terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

ENTRUDO

Hoje é dia de entrudo. Diz-nos o dicionário que "entrudo" vem do Latim "introitu" que significa entrada, começo. Entrada da Quaresma, portanto. Apesar da tradução, o entrudo é muito mais do que essa espécie de antecâmara da Quaresma, sobretudo, porque a contradiz e parece metido a talhe de foice no calendário litúrgico. Eram tempos de grande sabedoria aqueles em que a Igreja, percebendo que não podia combater todos os rituais do paganismo, os acolhia, adaptando-lhes o significado e a simbologia, tornando-se mais plural e mais vívida, porque mais próxima dos sentimentos profundos das gentes - do povo, como nós gostamos de dizer.

A prática do interdito está intimamente associada à folgança desses três dias. Entre nós, porque somos concelho velho com hábitos de igualdade entre os "vilãos", a paródia raramente assume o aspecto de acinte dirigido aos poderosos, porque os não há. Assume outras, como as de cariz sexual, pois matrafonos e matrafonas não hesitavam em se travestir e em ostentar símbolos fálicos, alvo principal da chacota. Há a pilhéria aos acontecimentos do ano; não falta o carro do entrudo e, sobretudo, não falta o entrudo, o boneco de palha que incendeia o ânimo de quem, ao acordar, o vê à porta de casa e que está condenado porque, nesse mesmo dia, lhe será feito o enterro. É por causa desse enterro que o entrudo, mais do que ofensivo, é testemunha de um tempo passado porque simboliza o fim do ano velho e o começo de um novo ano. A Igreja acolheu a festa porque, tal como o entrudo introduz um novo ano, a Quaresma anuncia um tempo novo que é o tempo dos cristãos consubstanciado na ressurreição da Páscoa.

Agradeço que, quem puder, descreva as práticas carnavalescas de que se lembra, para que possa acrescentar este artigo. Obrigada, desde já.
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Amanhã, ou depois, publicarei um artigo sobre os Pereiros, saído no Mensageiro, na rubrica "Há 50 anos" e que o Rui fez o favor de me enviar. Peço desculpa aos restantes colaboradores que têm artigos à espera de serem publicados. Fá-lo-ei assim que conseguir escapulir-me das exigências profissionais.

8 comentários:

Isamar disse...

É um prazer passar pelo Rebordaínhos onde me é permitido recordar as tradições que por aqui também ainda se vão mantendo. Diferentes, é certo, mas são três dias de folguedo que antecedem a privação da carne logo seguida da Ressurreição.S. Pedro não permitiu o divertimento como estava preparado mas ainda houve alguma brincadeira.
O galo e o repolho com carne do porco da última matança estiveram presentes na mesa.À sobremesa não faltaram as fatias de ovo.

Bem-hajam, amigos!

Um abraço

antonio disse...

Quem não se disfarçou, enforretou as caras das meninas, ou lhes atirou farinha (ou cinza) para a cabeça que atire a primeira pedra. Parabéns pelo explicito e culto texto. Beijos. António Brás pereira

Olímpia disse...

Mais uma vez, um texto esclarecedor e a propósito.
Do carnaval, lembro-me especialmente do diabólico careto e dos seus frenéticos chocalhos bem cruzados nas franjas coloridas de mantas grossas.Numa mão, transportava uma foice e na outra, uma maçã onde ía colocando as moedas oferecidas. A foice, servia para cortar do fumeiro, uma chouriça ou salpicão, aqueles que nada ofereciam.
O enfurretar , o atirar com farinha e ovos, fazim parte destas tradições.
Beijos
Olímpia

Fátima Pereira Stocker disse...

Cara Isabel

Que bom vê-la por cá!
Está a ajudar-nos a concluir que só na aparência é que estão as diferenças: boa mesa e folguedo são a tradição que percorre o País de lés a lés.

Um grande abraço.

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho [Braz]

Obrigada!

Os forretes eram com fuligem ou com graxa? Se calhar, eram ambas!

E não te lembras de nenhuma das pantominas que se faziam, a gozar com os acontecimentos do ano? Os acontecimentos e as pessoas que praticavam as acções...

Fico à espera da tua resposta para, depois, poder acrescentar.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Ó rapariga, tu afina-me esse calendário! Entrudo com careto foi coisa que nunca vi em Rebordaínhos. O careto sai no dia de Reis!

Beijos

antonio disse...

Lembro-me de algumas passagens, mas como algumas delas terminaram com ressentimentos e molestados, não vou divulgá-las por respeito pelos familiares.Contudo; os forretes eram máis uzados os carvões pelo facto de ser mais fácil a lavagem. Na casa, dos teus vizinhos, do tio Alipio, fizemos eu o Ferreira, Zé Maria Pilatos,e o Artur Carteiras mais o Pintasilgo o cerco á casa, porque a Fátima avisada por alguém se escondera. Sempre bem vestida e penteada, foi uma das vitimas escolhida, e acredita ficou num estado deplorável. Também ao irmão, Alexandre a alcunha farinhoto, foi por causa da farinha que procurava no entrudo, e batizado pelo Sérgio "cerdeira".
O disfarce que revelava um acontecimento da época foi quando o F.C. do Porto contratou um jogador caríssimo que se chamava Cubilhas. Daí saiu o cortejo Cu-bilhas. No prado fizemos uma pequena representação com trajos e referencias ao facto. Creio que a Amélia e Auguta, Tarcisio, eu, Maria Augusta do "foguete e irmãos, Adília, Mavilde, e tantos outros galafates. Eram sobretudo cortejos com marchas bém enssaiadas, pela tia Irene e uma rapariga que era de Meles e estava em casa da Aninhas da Eira,das quais ainda me recordo perfeitamente. Também enssaiavamos peças de teatro. Uma foi representada no prado, outra na escola e outra na casa do povo do Outeiro, cujo tema era a ida à tropa, entre um capitão e um soldado da família Vascos.A Augusta fazia parte do elenco, com o papel da bolinha do nariz...eu mandei-te uma foto não sei se a recebeste.De queimar o mono de palha vestido e calçado como se deve só me lembro uma vez, frente à casa do Américo da Chave ou tio Cezar, mas as pessoas não gostavam pelo que eu preferia os enssaios, com a Jacinta tio Alfredo Fernanda,João Badalinho, Zé maria e o resto dos dançarinos, vestidos a rigor, calça preta, camisa branca um lenço enfiado numa caixa de fósforos fazia a gravata, e as meninas, lindas porque maquilhadas quase sempre pela tia Etelvina, saia rodada e garrida, lenços na cabeça de diversas cores, e blusa raiada, às bolas, coisa que despertasse a atenção dos muitos presentes radiantes com as anedotas e cantares. Nimgém levava a mal, Uma vez que me dirfacei de velhinha juntamente con dois ajudantes novos para me ampararem, fomos a casa da minha madrinh "Tia Maria, varri-lhe a cozinha doda com um vassouro de giesta, sem que me reconhecesse, puxou da carteira par me dar uma coroa dizendo: obrigado minha senhora... ainda não estava muito suja, mas, já fica varrida para àmanhã... beijos, António Brás Pereira
Talvez mande a letra dos cortejos para o mail, porque isto já é um testamento...

Céu disse...

António

Essa tua descrição bem esclarecedora do que foi aquele teatro, onde esta frase que ficou célebre: "Bem haja o tiu soldarado, que boubou por onde é q'ou boubo", lembras-te?
Honra vos seja feita, tu e as tuas irmãs tinham muito jeito para representar.
Se bem me lembro, creio que foi a Olema que se vestiu de soldado e que fez um brilharete no papel que representava.
Quem colaborava também com os trajes lindíssimos para os disfarces, era a tia Emília do tio Amadeu.

Fátima, mais uma vez, uma iniciativa oportuna, como só tu o sabes fazer!

Obrigada aos dois por este relembrar de vidas vividas.
Beijinhos
Céu