“ - O rapaz já podia começar a
servir… Eu, com a idade dele, guardava cabras… Queres tu deixá-lo comigo? - propôs
o Lopo.
Não sei se alguém, alguma vez, terá feito esta pergunta à
tia Zulmira. Se sim, a resposta teria sido a de Mariana: “Há cada uma!”
- Deixá-lo?!
Pelo caminho fora a palavra soava-lhe como um zumbido atroz nos ouvidos
escandalizados.
- Deixá-lo!
Há cada uma! Ia agora deixar-lhe o menino!”
Miguel Torga, Mariana, in novos contos da montanha
Deve passar-se alguma coisa de muito especial na cabeça das
mães, para que sejam mais agarradas aos filhos do que a elas próprias. Parece
que lhes dói mais tocarem-lhes nos filhos do que terem o corpo coberto de
chagas e nunca sentem fome desde que os filhos estejam saciados. As mães só
sentem fome de terem os seus filhos – e de os terem consigo, sem precisarem de
mais ninguém.
Há mulheres
que são mães e que não prescindem de ser mulheres. Não sei se são heroínas, ou
vítimas do tempo em que nasceram. Sei, contudo, que são seres especiais a quem
Deus dotou da capacidade de, pelo seu agir, pôr à prova a nossa capacidade de
amar e de aceitar quem não trilha os mesmos caminhos que nós. Parafraseando
Jesus: a regra foi feita para o homem, não o homem para a regra!
Ela não o
saberia, nem cuidaria em tal, mas mulheres como a tia Zulmira foram precursoras da liberdade que hoje vivemos: rasgaram caminho a pulso, sentiram na pele o
aviltamento de uns, a vilania de outros, enfim, a perfídia de muitos, mas
sobreviveram, amparadas a si próprias; acolhidas por quem, sem vãs filosofias
nem entendimento errado da fé, sabe que o mais importante é o amor.
A tia Zulmira deixou-nos
durante este mês de Agosto. Partiu para o Céu tão lúcida como sempre viveu. Nosso
Senhor deve tê-la acolhido feliz, porque ama aqueles que souberam amar e
exercer a humana condição da liberdade.
Bem-haja, tia
Zulmira.