por
ANTÓNIO BRAZ PEREIRA
Falava-se de uma Igreja que em tempos teria existido no Lombo de à Igreja, pelo facto de ainda se encontrarem pedaços de telhas ao lavrar e, também, pelo nome dado ao lugar. Houve aí grandes pegas de touros a que nós chamávamos luta. Existia uma rivalidade orgulhosa, tremenda, entre os proprietários dos touros: todos diziam ser o deles o mais forte, o mais bonito, o maior... O Ramiro Alves e o Francisco Martins tinham dois bichos grandes e lindos. Lutaram no Lombo de à Igreja, mas já me não recordo qual deles ganhou. Também o Cândido Pires e o Fernando Jarrete participaram com os seus touros em lutas semelhantes. Outro pretexto de rivalidade era a rua que divide ao meio a povoação: sempre que se organizavam jogos, era o bairro de Baixo contra o de Cima, Cubelo, Espinheiro e Portela contra à Chave, Bairro das pedras e Outeiro.
Da nossa Freguesia fazem parte integrante os lindos Vales, um pequeno aglomerado de casas, mas com gente de grande franqueza e bondade, não esquecendo a coragem, tanto dos mais novos, para virem à escola, como dos mais velhos, que se deslocavam quando a necessidade se fazia sentir. Os Pereiros ficam mais perto e têm maior número de habitantes do que os Vales. A sua festa grande é dedicada ao Santo Amaro, no mês de Janeiro, creio, e fazia o orgulho dos que lá moravam. Porque Pombares também fazia parte da paróquia, realizávamos a Romaria ao S. Frutuoso em Teixedo, local magnífico para repouso, com a sua paisagem esplendorosa, parques em estado selvagem, onde à sombra de numerosas e diversas árvores, junto da corredia e silenciosa ribeira, se comiam copiosas merendas, partilhadas entre amigos e familiares, vindos com fé, assistir à missa anual, mas igualmente para relaxar, conviver, admirar e saborear, numa harmonia de paz e amor. Arufe também tem a sua Capela e o seu encanto, tanto na localização como na terra fértil, sabendo os seus moradores explorar e partilhar o que lá havia de melhor. A Quinta do “ Sepúlveda” rica, airosa e de grandes dimensões, dava muito trabalho, "jeiras" para a subsistência de algumas famílias.
Nesse tempo não existia na Aldeia, nem alcatrão nem calcetamentos No Inverno, pelas ruas cheias de lama e águas, espalhava-se palha ou folhas de carvalho, para melhor se passar, e essa mistura serviria, mais tarde, para estrume. Também não havia energia eléctrica, pelo que as candeias a petróleo, com sua torcidinha, faziam a felicidade dos da boa vista. Outra fonte de energia, a do carvão por exemplo, era feita directamente no monte. Primeiro arrancavam-se os “cepos” (toros, ou o que se lhe queira chamar), raiz da urze. Depois, cavava-se uma poça em circunferência com um diâmetro de um metro e a profundidade de trinta centímetros, onde se metia a urze. Chegava-se-lhe fogo e ficava a arder noite e dia, mais ou menos durante quarenta e oito horas. Quando o carvão estava em ponto, para que se apagasse lentamente, punham-se-lhe em cima bocados de terra com erva, cortados com uma enxada.
Regularmente, realizavam-se os "dias de concelho", ordenados pelo Presidente de Freguesia, para arranjos de caminhos, limpeza das poças de rega e o demais respeitante à comunidade.
Também não havia automóveis. As pessoas deslocavam-se a pé ou a cavalo e, para irem à cidade, apanhavam o comboio a carvão na estação de Rossas. No regresso de Bragança havia um túnel onde os putos costumavam fazer apostas, para ver quem tinha coragem de o percorrer; outras vezes, punham sebo e pregos nos carris, para que o vagaroso comboio não fosse capaz de subir a encosta próxima.
Nas noites rudes e bravias de Inverno, ia-se velar para casa do vizinho ou amigo, onde se contavam histórias, umas verdadeiras outras imaginárias, e as de “ficção científica”, que incluíam bruxas, lobos, ladrões etc. Em casa do meu avô paternal, pegava ele num cajado, com o qual jogava o” Rectemol “ indo de cabeça em cabeça, e só parava quando acabava a cantilena. Na da tia Aninhas, na Portela, podia-se ouvir até bem tarde, cantar desgarradas e fados, obra do Octávio das Cabanas, irmão da tia Ester, que tinha maravilhoso timbre de voz. O povo entretinha-se do modo que podia. Às vezes, junto das tascas, os homens mediam forças entre si. Contavam que o tio António Trocho levantava do chão, a braços, uma pedra redonda, junto da sua taberna, que pesaria por volta dos duzentos quilos. Eu vi o Ramiro dos Pereiros pegar em dois sacos de centeio, debaixo de cada braço, e transportá-los numa distância de duzentos metros.
Por estes tempos, costumavam visitar a Aldeia algumas "troupes" de circo mas, sobretudo, de teatro. Da minha lembrança foram representados A Rosa do Adro, o Amor de Perdição e o Zé do Telhado. As sessões realizavam-se no palheiro do tio João Santo, frente à casa do tio Jaime, e também no cabanal do tio Alfredo Guerra, junto da casa. A mocidade dos seus vinte e mais anos aterrorizava os mais pequenos, com o "bate-cu" (de onde veio a alcunha do Orlando, quando uma vez foi apanhado, e como do outro lado o rapaz era mais pequeno, então diziam que ele dava “pinotes”). Grande mocidade, em quantidade e qualidade! Pôncio, Ricarte, Víctor, Chico, Fernando, Zequinhas, Cândido, Corrécio, Frederico, Carlos e Duarte Chicheiro, Manuel e Américo Pereira, Mário Couceiro, Nuno e Manuel Caminha, Hermenegildo e Brotas, Manuel e Rafael e outros que não cito por me não lembrar, mas que davam vida e ser à nossa terra. Todos estes galafates se reuniam quando qualquer estranho, vindo das aldeias vizinhas, tentava namorar com moças da terra, fazendo-lhe pagar o vinho. Caso recusasse, era atirado para dentro de um tanque ou agredido. Pedir uma moça em casamento não era tarefa fácil, sobretudo se os seus familiares discordavam de tal casamento. Aliás, a maior parte dos casamentos realizavam-se por conveniência, sendo os pais a escolher e organizar tudo. Os que realmente se amavam, mas que infelizmente encontravam barreiras pelo caminho, aguardavam a maioridade para se casarem, mas eram desprezados pelo agregado familiar, sofrendo graves consequências afectivas e financeiras.
No mês de Setembro era a grande festa da Aldeia, cuja animação e entusiasmo se via retratada, mesmo, nos rostos mais pacatos e silenciosos. Dois ou três foguetes, (lançados pelo fogueteiro da Aldeia, se faz favor!) anunciavam o início das festividades, seguidos da Banda, (quase sempre a de Pinela) que, depois de dar a volta ao povoado, parava no largo do Prado debaixo dos famosos freixo e olmo. Os músicos já tinham patrões determinados para o almoço, esperando apenas pela hora da missa e procissão. As doceiras faziam o encanto dos mais jovens que se contentavam com umas amêndoas caseiras, doces económicos, ou uns rebuçaditos, porque o dinheiro também não abundava. Pela tarde, já findo o almoço melhorado, dançava-se ao toque do “auto-falante” saboreando os momentos felizes e harmoniosos dedicados a Nossa Senhora do Rosário.
10 comentários:
Tonho [Braz]
Creio que já te disse - e repito -que és um exemplo para todas as outras pessoas que nos visitam e se acanham em contar o tanto que sabem.
Obrigada por esta partilha.
Já agora, aproveito para informar que, sob o título genérico de Terra Amada, o Tonho escreveu um longo texto que será publicado por partes. Esta foi apenas a primeira.
Obrigada, Tonho, e beijos
Depois de ler, saborear e reviver alguns dos momentos descritos,resta-me felicitar o Tonho do tio Arnaldo...e esperar por mais porque esta primeira parte fez-me crescer água na boca.
Beijos
Sim senhor !.. Esta e de se lhe tirar ochapeu . Pois eu sentime feliz , ao ler e recordar todos estes tempos vividos em terra a mada como dizes , desde a luta de toiros aos pregos na linha do tunel de aruf. Parabens Antonio Braz,se me permites deixo um abraco ao teu sobrinho Victor , se me permites o inesquecivel ca-ga-dou-ro .Abraços Carlos
António,
Só quem muito ama a sua terra e as suas gentes poderá escrever dessa maneira tão saudosa e sentida.
Valorizaste a nossa terra e valorizaste-nos a nós.
Obrigada
Olímpia
António;Grande António creio que já foi tudo dito pela Fátima, Augusta, Olimpia e Carlos, eu só lhe acrescento que no final do texto já tinha lágrimas nos olhos, foi tão bom recordar tanta coisa que o tempo já havia diluído e só um narrador como tu consegue trazer-nos de volta, com o stresse da vida e o barburinho da cidade até nos esquecemos que ainda existem paraísos como os que acabas de descrever. Obrigado pelo bem que nos dás com as tuas lembranças e nos manteres vivos desse tempo de crianças.
Auqele abraço terno e afectivo Manuel Pereira
Tonho,
Obrigado por estas recordações, que grande memória ainda tens.
Não pares de escrever porque recordar é viver.
Um abraço e até um dia.
Orlando Martins
Muito bem António.
Já dizia Tolstoi: "Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia."
Um beijo Lurdes
ANTÓNIO B. PEREIRA, os meus parabéns pelo texto (lª parte como
está indicado pela Fátima). São
descrições que prendem a atenção
de quem não esquece o lugar onde
nasceu e viveu a sua infância. Os
pormenores aplicados mexem com os
setimentos das pessoas que, como eu, estou sempre à espera de novidades da terra.
ANTÓNIO, eu tenho especiais recordações do teu pai, não só
porque era um homem que também
media forças ao ferro, à relha e
à pedra, para quantos assistiam
no largo do Prado, mas também
poque era afilhado do meu pai, e
como tal frequentava a nossa casa
para ajudar em várias actividades
principalmente na sega dos fenos.
Todos estes pormenores fazem a
união das pessoas e daí vem à
memória toda a comunidade de
Rebordainhos, graças a ti, entre
outros, que têm a coragem de
passar para o papel tudo quanto
se recordam, e assim perpetuar as
memórias do que foi e continuará
a ser a comunidade de Rebordainhos.
ANTÓNIO, o meu bem hajas pelos
moomentos felizes que nos dás.
Um abraço.
Américo
Sr. Américo:as suas simpáticas palavras,selecionadas com tanta minuciosidade,sempre presente e em primeiro lugar, para comentar, incentivar, encorajar etc.é a garantia formal de uma pessoa de bom senso, de quem possui valores fora do normal, enfim.. das pessoas que este blog. necessita.
quanto ao seu pai e o meu, paz para a alma dos dois, apesar de serem padrinho e afilhado, tenho informações de que ainda eram familiares afastados. A sua família é das mais respeitadas e amadas da nossa terra. Um grande Abraço.
Aproveito para agradecer os elogios,à Fátima em especial, pela coordenação e orientação, pena ser um texto tão grande que já não deu para acrescentar os jogos tradicionais, mas sugiro que mais tarde se faça uma lista e um concurso de como eram jogados, acrescentando os de mulheres.
Como estou a ser longo, :obrigsdo Augusta, Olimpia,Carlos, Manuel e o meu pinote preferido, e Lurdesum muito obrigado especial. Abraços: António B. Pereira
António; Não és tu que tens que nos agradecer nada porque nós nada te demos, em cotrapartida tu tens dado tanto que o mínimo que podemos fazer é não só agradecer-te como incentivar-te para que continues a deleitarnos com as tuas excelentes memórias.
Da minha parte um grande abraço com o afecto que tanto mereces. Manuel
Enviar um comentário