Luísa? Só mulheres de Rebordainhos… Logo me veio à mente a realidade, estamos numa nova época: Matriarcado. Afinal onde estão os homens de Rebordainhos? A época dos descobrimentos já vai longe, não há soldados para o nosso ex-ultramar (há chineses), a emigração não justifica, logo só pode ser aquela minha ideia, talvez peregrina… matriarcado. E tenho toda a razão, senão vejamos: quando uma mulher casa, exclamam: “Que noiva tão linda!...”; quando nasce uma criança, perguntam logo: “a mãe como está?”; e quando o homem morre, perguntam: “Quanto deixou para a viúva?...”

Ora, como dizia António Aleixo:

Não sou esperto nem bruto
Nem bem, nem mal-educado,
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui educado…

Nos tempos que correm, surgem teorias e mais teorias sobre a Educação sexual, para a saúde, afectos… Teria a minha pessoa quatro ou cinco anos, Freud tinha razão, quando a tia Antónia, avó do Tonho e do Zé, dizia em voz alta para a minha mãe, duas vizinhas muito amigas: “Ó Olímpia, esborralhou-se a casa do Aníbal Fuseiro”. Já não me recordo com quem estava a brincar, nem é importante, sei apenas que corremos a bom correr até à Chave, a fim de ver em que estado tinha ficado a casa. Que decepção! Aquela estava intacta. Mais tarde compreendi que não era a casa, mas a barriga da filha, a tia Estefânia que tinha dado à luz a Teresa. Uma palavra encerrava todo o enigma – esborralhar – o Tonho pode-nos explicar a evolução semântica do verbo… o borralho é bem quentinho, quanto mais o ventre materno.

A tia Antónia, que eu saiba, não tinha tido nenhuma pós-graduação em sexualidade, por isso não disse: “deu à luz” (ainda não havia electricidade em Rebordainhos); muito menos “pariu” (não sabia latim e só se usava para os animais). Sabedoria popular… Cada vez que morre um velho, é como se uma biblioteca inteira pegasse fogo.

Hoje em dia, felizmente, já não há medas de centeio em Rebordainhos, mas que tornavam as nossas eiras vivas, e não só, durante semanas a fio, lá isso tornavam. Pois aquelas, quando a barriga era grande também se esborralhavam. Nisso era perito o mestre-de-cerimónias, o Santa Combinha, quando de óculos de plástico ocupava o lugar-tenente na malhadeira do Chiote e do Alfredo Guerra… Que saudades das manhãs frias de Agosto ao ouvir-se gritar “à eira que está o bacalhau na caldeira”…

No entanto, embora os Janeiros não sejam ainda por aí além, a primeira ambulância que transportou uma parturiente de regresso a Rebordainhos, foi a burra grande da tia Ana Costa, trazendo pachorramente desde o navalho a Maria que cingia ao colo a filha Augusta, vermelha, gorducha, saudável, para gáudio da avó Felicíssima. (Cuidado com a colocação do adjectivo “grande”). Só muito mais tarde a aldeia pôde ver a camioneta do Carlos Chiote – Hannomague- , que ainda deve constar do caderno de apontamentos do Nelzeira, senão mesmo a matrícula, pois bastava ver ao longe um camião e logo dizia: “aquela é uma Volvo, a matrícula é que ainda não sei”. Também não necessitou de fazer orientação vocacional, nem testes, para descobrir a profissão – tractorista do melhor que havia.

Quando descobrimos as respostas, mudam todas as perguntas.

19 comentários:

Anónimo disse...

"do melhor que havia" e do melhor que há, pese embora, a perna lhe comece a pregar algumas partidas!

Caro Filinto

Muito obrigada por este pedaço de boa prosa que é mais uma gaveta, que se vai abrindo, do arquivo da nossa terra. Pegando na metáfora da senhora Antónia, não há-de ser por nós que ela se vai esborralhar! Ela, a nossa terra.

Fez-me rir com a do matriarcado. Nunca tinha reparado no domínio feminino do blog, mas desde pequena que reparo que, na quase totalidade das famílias de Rebordaínhos (como insisto em escrever, sabendo que é erro)se pratica uma espécie de matriarcado: a gestão económica e as grandes decisões, embora discutidas, são da responsabilidade da mulher.

Enfim, o Filinto deu-nos aqui muito que pensar e, porque não, discutir.

Beijos

Augusta disse...

Filinto:
Que bom que temos mais um homem entre nós! Convenhamos: temos poucos, mas bons! E acredita, tenho a certeza que vários outros virão um dia. Eles é que ainda não perderam a vergonha. Depois de experimentarem, não quererão outra coisa. Só espero é que não vençam o matriarcado...
Sim, a Lurdes também é filha da senhora Luísa e, atrás dela, também outras mulheres virão. É só aguardar.
Que bem que fizeste em lembrares o esborralhar da casa. Já não me lembrava dessa, e muito menos da tio Aníbal Fuseiro. Sabes, a Teresa é da minha idade. E da burra transformada em ambulância que trouxe a tia Maria, muito menos: A Mª Augusta é dois meses mais velha que eu.
Dizes que felizmente já não há mêdas nas eiras. Permite-me que discorde de ti. Entendo que teças tal afirmação, pela mecanização do cultivo do cereal. Mas, infelizmente não foi só por causa da mecanização, mas também porque pouco ou nada se cultiva.
Não te lembras que beleza tinha a serra dos Pereiros cheia de centeio? Que belo ondular quando o vento batia nas cearas!
Hoje, nenhum professor conseguiria mostrar aos meninos as ondas do mar, apesar de estarmos no interior norte do país, como fazia a D. Maria connosco. E a imagem ficou retida nas nossas mentes.
E que alegria, ouvir o cantar das segadas por aquelas serras todas para, à noite, apesar do cansaço, os segadores encherem as ruas da aldeia de cantares e dançares.
Claro que não tenho saudades do trabalho braçal, até porque como saí demasiado cedo, pouco ou nenhum tive, mas recordo vivamente todo aquele ambiente que, apesar do trabalho, enchia as nossas ruas e casas de uma alegria sem fim.
Bem hajas pelas memórias que fizeste avivar.
Queremos mais
Um beijo
Augusta

Anónimo disse...

"do melhor que há" Fátima, são as surpresas que o dia a dia nos prega. Quem diria que, após tantos anos afastado de tudo e de todos, eu iria um dia reencontrar, ainda que virtualmente, tantas pessoas que continuavam apenas nas minhas ténues lembranças de infância.
Muito grato ao Filinto por me proporcionar algumas lembranças, mesmo que nessa época eu talvez ainda nem morasse em Rebordainhos ou mesmo ainda engatinhasse. Afinal, do meu avô eu não guardo práticamente lembranças nenhumas.

abraços

Olímpia disse...

Filinto:
Dei umas boas gargalhadas enquanto lia o teu texto que, desde já agradeço, não só pelos assuntos abordados (e que bem merecem uma boa discussão), como também pelo conhecimento que nos deste de memórias da tua infância.
Obrigada
Olímpia

J. Stocker disse...

Augusta e Olímpia

Ontem recebi um mail da Adriana, dizendo que a vossa tia Maria Amélia se deliciou no passado domingo, quando o Luís lhe mostrou o Blog de Rebordainhos.
Que pena o Luís e o Jerónimo não deixarem aqui um comentário, tão longe o Brasil e ao mesmo tempo tão perto! Vou tentar que eles façam o mesmo que o César, que reconfortante seria para todos.

Beijos

Anónimo disse...

Filinto:
Tal como tu dizes, "muito sentido" este teu texto! Adorei.
Este cantinho, como já disse, está a tornar-se cada vez mais caloroso, é como se todos pertencessemos a uma só família.
Da tia Antónia, minha bisavó, tenho também uma lembrança: dizia-ma muitas vezes: "Olha que quando eu morrer, reza-me um Padre Nosso, porque fui eu que te aparei".
Um beijo
Céu

J. Stocker disse...

Caro Filinto

Obrigado por mais este bom "naco" de memórias sobre a vossa Aldeia que aqui nos deixou.
Começo a ter tempo para ler os artigos publicados com algum sossego e tranquilidade, sem ter a preocupação de andar à procura de textos para aqui colocar que despertassem o interesse e a curiosidade. O que ao princípio era uma brincadeira familiar, para mostrar aos amigos e aos meus alunos (que estranhavam a constância das minhas fugas do Mar, para ir por terra dentro, sozinho, para um destino que na maior parte dos mapas da altura nem figurava) tem vindo a tornar-se, paulatinamente, num espaço de encontro que agora cabe a vós, naturais de Rebordaínhos, continuar. Não pensem que se livram de imediato da minha falta de jeito para a escrita e dos meus contantes erros ortográficos, uns pela baixa visão, outros, por não ter tido uns professores como vós.

E por falar em professores: aqui fica um desafio para alguém pegar no tema que figura na aba lateral deste blog sob o título "A escola da aldeia". É um objectivo que eu gostaria de ver concretizado!

Ideias e objectivos de médio e curto prazo não faltam. O primeiro é o de dinamizar o blog da ASCRR que se tem mostrado um parto difícil e que na minha opinião e atendendo ao envelhecimento da população residente, bem merece que concentremos o nosso esforço nele.
Caramba! Agora que já vi o tamanho do que escrevi, vou-me já embora antes que comecem com o arremesso dos tomates.

Um obrigado especial ao Filinto
Abraço para todos/as.

Isamar disse...

"Sabedoria popular… Cada vez que morre um velho, é como se uma biblioteca inteira pegasse fogo."

Cada vez que aqui venho,fico sempre mais rica. Li, deliciada, este bocado de prosa que me soube a pouco.

Como se diz na minha serra a alguém que o merece pela simpatia, bondade, disponibilidade... "Abençoada hora que te viu nascer."

Aqui,aplica-se por inteiro. Com justiça! Excelente blog o vosso.

Bem hajam " rebordainhenses"!

Essa do matriarcado, fez-me quedar um pouco a ideia, e também por aqui se aplica.

Um abraço para todos vós.

Anónimo disse...

Baptista

(Desculpa, mas preciso de tempo para me habituar à ideia de te chamar César: é que assim parece-me que estou a falar com o teu pai e lá vai a tendência para dizer "Sr. César"!)

Dizes bem, pois o que escreves serve também para nós que voltámos a encontrar-te. Mas também voltei a encontrar o Tonho da tia Lídia e o Filinto a quem já não vejo há muitos anos! Abençoada tecnologia!

Beijos

Anónimo disse...

Sophiamar - cara Isabel

Já tínhamos saudades desta sua forma de ser tão gentil. Obrigada pela sua amizade e preferência.

Um abraço

Anónimo disse...

Filinto

A Sophiamar - Isabel de seu nome de baptismo - é uma doce algarvia que tem a gentileza de ser nossa leitora assídua. Ela também gosta de escrever e na sua página há histórias muito bem contadas (http://sophiamar.blogspot.com).

Beijos

António disse...

Olá primacho:
Custou, mas sempre apareceste. E para começar apareceste em grande forma. Com esse teu olho aguçado por Freud e outros escabichadores do subconsciente vens-nos mostrar realidades socioculturais que escapavam aos nossos olhos profanos. Agora quanto à primeira ambulância pré-natal, levanto dúvidas, porque eu lembro-me de ver a mãe da Fátima, a tia Luísa do ti Hermínio, a ser transportada para Rossas, já em dores de parto, estendida sobre um fachoco de palha num carro de bois estacionado entre as nossas casas. Era eu garoteco arribado de Bragança e tomava assim o primeiro contacto com a dura realidade do "esborralhamento". Sem querer ser indiscreto, qual é a mais velha a Maria ou a Fátima? O matriarcado que discuta lá esse sério assunto.

J. Stocker disse...

Cara Isabel

A Fátima Já disse tudo , só quero acrescentar as minhas desculpas por esta velha embarcação não ter feito nenhuma arribada na sua "baía do encantamento", o comandante precisava de férias e de estar com a família e a embarcação de descansar, agora tem estado no estaleiro e a minha atenção virou-se para a manutenção.
Prometo que assim que zarpar e içar as velas, esteja ou não o vento de feição, o porto de destino será "A ver o Mar"!
O meu fiel imediato já fez as apresentações ao autor desta narrativa que certamente não deixará de cumprir a praxe de agradecer a visita, e, quem sabe aproveitar a minha próxima viagem, para subir a bordo e retribuir-lhe a mesma

Permita o envio de um beijo deste velho lobo do mar para a sophiamar.

Anónimo disse...

Obrigada por ter acrescentado o nome da minha mãe, sim sou filha do Hermínio e da Luísa.
Gostei muito do que escreveu e comcerteza que deve ter mais para nos contar.

Lurdes

Anónimo disse...

Viva, Lurdes

Hoje, a tua visita soube-me duplamente bem!

Beijos

Anónimo disse...

Tonho e Filinto

Parece que temos que trazer a idade das senhoras à baila. Em conversa familiar aprendi que a Fátima é da idade, ou da minha irmã Amélia, ou do meu irmão Pedro. Ora, sendo a Maria Augusta Pilota da idade da minha irmã Augusta, temos que concluir que a Fátima é mais velha do que a Augusta, cabendo-lhe a ela a primazia da estreia dos partos fora de casa.

Beijos aos dois

Anónimo disse...

Olá Fátima,
As minhas visitas ao blog são muitas, leio, releio, com enorme satisfação. As histórias da nossa aldeia são de "comer e chorar por mais"... Bem hajam a todos.
A minha irmã Fátima já visitou o blog mas parece que ainda não se decidiu a comentar.

Beijos

Lurdes

J. Stocker disse...

Caros
Filinto e Fátima

Eu nem me lembrei de pedir autorização para acrescentar a foto e a musica ao Post.
Em relação à musica penso não existir problemas, quanto à foto já não sei, não fez o efeito que queria, mas não tinha outra.
Pode ser que a a fotografa oficial do Blog tenha alguma foto mais apropriada "A lurdes".

J. Stocker disse...

Para a Fátima (irmã da Lurdes)

Isso não se faz, vir aqui e não comentar, vamos lá a dar um pouco mais de força a este pessoal
Estou desejoso de lhe dar as boas vindas.

Um abraço