quinta-feira, 9 de setembro de 2010

AS TRÊS MAÇÃS DE OIRO


por

EMÍLIA DE SOUSA COSTA

Ilustrações de ALFREDO DE MORAES


Era uma vez um pai que tinha três filhos. Os mais velhos eram muito invejosos e maus. O mais novo, pelo contrário, duma bondade exptrema e generoso, só se sentia feliz, quando fazia bem a alguém. Viviam numa cabana, próximo da antiga cidade de Bragança, em Trás-os-Montes, e empregavam-se em apascentar gados.

O pai, o velho Rebordãos, já não podia trabalhar, pelo que os filhos o sustentavam. Os mais velhos, com má vontade de cumprir esse dever tão nobre; e o mais novo, sempre carinhoso e atento aos menores desejos de seu pai.

Os três rapazes, todos de baixa estatura, eram, por isso, conhecidos pelos Rebordaínhos (sic) - o diminuitivo do seu apelido.

Certa manhã em que estavam pastoreando os seus gados, passou por ali uma pobre que lhes pediu um bocadinho de pão.

Os Rebordaínhos mais velhos negaram-se desabridamente a atender a desgraçada. O mais novo, porém, desprezando as palavras escarnecedoras com que os irmãos comentavam a sua boa acção, sinceramente condoído, deu à pedinte metade do pão que trazia no bornal, e algum leite das suas cabras.

A mendiga, depois de regalada com tão bom almoço, agradeceu ao pastorinho e antes de retirar-se ofereceu-lhe, como penhor do seu reconhecimento, três maçãs de oiro, pedindo-lhe que as conservasse para se lembrar dela.

Os irmãos, roídos de inveja, pediram-lhas e, como ele se negasse a satisfazê-los, tentaram tirar-lhas à força. Não conseguindo os seus fins, nem pela ameaça, nem pela violência, encolerizarm-se e mataram o infeliz. Enterraram-no num monte e fingindo-se aflitos pelo desaparecimento do irmão, choraram com o pai e com este lastimaram tão grande desgraça. O velho Rebordãos não pôde sobreviver ao enorme desgosto causadopela perda do seu filho querido.

Passou tempo e, no monte em que o pstorinho foi vitimado pela inveja dos irmãos, nasceu uma cana, mesmo sobre a sepultura.

Um pastor que por ali fez caminho e tinha perdido a sua flauta, ao ver uma cana que se prestava para fabricar outra, cortou um pedaço e depois de, com o canivete, a preparar e transformar no instrumento predilecto, experimentou-o tocando a sua ária habitual.

Mas, com grande pasmo seu, em vez dessa ária, ouviu esta quadra:

.......................................Toca, toca, pastorinho,
.......................................Os meus irmãos me mataram,
.......................................Por três mçãzinhas de oiro,
.......................................E ao cabo não nas levaram.

Como até ali ninguém sabia o que fora feito do rapazinho, desaparecido sem deixar vestígios, as pessoas que ouviram a flauta pastoril dirigiram-se ao lugar em que o pastor cortara a cana, acompanhados das autoridades judiciais.

Cavaram e desenterraram-no, encontrando-o sem sinais de decomposição e com as três maçãzinhas nas mãos enclavinhadas, porque nem depois de morto os malvados conseguiram arrancar-lhas. ao tirarem-no para fora da sepultura, as maçãs soltaram-se-lhe das mãos e cairam duas sobre os olhos e outra sobre a boca e o rapazinho ressuscitou.

As suas primeiras palavras foram para pedir o perdão dos irmãos, já entregues à justiça.

Estes, apesar disso, foram castigados. Depois da sentença cumprida, comovidos pela generosidade do seu irmão mais novo que nunca os abandonara, enquanto estiveram presos, arrependeram-se sinceramente do seu horroroso crime e tornaram-se bons rapazes.

As três maçãzinhas de oiro continuaram na posse do seu dono até que, passando novamente por aqueles sítios a mulher que lhas oferecera, e informada dos factos sucedidos, lhe aconselhou a vendê-las e a aplicar o produto dessa venda no que lhe aprouvesse. Declarou-lhe ainda que nunca fora mendiga. Era uma fada benfazeja disfarçada em trajes humildes, para melhor conhecer as pessoas dignas de benefícios, pela bondade do seu coração.

Vendidas as três maçãs, o pastorinho comprou muitas terras que repartiu com os irmãos.

Todos casaram e construiram casas próximas umas das outras, fundando assim uma povoação, que chegou a ser vila e se chamou Rebordaínhos - nome dos seus fundadores.

Este conto foi-me gentilmente enviado pelo nosso leitor António Leite a quem muito agradeço o gesto. As ilustrações são as da própria obra.

11 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Só umas breves notas biográficas sobre a autora:

Emília de Sousa Costa nasceu em Lamego em 1877 e faleceu em Lisboa, cidade em que vivia, em 1959. Talvez devido ao seu casamento com o magistrado Alberto de Sousa Costa (natural de Vila Pouca de Aguiar), fundador em 1911 da Tutoria da Infância, torna-se professora do Refúgio da Tutoria de Lisboa. Os Refúgios recolhiam os menores que estivessem envolvidos em processos judiciais e, aí, recebiam o auxílio necessário até o processo estar concluído.

Além disso, Emília de Sousa fundaria uma Caixa de Auxílio a Estudantes Pobres do Sexo Feminino onde funcionava um curso de instrução primária, justificado pela sua áspera oposição ao princípio da inferioridade feminina.

Iniciou o seu trabalho literário em 1914, escrevendo obras dedicadas à infância e, ao longo da sua vida, dirigiu as mais importantes colecções de livros para crianças como, por exemplo, a Biblioteca dos Pequeninos. Um dos aspectos que mais distingue as suas obras e as colecções que dirigiu, é que as ilustrações (pedidas a grandes nomes das artes nacionais) eram feitas de propósito para cada uma das histórias, em vez de serem escolhidas por entre aquilo que já existisse.

O espólio de Emília de Sousa e de seu marido (também escritor) está em Vila Real.

Fátima Pereira Stocker disse...

Esqueci-me de dizer que actualizei a ortografia (menos o "Rebordaínhos"!).

antonio disse...

É um conto que eu desconhecia, talvez não se contasse ainda na minha infancia,mas gostei da leitura, e o resumo que a Fátima faz, diz tudo, incentivando à reflecção partilhando o bem que tráz bem, e repudiando o mal. Mais uma vez obrigado pelo complemento hitórico, para aumentar nossa cultura geral. Beijos

Olímpia disse...

É muito gentil o Sr. António Leite.
A ele, um bem-haja, por este miminho tão recheado de simbolismo.
Embora na literatura infantil se encontrem contos idênticos, este não o conhecia.Enquanto o lia, relacionei-o com alguns outros :João Pé de Feijão ( 3 feijões mágicos ); a história do lenhador e das 3 chaves de ouro; A flauta mágica).
Lindo, este conto.

Bjos

Olímpia

Augusta disse...

Mas que bela surpresa, e delicioso conto!
Muito agradecida ao sr. António Leite e, claro, muito obrigada a ti também.
Gostei desta forma terna, como neste conto infantil, foi imaginado o início da nossa aldeia. Deve ser por isso que a nossa gente é tão boa!
Beijos

antonio disse...

correcção a: reflexão e traz. Sory!!!

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Ñesse caso, quando regressares ao activo da sala de aula, já tens mais uma história para trabalhar com a pequenada.

Enquanto transcrevia o texto fui atentando na riqueza do vocabulário. Que beleza! Assim, sim, é um modo de ensinar respeitando o direito de aprender!

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Fizeste-me rir e lembrar um poema do Gedeão que diz mais ou menos assim:

Os meus olhos são uns olhos
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.


E isto porquê? Porque pensei cá para os meus botões quando li a versão da Emília Costa: mau, se tivesse sido assim, teríamos começado com ladrões incapazes e assassinos impotentes - gente perversa e burra!

Isto é: onde tu viste bondade...

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Antes de mais, desculpa ter-te ultrapassado na ordem, mas convenci-me que te tinha respondido ontem - E deixa para lá as gralhas porque quem nunca pecou que atire a primeira pedra!

A conta, como eu a aprendi, é aquela que publiquei um pouco mais abaixo, retirada de um livro de Teófilo Braga. É provável que te não lembres dela, tal como, certamente, saberás muitas que eu esqueci. É por isso que o contributo de todos é tão importante: por pouco que cada um se lembre, tudo somado dá uma boa recolha!

Obrigada pelas tuas palavras sempre tão gentis.

Beijos

Lurdes disse...

Fátima gostei da surpresa, maravilhoso conto que eu desconhecia... gostei do que disse a Augusta :-)

Queria aproveitar para dizer a todos que não se esqueçam de ir passando pelo Facebook, tem lá fotos novas da Festa da N. Sra da Serra.

Beijos

Lurdes

Fátima Pereira Stocker disse...

Lurdes

Creio que também pode ser para ti aquilo que escrevi à Olímpia...

Claro que gostaste do que escreveu a Augusta. Também eu!

Estive há pouco no faceboock. Tens lá muito e interessante trabalho, e o Tonho. É interessante que há pessoas a comentarem lá e que o não fazem aqui. Fiquei a conhecer uma faceta do Pedro Pais que desconhecia, de devoto da Sr.ª da Serra!

Continuo a achar que devias dar notícia das novidades na página do blog em vez da caixa de comentários.

Beijos