quarta-feira, 18 de julho de 2012

DISTRACÇÃO





Não sei se vos acontece o mesmo, mas ao inferno do "bom tempo quente e seco" só consigo ultrapassá-lo pegando em literatura. Deixo aqui uma passagem saborosa de Eça de Queiroz:





Pela escada, o poeta das "Lapidárias" aludiu ao tórrido calor de Agosto. E eu que nesse instante, defronte do espelho do patamar, revistava, com olhar furtivo, a linha da minha sobrecasaca e a frescura da minha rosa - deixei estouvadamente escapar esta coisa hedionda:
- Sim, está de escachar!
E ainda o torpe som não morrera, já uma aflição me lacerava, por esta chulice de esquina de tabacaria, assim atabalhoadamente lançada como um pingo de sebo sobre o supremo artista das "Lapidárias" (...)! E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova! Nada! Só me acudiam sordidezas paralelas, em calão teimoso: - "é de rachar"! "está de ananases!" "derrete os untos!"

O embaraço do narrador/personagem compreende-se melhor se nos lembrarmos que andara durante toda a noite a pensar nas frases que havia de dizer:

E lembro-me de ter, com amoroso cuidado, burilado e repolido esta: "A forma de Vossa Excelência é um mármore divino com estremecimentos humanos!"

Eça de Queiroz, A Correspondência de Fradique Mendes, cap. II

1 comentário:

Olímpia disse...

Grande Eça!
Eu exprimo-me da mesma maneira: "este calor é de rachar!"

O teu texto, veio mesmo a calhar.

Bjo

Olímpia