sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

AS NOSSAS PALAVRAS

sobre as casas

Lembram-se como eram muitas das nossas casas de infância? Um portento de organização, de carinho… e de desconforto. Mas como quem só conhece o pouco não sente a falta do muito, não dávamos por isso e éramos felizes.

As nossas casas variavam em número de pisos. Havia-as térreas, com dois, ou com três pisos. Nestas, ao piso principal – o espaço destinado às pessoas – chamávamos sobrado, e com toda a propriedade, porque era sobre um sobrado (ou soalho) de larguíssimas tábuas que se acomodava a família e a parca mobília. A cozinha era o coração da casa e tudo se organizava em função dela, ou melhor: em função do lume e do lançadouro.

Por sobre o sobrado, em algumas habitações erguia-seo terceiro. Que outro nome poderia ter, se era esse o seu lugar contando de baixo para cima? Era no terceiro que se arrumavam os carrelos do fumeiro, depois de curado, as castanhas já piladas, enfim, os produtos que convinha manter secos. Com o andar do tempo e a vontade de tornar as casas mais agasalhadas, o terceiro de muitas transformou-se no forro: as cozinhas ganharam chupão e a neve furaqueira deixou de nos cair em cima enquanto dormíamos.

No piso térreo, os nomes variavam segundo as funções. Havia a loje para os animais e havia o baixo para o armazenamento de algumas colheitas e para guardar os utensílios de trabalho. Em nenhum baixo faltava a salgadeira para a conserva do cevado.

O povo gosta das coisas explicadas e, se já chamava “baixo” a um espaço específico, que nome poderia dar a esse outro baixo, sob duas ou três casas, onde se vendia de tudo? Sòto, pois está claro, embora, como os romanos, lhe chamássemos também “taberna”.

Hoje deu-me para isto, talvez por saber que as mulheres têm estado a fazer o fumeiro da Associação.
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Nota: a fotografia é do meu primo João Manuel

11 comentários:

Américo Pereira disse...

Com tantas palavras sobre as casas
creio que não podemos dexar passar
a ocasião sem referir o escano que pertencia à lareira, em muitos
casos com mesa articulada. Também
falta a tulha onde se guadava não só a farinha como outros produtos já transformados como os rojões
em panalas de barro. O caniço, um
estrado que era colocado por cima
da lareira para as castanhas. Um
monte de palavras sem fim.

Lurdes disse...

Fátima, lindo texto gostei muito. Fizeste-me voltar à infância e recordar as casas dos meus avós... na casa dos meus avós maternos, havia um forno na cozinha ao lado da lareira era uma cozinha grande, como eu era pequena parecia-me ainda maior...
Na casa dos meus avós paternos a cozinha era mais pequena e tinha umas escadas que davam acesso aos quarto e à sala... guardo o cheiro a maçãs que se guardavam para o inverno.
Uma amiga que gosta muito de poesia partilhou hoje no facebook este poema que também fala da casa e que vou partilhar aqui.

Em todos os poemas há
a casa. Para que tudo possa começar
onde deve começar. No pátio
e na escaleira da entrada. Na porta
pintada de verde com o forro de zinco. Nos retratos
a sépia pendurados nas paredes
da sala. Na pedra da lareira. Nos corredores
a dar para a sombra dos quartos. Na varanda.
O mundo é uma repetida enunciação.

Depois vem a luz do verão. A luz intensa
que em vez das palavras
desloca os objectos. Uma travessa
de cerâmica. Um pote de ferro. O assador
das castanhas. A luz que fica agarrada aos vidros
das janelas. A luz que espalha nas traves do soalho
os losangos de haver muitas
afastadas vozes misturadas
às folhas dos álamos jovens.

E o inverno. Para que a tempestade
traga de longe o rumor do vento nos arames
das vinhas. Para que uma sombra possa repetir
todas as sombras
que o labirinto da idade abateu
sobre os corações desabitados.

Em todos os poemas há
a casa. Porque a casa é também o lugar
das viagens. Numa manhã dos meses de junho
alguém fala do tempo antigo das mulheres do rio
de janeiro como se a sede
pudesse matar-se com a água do cântaro
arrumado ao lado do escano.

Uma fotografia guardada num álbum
de fotografias. Numa das salas da casa.
Numa das gavetas da cómoda
que não sabemos se alguém
haverá de abrir. O poema. A desvalorizada moeda.
Onde havia uma casa
e o verão e o inverno
subiram um dia a escaleira de pedra.

José Carlos Barros

Rebordas disse...

Fátima, o que seria da vida dos "exilados" sem ti para trazer de volta à memória tantas "boas recordações"?
Obrigado por existires e que o "Lá de Cima" te mantenha viva com saúde e lúcida por muitos anos para continuares partilhando connosco todo esse tantão de cultura!
beijos

Augusta disse...

Belas recordações mas, relembro também o poleiro e a gateira das pitas. Também a porta de madeira que, habitualmente, era antecedida por um cancelo e nos quais também era comum a existência de um buraco no fundo (gateira?) para o gato poder entrar e sair sem ter de se lhe abrir a porta.
O terceiro, nem sempre cobria a casa toda e, em noites de neve "furaqueira", era comum cair-nos nas orelhas.
Sem dúvida, tempos difíceis, mas que tão boas lembranças nos trazem.
Beijos

Augusta disse...

Ainda cá volto.
Também a fotografia nos traz boas recordações. A casa dos nossos avós onde, quando a mãe ia a Bragança, nos deixava à guarda da tia Helena e onde tantas traquinices fizemos. Que o diga a Amélia e eu e, porque não, também a Olímpia (apesar de para ela as traquinices a que me refiro terem sido menos boas)

Fátima Pereira Stocker disse...

Sr. Américo

Parece que adivinhou o assunto de um artigo futuro que quero dedicar ao mobiliário. E ainda bem que o fez, porque já me não lembrava do caniço!

É verdade que neste artigo referi o lançadouro, mas foi somente para compor a referência à cozinha.

Voltarei, certamente, ao seu comentário quando quiser escrever o artigo que referi.

Beijos e obrigada

Fátima Pereira Stocker disse...

Lurdes

Obrigada pela partilha das tuas memórias. Também em casa de meus avós havia o forno...

A poesia que aqui deixaste é lindíssima e, mais do que de nostalgia, é de ternura que que fala.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Rebordas

Obrigada, eu, pela tua bondade.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Então não é que me esqueci do galinheiro?!!! Tenho que o incluir em artigo futuro, em que fale dos farragachos, tal como às escaleiras, ao cancelo e à porta com a sua gateira.

Beijos e obrigada

Anónimo disse...

Caros rebordainhenses,

Quando, despreocupadamente, andava nas minhas pesquisas para poder comentar apropriadamente o artigo “ Sobre as Casas”, de Fátima Stocker, também fui ao Google, e, mal digitei “Ruínas Rebodainhos”, fiquei azabumbado! A primeira(!!!) referência que a internet devolve é um comentário jocoso, por mim lavrado, embora sob a capa do anonimato, sobre as ruínas do Cabeço Cercado.
Vejam lá no que me fui meter! Agora, se um qualquer investigador de uma Sorbonne, em Paris, ou de uma Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul,… ou um qualquer rebordainhense ao acaso, dos muitos que se encontram espalhados por esse mundo fora, com saudades da sua linda terra, fizer a mesma pesquisa, vai imediatamente esbarrar na minha pequena sátira às Ruínas do Cercado Cabeço. Não sei como vou conseguir descalçar esta bota, mas se um programa informático da internet faz de mim, de uma forma automática, a maior luminária no campo das Ruínas do Cercado, o que, nos tempos que correm, quer dizer que sou, a nível mundial, a maior autoridade em cultura medieval rebordainhense, a culpa será de muita gente, mas minha não é!

Eu nunca visitei as Ruínas de Rebordainhos, mencionadas no hino da Associação Social, Recreativa e Cultural de Rebordainhos, nem fiz sobre as mesmas qualquer estudo ou investigação científica. Aliás, o zum-zum que me chega aos ouvidos sobre este assunto quando vou a Rebordainhos, leva-me a desconfiar que o pseudovalor histórico e turístico do sítio se deve aos mitos inventado na época áurea do salazarismo, quando qualquer pedra derrubada num ermo servia para promover o passado glorioso da Nação.
A ser verdadeira a minha suspeita, as competentes autoridades civis do concelho de Bragança fariam um bom serviço à União das Freguesias de Rebordainhos e Pombares se mandassem apagar o epíteto humilhante “RUÍNAS”, associado ao nome REBORDAINHOS, que, atualmente, qualquer turista pode ler na placa toponímica que, na estrada nacional 15, indica a direção da terra de que todos gostamos.

Com os melhores cumprimentos,

Dom Bonifácio

Fátima Pereira Stocker disse...

D. Bonifácio

Para chegarmos ao destino que pretendemos é forçoso que saibamos escolher o caminho. De tudo quanto li, e o senhor redigiu, sou obrigada a concluir que não alcançou o seu destino, porque não escreveu uma só palavra sobre o tema, que eram as casas de Rebordaínhos. Porque terá sido? Por escolha errada de caminho que, por ser errado, o não deixou achar nada sobre o assunto. Errado também, porque lhe pregou a rasteira que faz tombar os vaidosos: confrontou-o com o seu retrato (neste caso, o comentário que refere). Os vaidosos gostam tanto de se ver que se deslumbram com a própria imagem, aumentando o amor que nutrem por si próprios. Estou a referir-me - e já o deve ter percebido - à história mitológica de Narciso que a psiquiatria moderna aproveitou para dar nome a um aleijão do carácter, que é o narcisismo.

Efectivamente, o D. Bonifácio deslumbrou-se de tal modo consigo próprio, e com a sua obra, que, em vez de tecer uma frase sobre as nossas casas, tratou de anunciar urbi et orbi que aparece em primeiro lugar na pesquisa do Google. Há narcisistas que se não contentam com o aplauso de si próprios e precisam da ovação das multidões.

Escolheu mal o caminho, escolheu mal o destino e escolheu mal o pseudónimo. Caso não tenha reparado, estou a fazer um trocadilho (que estabelece uma antítese) com o significado do pseudónimo que arregimentou: Bonifácio, de "bonum fatum", significa "bom destino".

P.S. Quanto aos universitários, não se preocupe com eles: estão bem treinados a perceber o que são larotas.

Cumprimentos