A nossa terra está assim: linda nos matizes outonais. A chuva que escasseara durante o ano lembrou-se de aparecer, permitindo o reverdescer do chão já agradado. Lombos e chãeras, solheiros e absedos tingem-se de cor, última garridice antes que o Inverno instale a sua austeridade cromática.
Temia-se o pior, mas, não sendo de fartura, o ano trouxe colheita bastante de castanha. E porque caiu bem, apanhou-se depressa, por isso não deve tardar muito a chegar o rebusco. A tradição do rebusco é, para mim, uma das mais belas da nossa terra, porque reflecte a partilha com quem nada tem dos bens que estão em nossa posse. Mostra, ainda, respeito para com a natureza que se não deve exaurir: os frutos deixados para trás serão uma espécie de sacrifício ofertado a Deus e à Terra que nos sustenta.
Penso que o rebusco tem o seu fundamento na seguinte passagem da Bíblia:
Quando tu segares a seara dos teus campos, não cortarás rés do chão o que tiver crescido sobre a terra; nem enfeixarás as espigas que tiverem ficado.
Não recolherás também na tua vinha os cachos que ficaram da vindima, nem os bagos que caíram; mas deixá-los-ás tomar aos pobres e aos peregrinos. (Levítico, 19, 9-10)
Não colhas tudo o que Deus pôs à tua disposição, partilha com os pobres e com quem, por ser estrangeiro, precisa de sustento - eis a súmula desta passagem. O rebusco é uma bela materialização da lei de Deus.
Os mais atentos perdoar-me-ão a escolha de versão tão arcaica do texto bíblico, opção que justifico, exclusivamente, pela poesia que lhe está intrínseca e que sinto ausente de algumas traduções mais modernas.
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Fotografias da Olímpia (Nov. 2009)
Fotografias da Olímpia (Nov. 2009)
9 comentários:
Reparo que não perdeste tempo, na tua passagem rápida por Rebordainhos. Ainda bém que as castanhas estão a chegar ao fim, as minhas costas não aguentavam mais; mas é tão agradável juntar-se entre familiares e amigos, em volta de um magusto...Parabéns à Olímpia pela ilustrção. Quanto à parte Bíblica, que lhe chamem como quiserem, mas é a realidade vivida por muitos de nós: apanhar espigas depois da ceifeira passar, galelos esquecidos pelos vendimadores, rebusco de castanhas, única maneira de as comer para quem não possuia castanheiros, ou batatas que a chuva descobria depois da arranca. Parabéns e obrigado. beijos
Fátima,
Embora actualmente já não se adeqúe tão bem, faz sentido a tua fundamentação bíblica.
Bjos
Olímpia
António,
Apesar de só ter andado dois dias às castanhas, (verdade verdadinha, quatro bocados),também eu cheguei a Lisboa com uma tremenda dor de pernas e...não só.
O magusto, não o chegámos a fazer.
Em contrapartida, matei saudades de "rocas" assadas.Que bem que me souberam.
Bjos
Olímpia
Pois é. Hoje acabámos a nossa empreitada. E verdade, verdadinha, já não havia vontade para mais. Por outro lado, o facto de revermos velhoa amigos, o convívio que temos, faz com que esta canseira se transforme num dos melhores períodos do ano.
beijos
Olá Fátima:
Já vi que sempre que sobes à Serra voltas cheia de inspirações telúricas - e esta repleta de espírito bíblico, com a magnífica citação do Levítico que eu desconhecia (e Saramago com certeza também, já que não tem sabor a manual de iniquidades e acode em defesa dos pobres).
Andava com saudade de ir fazer um magusto a Rebordainhos, mas ainda não foi desta, mas registei e guardei as imagens da Augusta.
Parabéns a ambas por manterem acesa esta chama sagrada do amor à terra...
e um abraço
António
Tonho [Braz]
Obrigada por aquilo que, aqui, lembraste e que acrescenta muito ao que escrevi. Em todos os casos que referiste há um deixar para trás de propósito e isso é muito bonito, sobretudo da parte daqueles que deixam ficar parte do pouco que têm. Em Rebordaínhos não seriam muitos aqueles a quem sobrava alguma coisa!
Suponho que já terás as costas mais descansadas, prontas a sacudirem-se com o riso de uma velada à roda de um assador de castanhas. Saboreia alguns bilhós por mim, porque aqui não sabem ao mesmo.
Beijos
Olímpia
Pois é, as máquinas vieram acabar com isso. As máquinas e não só: felizmente, a miséria já não é o que era.
Beijos
Augusta
Lá isso é verdade. Do pouco que pude partilhar, há um sabor bom que fica: adormecer de corpo cansado mas de cabeça leve.
Beijos
Tonho
O chão da nossa serra tem o condão de nos fazer nascer raízes na alma...
O Saramago é autor que leio religiosamente (espero que ele me não tome à letra) e não lhe faço a desconsideração de abrir cada um dos seus livros e escolher bochechos para, a partir deles, elaborar uma tese cheia de absolutos sobre a sua obra e a sua pessoa. Pelos vistos, é assim que ele faz com a Bíblia e isso fica-lhe mal. Esse não é o caminho certo para encontrar o Deus que ele tanto procura e sempre que O nega e invectiva está a gritar o fracasso da sua busca e a dar-nos conta do desespero que lhe vai na alma. Para Saramago Deus é mau porque protege alguns e persegue outros - ou abandona-os. Ele sente-se um dos abandonados, porque se lhe não revela! Enfim, isto sou eu a meter a foice em seara alheia.
Um grande beijo, agradecendo a bondade de dizeres que não conhecias aquilo, seguramente, sabes bem melhor do que eu.
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