(Van Gogh)
Nem mesmo a teoria heliocêntrica de Nicolau
Copérnico veio alterar, naquela terra, o ciclo das colheitas. Depois da
acarreja, e decidindo-se a ordem de entrada das malhadeiras pelas eiras
cravejadas de medas, dava-se início às Malhas.
Para animar apregoava-se “à eira que o bacalhau
está na caldeira”. De todos os caminhos convergiam, uns mais lestos que outros,
aqueles que queriam a torna-jeira ou os que por afinidades ou favores lá tinham
que dar uma ajudinha.
Por vezes ouvia-se em surdina, “nesta só fico
até ao jantar (leia-se a parte da manhã) que a minha só dura meio-dia”. Mas no
final tudo acabava por se realizar.
Numa dessas Malhas, cuja meda invariavelmente de
forma rectangular, e que durava… durava… até o sol se deitar e por vezes
acabava-se no dia seguinte, era o caso da malha do “Santo”, à qual muita gente
torcia o nariz…, questionou-se seriamente Copérnico e a sua teoria do séc. XV.
Ainda ao raiar do sol, e depois do mata-bicho, o
Amador vira-se para o Fernando do tio Zé “Çuca” e diz-lhe – “Aguenta aqui no
carro e nos molhos, que eu vou descansar um pouco ali atrás do palheiro”.
As horas passaram e o Amador lá ficou,
sonhando…, quem sabe com o bacalhau, com azeitonas e com o pão molhado em
azeite… ou, por outras razões desconhecidas, o sono tinha-se tornado mais
pesado que o devido.
Já à tardinha, quando o sol se preparava para se
ir embora lá para os lados de Soutelo, e enquanto ainda espreitava através do
cume da serra, o Fernando lembrou-se de ir ver do Amador. Ainda ressonava.
“Amador… Amador… Acorde que em breve se faz noite”, e o Amador nada… “Amador, acorde”,
e elevava cada vez mais a voz.
O
Amador esfrega os olhos em sobressalto, abre as pálpebras pesadas da longa
soneca, olha em redor e murmura para o Fernando:
– “Fernando…, parece-me que o
sol hoje nasceu ao contrário, não te parece…?”
– “Oh Homem dum caraças,
está-se a pôr! Vamos embora antes que dêem por si!”
E assim, todas as tardes, tal como Copérnico
previra, o sol deitava-se para os lados da serra, … ainda hoje assim é.