sábado, 5 de novembro de 2016

CRÓNICA DESPORTIVA – O ANTIJOGO

Por: ORLANDO MARTINS

Após o jogo Sporting – Tondela, o treinador Jorge Jesus fez as declarações que passo a citar: 

“Não me quero agarrar muito ao antijogo jogo do Tondela. É um direito que lhe assiste. Em termos tátitos esteve bem, tirou 13 minutos ao jogo e o árbitro só deu seis e quando deu seis, dois deles lesionaram-se e tiraram à volta de dois minutos a esse tempo, e o árbitro não contabilizou isso. …” (Vejam só que dois minutos lesionaram-se, coitados dos minutos…). 

Conclusão: na realidade o árbitro apenas deu 4 (quatro minutos), seis do árbitro aos quais o Tondela tirou mais dois. 

O sol, vagaroso e escaldante, já tinha percorrido mais que três quartos da sua meia volta diária. Iam-se buscar as bacas ao lameiro, rachava-se alguma lenha e apanhavam-se uns guiços para o lume, enchiam-se os cântaros de água fresquinha na fonte grande, punha-se comida às galinhas e coelhos e toda a gente se preparava para o regresso a casa. 

A vida era dura e, depois de um dia a cavar batatas, ainda assim, para nós os putos da aldeia, era o momento esperado para o nosso momento desportivo. 

Das escadas da vizinha tia Alzira já o Tito me gritava: - Ó Relando, já não tens que ir regar batatas, or’ não? 

 Ele era assim, depois de um carólo de pão com presunto, mais gordo que magro, um bocado de chicha, que o presunto era para dias festivos, que estava no cimo da escaleira a estugar-me para o nosso jogo de bola. 

- Não, e hoje já não bou buscar o feixe de milho, porquê? – Respondia-lhe eu com a visão periférica colada à reacção da minha mãe, não estivesse ela já a adivinhar o jogo de bola na eira. 

- Sabes, o “Escacha” arranjou uma bola. 
- De borracha ou de plástico? – Perguntava-lhe. 
- Nã… Nã … de couro, já a incheu com a bomba da bicicleta do Zé Latoeiro, e botou-lhe um bocado de sola no pipo. Tem um gomo descosido mas está quase nova. Jogas? 
- O Xaninha tamém bai? 
 - Bai lá ter,… está a acabar de comer. 
- Atão já lá bou… 

O Chedre, que em termos desportivos dominava os infantis, dava a tática e ia desenhando a equipa. 

- O Amâncio fica à baliza… 
- Eh!... À baliza sou ou. – Atalhava o “Marreta” vendo o seu lugar costumeiro em perigo. 
- Hoje jogas à frente que eles bão pôr o “Calhilha” na baliza, e tu bais à minha frente para le dares uma biqueirada… 

O “Xaninha”, que estava concentrado na tática, remata: - Bô,… assim bem perdemos, eles são todos grandes,… já biste o Henrique, o Tonho, o Pintassilgo e se calhar ainda o “Triciclas”, e nós? Ficamos co Manel Braz, co Marinho da Celeste co Toninho da Margarida,… bem … bamos lebar poucas bamos…
- Cala-te, nós podemos escolher dois grandes para a nossa equipa ou então metemos mais um jogador que eles. 
- Quero ber. – Concluía o Xana. 

O “Triciclas”, com o subiote na mão, definia as equipas. – Damos-vos o “Pacheco” e o Carlitos e bós dais o “Rauta”… 
- Fosca-se…dás-me tamém o “Carriço”. – Negociava o “Chedre”. 
- Tá bem, lembra-te que já tens o “Chico” da “Tonheta”, mas na segunda parte bolta para a nossa equipa. – Concluía o Triciclas. 

Com as equipas formadas era urgente começar o jogo antes que o sol encobrisse a bola e as balizas com o seu manto negro, que, até ao lusco-fusco, era jogo garantido. 

- Atão é assim pessoal,.. Ei… Ei… Ó “Lhé”? Estás a ouvir? Atenção a todos, … muda-se de campo aos cinco e o jogo acaba aos dez, portanto o primeiro a marcar dez golos ganha, entendido malta? – Finalizava o “Triciclas”. 

 Já ninguém o ouvia,… a bola, desgraçada, pinchava de pé em pé até que um chuto mais certeiro a fazia passar entre o medeiro e o marco de pedra que definiam a baliza dos grandes… Era o 1-0 para os piquenos… E assim, golo a golo, canelada a canelada e vários gritos vernáculos pelo meio lá ia o resultado engordando até… 

 Até que chegava aos dez. Ninguém discutia, acabava o jogo, e muito mais aliviados e algumas abuchicadelas na poça da fonte do Espinheiro, íamos cear, que o caldo verde já devia estar na mesa. 

QUER A FIFA MELHOR FAIRPLAY QUE ESTE?

10 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Orlando

Estava a ler-te e a reconheceras as palavras e as conversas: sinal da veracidade da história que nos contas.

Obrigada pela ternura e pelo sorriso com que li tudo, do começo ao fim.

Beijos

Anónimo disse...

Aqui temos o futebol autêntico, com camaradagem sã e sem alcavalas, por baixo da mesa, para os árbitros. Hoje, a Fifa é um monopólio financeiro e os jogadores já não jogam por amor à camisola, limitando-se a vender o corpo aos grandes capitalistas concuspicentes. Isto só se pode resolver deitando mais dinheiro para cima do Ministério da Educação e Ciência (MEC).

Elvira Carvalho disse...

Excelente relato de outros tempos. Hoje as crianças não saem de casa, agarradas ao computador ou à TV.
Um abraço e bom fim-de-semana

Anónimo disse...

O outro anónimo tem um erro ortográfico em concupiscente. Ele disse-me que a culpa é do teclado antigo, mas eu, conhecendo-o como o conheço, acho que tem mais a ver com álcool etílico puro.

Chanesco disse...

Esta descrição, alterando apenas os nomes aos personagens e adaptando a linguagem circunstancial à nossa zona raiana, bem poderia ser, sem por nem tirar, o relato de uma jogatana de bola, em Toulões, na eira das Lameiras ou na cerca da escola.

Um abraço para Rebordainhos

Anónimo disse...

Ah! balente! Já tardabas com as tuas contas de antigamente. Eram mesmo assim as nossas futeboladas. A minha bota direita rebentaba sempre pela biqueira, à conta das pedras da eira do tiu Zé Çuca.
Hoje nem assino. Bê lá se atinas com este jogador. Dá-me ideia que ganhámos o jogo da foto contra a Casa do Pobo de Bregança com um golo do Carlitos Chiote.
Biste!?

Abração

Anónimo disse...

Olá adivinha...

Estou em branco, mas por exclusões... Serás o Manel?

Dá-me mais pistas.

Já agora, sabes quem era o "Bojardas" que rematava muito forte nessa eira?

Adivinha com adivinha se paga.

Um abraço

Relando

Rebordas disse...


Bons tempos que não voltam mais.
É muito bom ler estes relatos que já estão meio esquecidos num canto qualquer da memória.
Também eu, como a Fátima, me divirto solitário lendo e relendo e tentando reconhecer algumas das figuras da foto: Carlitos, António Brás, Zé Maria, Chedre e Armindo .sem dúvidas,já os outros... muitas.

Abraço
César

Anónimo disse...

Orlando:

Aí vai mais uma pista: o anónimo que escreveu em Rebordainhês é, eventualmente, aquele sujeito mais alto que está junto do Armindo Foguete, o nosso guarda-redes - se a memória desta vetustez não me falha, que as cãs e a falta delas já pesam.

Um abração

Olímpia disse...

Orlando,
mais uma vez nos recordas pequenos grandes episódios. Tão bem que o sabes fazer!

Bjinhos

Olímpia