domingo, 24 de janeiro de 2010

HÁ CINQUENTA ANOS



Aqui atrás, o Filinto referiu-se a um artigo do Mensageiro que prometi publicar. Aqui fica ele, sob a forma de imagem porque não encontrei melhor modo de o conseguir fazer.

O texto, que é primoroso (fora o erro de chamar cruzeiro ao pelourinho), suscitou-me alguma perplexidade que gostaria que me ajudassem a resolver. Ele é, do início ao fim, o retrato vivo das minhas memórias, exceptuando as passagens sobre a escola, o cemitério e a casa do povo. A minha perplexidade nasce do cotejo dessa realidade com aquilo que nos era ensinado na escola.



Todos nos lembramos bem dos textos dos livros de leitura e muitos recordarão as aulas ministradas através de uma série de cartazes intitulados, colectivamente, A Lição de Salazar. Esses cartazes, de elaboração impecável, datam de 1938 e foram criados para comemorar os dez anos de Salazar no poder. Aos professores primários foi dada a incumbência de os levantarem no distrito escolar da sua área e de, na aula do dia, explorarem os temas indicados.

Façamos o exercício de comparação, lembrando que as frases citadas foram escritas em 1960:

Uma casa do povo também lhe vinha a jeito. (…) Esse benemérito organismo corporativo, desde que rodasse nos eixos, distraía-os, sem os inconvenientes dos tascos.
As ruas é que estão como antes – lençóis de [l]ama, para calcetar.
Assim permaneceriam durante longos anos.
Convém lembrar que a Constituição de 1933 determinou que Portugal era uma república corporativa, integrando-se as casas do povo no conjunto das corporações económicas. Daquilo que se lê no artigo, deduzi (não o sabia!) que, para termos casa do povo, mudámos o nome à casa da Junta, mas já depois de Janeiro de 1960.


O cruzeiro passou por ele 1940 e ninguém se lembrou de o restaurar.

G. E. refere-se a 1940 porque o Estado Novo, a propósito da comemoração do duplo centenário (assunto já aqui referido nos comentários sobre o dia de N.ª Senhora da Conceição), lançou um intenso programa de reconstrução dos edifícios nacionais. Ao pelourinho de Rebordaínhos pegou-lhe o sr. Jaime porque ameaçava ruir (isto disse-mo o meu irmão, pois eu não sabia).


Para chegar, ainda temos de andar, quase uma hora, trupa! Trupa!, por uma ladeira suave.
Assim fiz eu a viagem, da primeira vez. Depois, já uma estrada arrasada de lama (ainda não fora empedrada) me levou arrastadamente.


Eu, que nasci quase ano e meio depois da publicação deste artigo, palmilhei durante muitos anos a estrada de terra batida que nos ligava a Rossas, negra até chegar a Arufe e clarinha daí para baixo.

A perplexidade transforma-se em mistério a resolver: como é que, vivendo esta realidade que, na escola, lhe diziam que não existia, o povo de Rebordaínhos estremecia tanto Salazar? Quem me ajuda a compreender? Obrigada àqueles que o fizerem.

3 comentários:

Olímpia disse...

Gostei deste post. Não pelo Salazar, mas sim pelo que se descreve no primoroso texto de "O Mensageiro", imagens que eu retenho bem na minha memória (exceptuando, tal como tu, a escola e o cemitério em ruínas).
Tanto a electricidade como o calcetamento das ruas, chegaram tardiamente...
Primorosa, é também a "achega" que dás a este post.Era de esperar! Parabéns.
Quanto à pergunta...responda quem souber!...
Bjos
Olímpia

Augusta disse...

Fátima:
Cada post que acrescentas, acrescenta também o nosso conhecimento. És "muita fiche" pá!
As vossas memórias, parecem ser também as minhas. Não me lembro nadinha das ruinas da escola e do cemitério. E, tal como vós, quem souber que responda!
Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Augusta

Obrigada!

Falei com o Orlando que, sendo pouco dado a comentários, me disse coisas interessantes e, creio, ele tem razão: independentemente da realidade de que falo no artigo, há outra, mais profunda, que tem a ver com a protecção à agricultura durante o Estado Novo. A batata, o cereal e a castanha eram comprados a preço justo ao lavrador. Sentindo que o seu trabalho era dignificado, as nossas gentes retribuíram, reconhecendo e agradecendo a quem o fez, apesar do muito que lhes era sonegado. No entanto, por uma vez, alguém se lembrou delas e isso faz toda a diferença.

Obrigada, pois, ao Orlando pelos frutos da nossa conversa.

Beijos