quinta-feira, 7 de novembro de 2013

VIDAS DURAS

Estamos habituados a descrever as vidas dos nossos pais como vidas duras - que o foram, de facto. Hoje, no entanto, é de uma outra dureza que vos quero falar: aquela que nos prende todos os instantes do dia e da vida porque exige presença constante, atenção permanente, carinho incondicional e sem limites. Este assunto já foi abordado aqui, embora de forma genérica e a propósito do lançamento de um livro útil.

Faço questão de o visitar todos os anos. Falo do Evangelista (que todos conhecemos por "Carriço") que, de há uns anos a esta parte, sofre da terrível doença de Alzheimar. Está acamado, já não fala e é alimentado por uma sonda. É uma situação triste e dolorosa, talvez menos para ele do que para a família sobre cujos ombros recai o maior peso dos cuidados a dar. Poderá parecer-vos estranho aquilo que vou dizer, mas a verdade é que no fim de cada visita saio satisfeita, e saio satisfeita por causa daquilo que sempre vejo: o quarto a cheirar a limpo, a cama impecavelmente feita e o Evangelista com a barba feita a desvendar a pele macia e lisa de uma criança. 

Só aqueles que já viveram situações semelhantes são capazes de dar o devido valor a quem consegue tratar assim de um doente. É a Teresa, sua mulher (e minha prima), quem não descansa e vela para que nada lhe falte. Não tem horário de trabalho nem horas de descanso, conceitos que se perdem quando é preciso cuidar de quem precisa de nós para tudo, e precisa desse cuidado as 24 horas do dia. Felizmente, tem alguns apoios criados pelos serviços de saúde de Bragança e que prestam auxílio domiciliário às famílias e aos doentes que necessitam de cuidados continuados. Rezo aos Céus para que, apesar da crise, estes serviços não sejam atingidos porque a sua utilidade e necessidade são enormes.

Escrevo este texto fundamentada naquilo que vejo e num artigo da jornalista Glória Lopes que saiu no Mensageiro há já alguns meses. Quem o quiser ler pode fazê-lo a partir das imagens que reproduzo neste artigo. Vale mesmo a pena.


9 comentários:

Anónimo disse...

É verdade tudo o que dizes. O "Carriço", é com amizade que assim escrevo, pois foi assim que sempre o tratei. Eu sei bem o que é essa doença, não só como Psicólogo, mas porque durante doze anos tive a minha sogra padecendo desse mal, embora só tenha acamado no último ano. Era preciso um vigilância constante, pois foram várias as ocasiões que os meus vizinhos a trouxeram a casa, dado que ela fugia sem saber onde estava, mal nos apanhava distraídos.
Não conheço a esposa do Carriço, mas que Deus lhe dê forças para levar esse calvário.
Do conterrâneo
Filinto

Augusta disse...

Tens toda a razão em dizeres o que dizes acerca da Teresa. Ela é efetivamente uma MULHER com todas as letras maiúsculas. Seguramente sente na pele todos os efeitos negativos resultantes de horas, dias, meses e anos dedicados ao cuidado ao marido. Mas sei que para além disso, sente um orgulho bem grande pelo tipo de cuidado que presta e o sentimento de estar a cumprir bem a sua função.
Para ela toda a minha admiração e um grande beijo

antonio disse...

Fátima: Um artigo comovedor, apesar dos conhecimentos que todos possuíamos deste caso doloroso que a crueldade da vida escolheu para vitima (juntamente com os que não conhecemos)roubando-lhe todas as faculdades e prostrando os seus próximos familiares num pesadelo permanente, desde há tantos anos, pese a verdade eles não considerarem assim, sacrificando os seus próprios viveres em detrimento do amor profundo, dedicação incondicional, abnegação do que é mundano... é o pai... é o marido... foi, para mim, que o conheci tão bem, um extraordinário exemplo de lealdade, um grande homem, mas sobretudo, continua sendo um dos meus maiores amigos. Fere-me tanto vê-lo naquele estado que a coragem para o visitar mais vezes desvia-me covardemente da obrigação. Admito a minha fraqueza... as lágrimas não aliviam o seu estado nem o dos familiares aos quais deixo mais uma vez a minha consideração e respeito, pedindo a Deus que os ajude nesta árdua tarefa, e mais tarde sejam por alguém recompensados.
Bem-hajas Fátima por lhe teres dedicado um pedacinho deste espaço porque o EVANGELISTA merece. Fica um terno e grande abraço para ele e familiares. António Bras

Fátima Pereira Stocker disse...

Filinto

Diz bem: é um calvário que desgasta física e emocionalmente. Também conheço de perto a doença, que afectou minha mãe. E não sei o que é pior, se ver as pessoas transformarem-se em seres que não eram ou não saber se se dão conta disso e que sofram sem se poderem queixar.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

É verdade tudo quanto dizes. E não deve haver muitas pessoas que, como a Teresa, tenham mantido a dedicação durante tanto tempo. O desgaste físico e emocional é brutal.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Demorei muito tempo a escrever este artigo. Por um lado, parecia-me que a situação merecia referência mas, por outro, não me estava a ser fácil encontrar as palavras certas, aquelas que não diminuíssem a pessoa, pois bem basta o estado em que se encontra. Trata-se de duas pessoas a quem quero bem: uma que é minha prima e outra, o Evangelista, a quem conheço desde que nasci e de quem sou amiga. Obrigada, pois, por teres escrito aquilo que escreveste, dando-me conta de que fui pelo caminho certo.

Beijos

Anónimo disse...

NnNão costumo escrever nada neste espaço que adoro, mas agora não posso deixar de te agradecer minha estimada prima,por este espacinho que dedicaste a um filho de Rebordainhos que tanto amava a sua terra e que è o meu marido. Teve a pouca sorte de ser atingido por esta terrivel doença que ninguem lhe provocou mas que Deus lhe mando. Foi um terramoto que aconteceu na nossa vida deixando-nos impotentes sem saber o que fazer diante tamanha desgraça.Lutamos com todas as nossas forças para lhe proporcoinar o melhor conforto e que possa viver com um pouquinho de dignidade. Obrigaga Fatima, obrigada Augusta e obrigaga a todos que de um modo ou de outro se v ão lembrando do meu Evangelista. Falta-lhe a saude que nada posso fazer porque perdi essa batalha contra essa doença,mas amor carinho respeito isso garanto-vos que nunca lhe irão faltar. Faço-o com gosto e com muito amor e espero poder tratar dele muito tempo, não importa as noites sem dormir nem os susto que apanhamos mas sim ter o privilègio de o ter aqui como companheiro e os meus filhos terem ainda a quem chamar PAI... Beijinhos a todpos aqueles que temos e que contamos como amigos.

Fátima Pereira Stocker disse...

Teresa

O espaço foi dedicado ao Evangelista e a ti, que bem o mereces.

Lembro-me como se fosse hoje, daquela tarde em que chegaste a nossa casa, transtornada e disseste, enquanto olhavas para a minha mãe, em fase adiantada da doença: "O Evangelista também vai ficar assim..." Aos que estávamos presentes, caiu-nos a alma aos pés, embora para nenhum de nós fosse novidade o facto de esse mal também poder atingir gente nova. Mas é um mal tão mau que parece que custa mais a aceitar do que outros. O teu Carlos é bem o exemplo disso: as voltas que deu à procura de um tratamento que se recusava a aceitar que não existisse. E a quem cuida, apesar do enorme sacrifício, o que mais custa não são as forças a faltarem, é verificar que, apesar de toda a dedicação, a pessoa se vai deteriorando e fechando todas as janelinhas de comunicação com o mundo e que a vamos perdendo em vida. Porque sei muito bem aquilo por que estás a passar é que te sei dar o valor.

Beijos e coragem.

Olímpia disse...

Fátima,
tal como a ti, também a mim me faltam as palavras.
Recordo-me muito bem do dia em que a Teresa nos deu a notícia acerca do Evangelista.
A ela, peço-lhe que me desculpe por não ser muito assídua nas visitas aquela pessoa alegre e divertida que foi o seu marido. Mas, tal como ao António, é-me muito penoso.
E, como boa pessoa que sempre foi o Evangelista, Deus presenteou-o com a incansável e dedicada esposa e, com os maravilhosos filhos.
A todos, um abraço bem apertado

Olímpia