segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Inicio, com este artigo, uma série dedicada à alimentação, distinguindo entre os dias de festa e os dias de sempre. O calendário decidiu por qual começar. 


DIAS DE FESTA

1 - O ENTRUDO

(imagem retirada daqui)

Talvez fosse no Entrudo que se iniciasse a desinça do fumeiro, já curado e amanhado em carrelos embarrados num prego espetado no terceiro ou em qualquer parede da cozinha. Da salgadeira saía a orelha e a queixada do porco que eram cozidas com chouriças de boche e das outras, tudo a servir de acompanhamento a umas casulas macias. Os potes ficavam à roda do lume durante toda a manhã e as mulheres da casa iam-nos virando para que a cozedura fosse uniforme. Quando a fervura se levantava, os testos eram ligeiramente afastados e o interior da casa era inundado do perfume quente e salgado das coisas boas.
As casulas não integravam os hábitos alimentares de todas as famílias. Nessas casas, o feijão era substituído por arroz de qualquer coisa, normalmente de espigos, mas os enchidos, cozidos ou assados, lá estavam a servir de acompanhamento: chouriças e salpicão da língua.
Quem nunca conviveu com a privação não compreende o Entrudo e desgosta-se da festa. Nós, que percorremos uma infância de constantes vacas magras, sabemos, contudo, dar-lhe sentido e apreciar-lhe o sabor.
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Nota: para este artigo inspirei-me noutro que a minha irmã Augusta escreveu há já bastante tempo (ver aqui). Para poder prosseguir com este assunto preciso de ajuda, por isso, agradeço que, à medida que se forem lembrando, me vão dizendo. Não é preciso nenhum tratado, basta que me digam: não te esqueças disto ou daquilo.

8 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Muito interessante.
Um abraço e uma boa semana

Anónimo disse...

Fátima
Apesar de lhe chamares comida de pobre, as casulas, quando as apanho, continuam a ser para mim um pitéu. Agora desculpa a minha ignorância, a que chamas tu "salpicão da língua" ? Só conheço "salpicão".
Bjs
Eduarda

Anónimo disse...

E, com a entrada da abstinência na carne, lembro-me que nesta altura era usual comer Rabas com azeite.
Lembram-se?

Orlando Martins

Augusta disse...

Hoje as casulas com as carnes de porco são um prato muito apreciado aqui na região. As mais famosas são as que são acompanhadas com o butelo (inclusive existe a confraria do butelo). Este enchido não era habitual na nossa aldeia. Era mais comum nas aldeias da lombada, mas, hoje, com a globalização, já se fazem butelos em toda a região. As casulas, principalmente para quem é da aldeia, continuam a ser um rico repasto tanto neste dia de carnaval mas, acima de tudo, em dias de muito frio e, preferencialmente, com neve.
Orlando: Não me lembro de comer as rabas na quarta feira de cinzas. Lembro-me, isso sim, de as comer no Natal. Confesso que ainda hoje as como e, jantar de Natal sem as rabas não tem o mesmo sabor. Pelo menos para mim.
Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

Um beijo

Fátima Pereira Stocker disse...

Eduarda

Salpicão da língua é isso mesmo: feito da língua. Calculo que, porque tenha uma consistência própria, a língua cure em tempos diferentes, motivo pelo qual se não mistura com o lombo.

Às casulas também lhes chamo um figo.

Beijos e obrigada pela visita.

Fátima Pereira Stocker disse...

Orlando

Também me não lembro das rabas serem alimento da quaresma. Fico, contudo, com essa indicação para poder fazer o registo. Obrigada, pois, por teres respondido ao pedido que fiz - o único até agora.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Obrigada pela achega. Quando chegar à refeição de Natal não me vou esquecer das rabas - uma das coisas que, como sabes, não sou capaz de comer.

Beijos