Na literatura chamam-lhe sinestesia mas não tenho ideia se na fotografia existe algum termo que lhe possa ser equiparado. Atentemos, porém, na quantidade de sensações que se apoderam de nós quando olhamos para esta fotografia: de imediato, a nossa memória acrescenta extensão àquele emaranhado de silvas que coroam o muro da terra do Sr. Lopes e que acolhem nas suas vergônteas as peças de roupa que as mulheres acabaram de lavar. As mais alvas reflectem a luz do Sol, como se fossem luas pequenas. Qanto esforço terá sido feito a batê-las e a esfregá-las para ficarem assim? Estais a ouvir? Lá estão elas, as mulheres, ora esfregam, ora batem, depois enxaguam e torcem. Se for lençol, é certo e sabido que estará uma em cada ponta, torcendo em sentidos opostos. A água sairá em pequenas bolhas que transportam o ar. Ambos ficaram sem espaço, tão grande é o arrocho. Ar e água murmuram, zangados. Estais a ouvir? Agora sacodem o lençol, erguendo os braços e agarrando o rolo pelo meio, para que não toque o chão. Será estendido de imediato e o Sol vai aclará-lo ainda mais. Tudo rescende a lavado e a frescura. Nas nossas mãos sentimos aquela sensação boa do contacto ligeiramente áspero do linho de que é feito o lençol. O conforto apodera-se de nós. Não sentis? A garotada, por momentos livre da atenção da mãe, corre e grita, trepa à fonte e esgaça a roupa. O lombo da fonte é um escorrega e deixa-se cair com gosto, porque o tombo será amparado pelos tufos de junco que lhe crescem ao pé.
Vejo, cheiro, oiço e sinto e percebo como é bom. E vós?
Hoje deu-me para isto. Tende lá paciência!
Já agora, quem é a garoteca encarrapitada no cimo da fonte?
É a Zeza do Rafael e da Ester!
12 comentários:
Manuel (da tia Hélia)
Obrigada pela fotografia e pela tua gentileza!
Fátima: como dizem os mais idosos, (podia-te ter dado para pior), porque o teu texto, bonito, é igualmente narrativo da realidade recente,avivando-nos a memória com saudosas lembranças, as quais cada qual recente à sua maneira, pelo que foi, e raramente pelo que é, com respeito e dedicação ao termo literário.
Eu tomo a responsabilidade de acrescentar: enquanto se lavava, torcia e estendia, "nunca faltou conversa nem companhia". Honra às Senhoras de lingua afiada, que tão bém dispensavam os meios tecnológicos que hoje possuimos.
Quanto à menina, vou dar o meu palpite seguindo uma lógica. Como a foto vem do Manuel, suponho que seja familiar do tio César. Também não me parece muito antiga pelo facto da vedação, ou sou eu que vejo mal; julgo que seja uma filha do Serafim e Julia, creio que se chamava Ana Maria. É só um palpite... Abraços para todos e parabéns para a Fátima com um beijo amigo. António Brás Pereira
Garota:
Lindo este quadro impressionista que acabaste de pintar com o teu jogo de palavras. Tive de imediato a sensação de cheiros e cores! Até aquele cheirinhoà lexívia que as mulheres utilizavam com dose e medida como só elas sabiam. Adorava esse cheiro. Não sei se por o sentir ao ar livre.
Pelos tons da fotografia, parece-me ter sido tirada ao final da tarde, quando o sol já se preparava para desaparecer na serra dos Pereiros! Esta tonalidade é única. A mim paraece-me exclusiva de Rebordainhos.
Já agora: depois de tanto procurar por uma fotografia da fonte do espinheiro...eis que aparece uma. Finalmente.
Beijos para ti e obrigada ao Manel pela fotografia. Já agora, terá de nos dizer quem é a menina.
Muito bonito, este teu texto.
Há sinestesia sim, tanto no texto como na fotografia.
É um conjunto harmonioso com relação de planos sensoriais diferentes: a visão, o olfacto,o som...
Combinaste lindamente todas estas sensações e avivaste-nos recordações.
Bjos
Olímpia
Tonho [Braz]
Com que então, também tens jeito para a rima! E fizeste um blo ditado!
Quanto às conversas, só tenho conhecimento delas por ouvir falar. Parece que sim, que era melhor do que a Emissora Nacional. Elas falavam mas era ao mesmo tempo que trabalhavam para fazer bem à família e eu prefiro ver por esse lado. Pudessem todos os homens gabar-se disso como todas as mulheres!
Beijos
Augusta
Confesso que, quanto a cheiros, prefiro o da barrela, com muito sabão e alguma cinza- Não sei porquê, cheira-me tão a fresco como a Primavera!
A fotografia é lindíssima e, quase aposto, foi tirada com rolo Kodak...
Com que então não reconheceste a tua prima,e sobrinha do Manuel, a Zeza do Rafael e da Ester? O Tonho, ainda vá que não vá, não é da família dele e só a deve ter visto de garoteca...
Estou a brincar: eu também tive que perguntar ao Manuel que, vê lá, me disse que a fotografia lhe foi dada pela Lurdes do Lele, nossa outra prima e sobrinha dele também!
Beijos
Olímpia
Vai-se fazendo o que se pode! Obrigada.
Beijos
Modéstia à parte, mas sempre achei que a menina da fotografia fosse a Zéza. Esqueci-me de o dizer.
Bjos
Olímpia
Olímpia:
pois, pois... depois da minha filha casada não lhe faltam maridos!...
Mas já agora, mim també se me pareceu mas, errar por errar... que errem os outros
Beijos
Parabéns Fátima por manteres vivas em nossas memórias essas cenas que bem poderiam até ser de cinema, não fosse pela "lonjura" da nossa terra e outros empecilhos mais. Congratulações também a todos os que colaboram com seus textos primorosos e nos doam um pouco de seu tempo e de suas memórias.
Fátima, endosso teu palpite de que foi tirada com rolo kodak e ainda acrescentaria que, sem querer ser pretensioso, a máquina também poderia ser kodak...
Grande abraço pra todos
César
Augusta
Ah!Ah!Ah!Ah!Ah! Não conhecia essa dos maridos! Ah!Ah!Ah!
Beijos
Baptista
As saudades que eu tinha de ti! Os ventos que te trazem são sempre bons ventos!
Beijos
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