Ofereceram-me um livrinho de orações. Não tem data de edição, mas é do fim do séc. XIX e intitula-se "Abreviado da Missa e da Confissão". Foi editado em Paris por G. Jeener (Rue du Château d'Eau), destinando-se ao mercado em Língua Portuguesa, conforme se infere das palavras do bispo do Pará que o recomenda do seguinte modo:
Nós
António Macedo
Pela graça de Deus e da santa sé apostolica Bispo do Pará e do Amazonás, etc.
Este "Manual da Missa" pareclanos, pelo que d'elle pudemos ler, é um excellente directorio dos principaes exercicios da piedade catholica. Escripto em lingoagem correcta, bem ordenado em suas partes, cheio de amor da religião, pode tornarse utilissimo para os fieis e, por isso, ao mesmo tempo que louvamos a dedicação do benemerito editor, o sñor. Jeener damos com gosto a nossa approvação a este Livro, fazendo votos para que se divulgue e propague, cada vez mais, em todo o Portugal e o Brazil, e particularmente na nossa diocese.
É um gosto ler o livrinho, mas não é do seu conteudo que venho falar, antes, da lingoagem em que vem escripto, sem differenças entre Portugal e o Brazil, porque da mesma língoa (ou lingua, admitiam-se as duas formas) se tratava. É este, pois, o assumpto que justifica o título do artigo em que manifesto saudades de um tempo que não vivi, e que foi o da uniformidade orthographica.
Em 1910 foi implantada a República e, logo em 1911, uma comissão de sábios foi incumbida de proceder á simplificação da orthographia da Lingoa Portugueza de modo a facilitar a sua aprendizagem e, com isso, lograr diminuir-se o analphabetismo. Decisão unilateral que provocou a primeira ruptura com o Brazil, e daí em diante sem cessar, até ao descalabro a que chegámos hoje, uma lingoa sem mãy nem pae, condemnada a um beco sem sahida.
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Nota: no texto do bispo do Pará existe uma palavra que desconheço e não encontro em sítio nenhum: "pareclanos". Agradeço do fundo do coração a quem me possa elucidar.
10 comentários:
Deve ser um belíssimo exemplar e bem podes agradecer a quem to ofereceu.
Ora bem, de linguística, pouco percebo. Mas lendo o texto, parece-me que se pode traduzir por "parece-nos". Que te parece?
Beijos
Um livrinho deveras interessante... gosto da lingoagem antiga ortographada desta maneira é mais carinhosa. Beijos
Augusta
Também fiz esse exercício, o de poder tratar-se de gralha. Mas não fiquei convencida porque, se retirarmos a oração intercalada ("pelo que d'elle pudemos ler"), ficaria assim: «Este "Manual da Missa" parece-nos (...) é um excellente directorio...»
Se lá não estivesse o verbo ser...
Obrigada e beijos
Ora viva, Tonho,
que tão lindamente vais para além do que escrevi! Concordo contigo: é uma forma muito mais carinhosa e muito mais bonita de se ver. A estética é tão importante numa língua!
No livro em que se insurge contra a "orthographia sem ípsilon" (Livro do Desassossego), Fernando Pessoa/Bernardo Soares escreve esta frase lapidar: "A palavra é completa vista e ouvida". Além do mais, segundo o próprio, "Ler é sonhar pelas mãos de outrem" por conseguinte, concluo eu, empobrecer a língua é empobrecer os sonhos.
Beijos e obrigada
Também não concordava com o acordo ortográfico até ao momente em que ouvi numa palestra, o Dr. Malaca Casteleiro. Aí, mudei um pouco de opinião.
bjo
Olímpia
Fátima , vi a sua preciosidade ...Mesmo uma relíquia . Quanto á palavra lembrei-me que na minha terra se chama de poreclamos aos tb chamados "banhos " que na entrada de uma Igreja anunciam os casamentos que aí se vão realizar .Claro que a palavra tb pode ser usada com o significado de "anuncia ,divulga ,proclama ..."Terá alguma coisa a ver ? Como sabe tão bem ou melhor que eu , a 1ª leva de colonizadores no séc . XVI foi das Beiras .Até Cabral de lá era .... .Quando há 40 anos fui a 1ª vez á Baia fiquei estufacta, so termos da Beira Baixa estavam ali ...Dei alguma ajuda ?
Um abraço
Olímpia
Eu ouvi o professor Malaca - pessoa gentilíssima, por sinal- bem antes de se assinar o acordo. Andava-se em conversações e, já na altura, discordei profundamente, talvez influenciada pela objecções da minha brilhante professora de Português. Como deves ter percebido, a minha repugnância tem raízes bem mais fundas no tempo.
Beijos
Viva, Quina
É verdade, Cabral era da terra de marranos e muitos judeus aproveitaram a possibilidade de negócio - e mais tarde de liberdade - que as terras descobertas poderiam permitir. Também tem razão quando afirma a presença de muitos regionalismos nossos no Português que, ainda hoje, se fala em terras brasileiras. Esses regionalismos, muitos deles, já são arcaísmos entre nós enquanto por lá continuam saudavelmente vivos.
Percebi que o seu "poreclamos" corresponde ao litúrgico "proclamas", ou seja: banhos. Eu compreendi a sua ideia - tornar público - mas esbarro na construção da frase:
se "pareclanos" for substantivo ou adjectivo, perde a concordância com o sujeito que é singular;
se "pareclanos" for verbo, estará a mais, porque logo a seguir vem outro verbo. Fica tudo muito estranho.
Mas bem-haja por ter pensado no assunto e por tentar lançar luz sobre esta minha confusão.
Beijos
Bom amiga eu não faço a mais pequena ideia do que queira dizer. Quanto ao livro, uma preciosidade.
Um abraço e uma boa semana
Elvira
Obrigada ela sua visita.
Quanto à palavra, parece que estamos todos no mesmo barco. O livrinho é uma ternura.
Beijos
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