Às vezes temos surpresas boas, como esta: um leitor nosso venceu a inibição e decidiu colaborar connosco. Enviou-me uma reflexão muito sentida de onde sobressai aquele amor à terra que todos conhecemos e que nos une uns aos outros, não importa onde estejamos.
É possível que seja por timidez, mas este novo colaborador prefere assinar sob pseudónimo: “abcd”.
Lembro-me…
Provavelmente, é assim que todos começamos por descrever os momentos vividos na nossa aldeia. Seguidamente, contamos as tais histórias que nos orgulhamos de ter vivido e, se tivermos sorte, a pessoa que nos ouve vai sentir uma milésima parte da magia inerente às aldeias trasmontanas. Existe uma magia inexplicável, um buraco negro de emoções e recordações que nos consome em cada um dos dias que temos de enfrentar longe da nossa aldeia. E é longe dela, dessa magia (aldeia), que conseguimos, pela primeira vez, sentir saudades. Não são saudades vulgares! Estas distinguem-se por possuírem uma capacidade especial, quase divinal.
Espelham-nos!
Lembro-me da primeira vez que senti essas saudades: estava em casa, sentado à varanda de um andar e olhava uma paisagem urbana com pontos perdidos de ruralidade. A noite era propícia para pensar e, quando dei por mim, viajava por aqueles pontos ruralizados e pensava na minha aldeia, nas paisagens típicas que criavam saudade, no cheiro a carvalhos queimados que se evolava pelas chaminés velhas, nos sons das cabras no Outeiro, das Vacas no Pelourinho, das crianças que eram “eu” e que falavam, gritando, depois do jogo de futebol… que saudades! É como se essas toneladas de memórias se sentassem sobre o meu peito e chorassem por elas próprias.
Tudo isso, no entanto, são saudades vulgares. Mas, quando recordei os gritos da minha mãe que chamava por mim ao escurecer, a voz do meu pai que me perguntava por onde tinha andado, o cheiro à comida feita nas brasas da lareira, o chiar da cadeira de madeira que parecia repreender-me também e, finalmente, o aconchego da cama e o beijo de boas noites dado pela mãe, então sim, percebi que existem outras saudades, aquelas que nos espelham como seres humanos. Eu vejo-me todos os dias nessas saudades e existo nessas saudades; formei-me nelas e escrevo sobre elas. Eu sou essas saudades!
A nossa pessoa existe e reside nessa saudade e é por causa dela que nos diferenciamos de todos os outros e talvez seja ela que nos faz amar tanto Rebordainhos.
OS PUTOS DE SEMPRE
O tempo na minha aldeia
É como o tempo das crianças
Não passa porque não existe…
Não existe por não ser pensado!
Seremos sempre
Os mesmos putos a brincar
nas eiras do pensamento
Dos homens e das mulheres
Que nos talharam.
Nascemos e ponto final,
Somos hoje
Quem fomos sempre!
O tempo na minha aldeia
É como o tempo das crianças
Não passa porque não existe…
Não existe por não ser pensado!
Seremos sempre
Os mesmos putos a brincar
nas eiras do pensamento
Dos homens e das mulheres
Que nos talharam.
Nascemos e ponto final,
Somos hoje
Quem fomos sempre!
7 comentários:
Caro abcd
Muito bem vista essa diferença que estabelece entre uma saudade e a outra! Tem muita razão: as vozes, os cheiros e os sons da casa dos nossos pais são um lastro essencial de ternura.
Obrigada por ter escrito e, creio que falo por todos, esperamos continuar a contar consigo.
Beijos
Que agradável surpresa e que belíssimo texto!
Igualo-me a si na forma como sente as saudades, Sr. abcd.
Seja tudo isso, mas continue a colaborar neste blog, porque textos como o seu, fazem-nos sempre regressar ao berço, sonhando com o ninho onde nascemos.
Curioso, estes pensamentos e esta forma de escrever, fazem-me lembrar alguém bem familiar...
Bem-haja
Bjos
Olímpia
Gostei imenso do seu texto, (abcd)mas sobretudo do contexto,realista na autenticidade,e argumentação.
A distância, que durante anos nos separa dos locais e das pessoas, que fragmentaram a nossa adolesçência, é principal incentivo ao desbridar dos sentimentos. Longe dos olhos, mas, perto do coração.
Permita-me elogiar, a ousadia bem-vinda, esperançado noutras colaborações, com os humildes conterrâneos, asssíduos visitantes ao Blog. Parabéns, receba os meus cumprimentos. António Brás Pereira
Obrigado aos três pelas palavras calorosas...
abcd
Saudades... quem as não tem?
Gostei do texto, simples mas cheio
de valores íntimos que ninguém pode
reclamar como sejam seus.
Já o reli não sei quantas vezes.
Obrigado "abcd" pela oportunidade
que me deu de viver momentos tão
felizes a recordar o passado. Por
mais diversificada que seja a minha
vida há sempre lugar para pensar
na infância, família, vizinhos,
escola, locais e tudo ao longo do
tempo que passei em Rebordainhos.
Faltam ainda os pormenores de cada
circunstância, de cada momemto.
Quantas histórias eu não idealizo
para cada acontecimento!
Saudades sim, tudo são saudades.
São sentimentos de que me orgulho.
Américo
Saudades das saudades
Este texto sentido é bem a demonstração plena de que nós, os que nascemos nos ermos esquecidos deste Portugal supostamente "uno", nos regemos por valores diferentes dos de quem nasceu nas grandes cidades.
Muitos dos nados e criados na capital, demonstram por vezes um completo desprendimento desses valores e até, com alguma displicência, se orgulham de não terem terra.
Um abraço para Rebordaínhos
Quem tão bem escreve (e descreve) as vivências duma infância plena de felicidade, dum sentir de forma tão intensa as "saudades das saudades", bem que merecia ser tratado pelo NOME PRÓPRIO.
Aceito a sua vontade de anonimato, embora preferisse o contrário.
Permita-me que o felicite. AMEI! E, ainda que, sob o manto do anonimato, por favor não deixe de continuar a colaborar com este cantinho.
Tal como a minha irmã Olímpia, a sua escrita parece-me familiar. Por isso, e mais que não seja para nos aguçar a curiosidade, venham daí mais dessas "saudades das saudades"!
Um beijo
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