Para
trás ficara a ceia – de bacalhau com pencas e rabas, tudo muito bem regado com
fios de azeite, encostado ao lume para descoalhar. Depois, filhós e rabanadas a
brilhar…
A
geada debruara o vidro da janela da cozinha e o gato Bernardo, que já entrara
pela gateira, aninhava-se ao meu colo. Chegara a vez de olhar os ovos que a
galinha chocava, aninhada no cesto debaixo do escano: encostados à luz da
candeia deixavam perceber o crescimento do embrião e a senhora, mãe, ia-nos
explicando tudo. Faltava pouco para os pintainhos nascerem e a senhora deixaria que cada uma de nós escolhesse um para ser o “seu”, para assumirmos com ele a
responsabilidade de colhermos as urtigas, amassarmos os farelos e dar-lhe de
comer enquanto ele não fosse capaz.
Nessa
noite não haveria velada, pois cada família estava em sua casa. Rezado o terço,
lembrava-nos que puséssemos os sapatinhos encostados ao lume e mandava-nos
dormir.
E
era com uma voz sussurrada, como se não quisesse assustar o Menino Jesus, que a
senhora nos despertava em chegando a meia-noite:
–
Acorda, que o Menino Jesus já veio. Anda, levanta-te para veres o que deixou
para ti!
E
nós levantávamo-nos, excitadas com a expectativa da surpresa. Eu dava-lhe a mão
– não sabia andar sem a sua mão arrochada à minha – e, depois de atravessarmos
a salinha, entrávamos na cozinha que parecia mais iluminada do que o prado no
Verão.
De
dentro do sapatinho tirávamos um rebuçado, uma laranja, ou qualquer outra
pequena coisa e ficávamos felizes. Os nossos risos enchiam a casa e era esse o
presente que o Menino Jesus lhe dava a si e ao pai. O brilho do vosso olhar
era o agradecimento mais terno que Ele escutava nessa noite. Também eu o via e
guardava-o.
Mãe,
venha despertar-me outra vez!
9 comentários:
O meu Natal também era assim: pobre, inocente e cheio de amor!
Feliz Natal!
Fátima:
Ainda te esqueceste do polvo de meia cura. Vinha numa cesta de verga redondinha e, habitualmente, era comprado com antecedência (obrigatória). Bem, aquelas "cantarolas" sabiam tão bem!.. No dia de consoada já não as tinha todas.
Bem, que azar o teu. És a única que não figura na fotografia. Atendendo a que a Olímpia ainda era bebé, ainda nem em potência existias.
Mas sim, gostei das tuas lembranças que são também as minhas. Até parece que as adivinhas. Fez hoje oito dias que, no café do Bino em conversa com a tia Julieta comparávamos o Natal da garotada de agora com o nosso Natal. Hoje as prendas já não são oferecidas pelo Menino Jesus. A uns é o pai natal e, imagina, a outros já nem sequer é o pai natal... é a popota!!! (esta é da filha de uma ex aluna minha).
Quem nos dera que os nossos pais nos continuassem a acordar.
Beijos
Fátima
Este é o Natal que também eu conheci.
As prendas ainda eram trazidas pelo Menino Jesus e o presépio não ficava na sombra do pinheiro natalício, as a felicidade da ganapada era a mesma.
Boas Festas para si
e para todos os que habitualmente por aqui passam
Obrigada Fátima.
Era tão bom quando a nossa mãe nos acordava para vermos a neve que caira durante a noite! E quando ela nos acordava para vermos as prendas que o Menino Jesus nos deixava no sapatinho? Essas prendas eram mais pequeninas mas mais sentidas e mais queridas.
Como eu gosto do Natal! Sabores, cheiros, prazer nos rostos de todos.
E a missa do galo? Essa, esperava-nos na escuridão da noite e ninguém se queixava do frio.
O nosso presépio, era sempre feito na salinha, por baixo dum pinheiro enorme e sobre musgo lindíssimo.
Todos os dias agradeço aos nossos pais por nos terem proporcionado uma infância tão feliz. Lembro com saudade essas tão belas e carinhosas recordações.
Bjos
Olímpia
Um Natal de outros tempos. Quando no Natal se festejava o Menino Jesus, e não o Pai Natal. Quando ficávamos felizes, com dois figos secos e dois ou três rebuçados, e ninguém fazia birra porque o telemóvel, ou a tablet que ganhou não é Topo de gama.
Um abraço e um Santo Natal.
Um Feliz Natal para todos...
Quando um homem quiser o Natal é sempre lindo...
Abraços a todos
Orlando Martins
Um FELIZ NATAL para todos.
Hoje o Natal é diferente, consumo,luzes... a luz nos nossos tempos de meninice era a do luar.
O ano passado passei a Noite de Consoada com a minha família num grupo dos sem-abrigo no Porto, num total de 60 pessoas. Foi o ano em que o bacalhau me soube melhor porque não o provei, mas servi muitos sem-abrigo... Como ficaram radiantes aqueles que há muitos anos não tinham aquela ceia e no fim um sem-abrigo fez-me um pedido: "dê-me aquelas velas que estão acesas". Fiquei sem saber o que responder até que um seu conhecido me segredou: "ele vive num barraco, sem luz".
Afinal agora as luzes também fazem parte do Natal.
Um melhor Natal para os sem-abrigo de 2016.
Filinto
Venho aqui num instantinho agradecer e desejar as boas-festas a todos.
Um feliz 2017 recheado de alegria e esperança para todos.
Eduarda
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