Que o meu corpo se feche à capacidade de traduzir aquilo que me vai na mente é, talvez, o meu maior pesadelo:
Que os meus lábios deixem de ser capazes de reproduzir os sons certos das palavras, ou que profiram palavras sem nexo com o pensamento;
Que os meus olhos deixem de transmitir alegria ou tristeza, carinho ou raiva;
Que na minha fácies se não distinga a dor do bem-estar e que o meu gesto se torne brusco quando quer acariciar;
Que...
E eu por dentro - eu "em mim" - darei por isso?
As palavras dos outros soar-me-ão tão estranhas como as minhas a eles? Rir-me-ei deles como percebo, agora, que há quem se ria das frases disparatadas proferidas por quem já se encontra nesse estado (e Deus sabe que, às vezes, o riso é inevitável)?
Serei capaz de dar sentido ao sorriso e ao abraço?
Se eu não der por isso: criarei nova organização mental do mundo de modo a que me faça sentido, ou viverei perdida na incapacidade de comunicar? Que poderei sentir nesse caso? Que dimensão terão os dias?
E se eu der por isso; se se mantiver incólume a minha capacidade de entender os outros e só não for capaz de me fazer compreender?
Não consigo imaginar tormento maior que o de uma mente agrilhoada a um corpo que não a serve. Talvez seja por isso que são tão comuns os gestos violentos entre aqueles a que chamamos orates, doudos, malucos. Serão eles a tradução do desespero?
Miguel Ângelo, "escravo" - obra inacabada
1 comentário:
Penso que esse é o maior receio de todos nós. Minha mãe teve Alzheimer. Muitas vezes estava junto dela, mas ela estava perdida num qualquer mundo, e não havia como trazê-la de volta..
Um abraço
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