Fizeram-me
nascer aqui e guardo esta paisagem desde que a Terra tem memória. Comecei
por vê-la tão nua que avistava todas as minhas irmãs em redor – quebradas como
eu, em consequência da lentidão do parto. Os homens chamam diáclases a essas
fendas que a diferença de pressão fez abrir no todo maciço que era cada uma de
nós, quando existíamos apenas nas entranhas de Plutão.
Embora
não pareça, modifico-me a cada dia que passa:
Aqueles
vales, agora tão férteis, são partes de mim, arrastadas pela chuva que
dissolveu a mica e o feldspato, transformando-os em minerais de argila. Estas
areias grossas que me cercam e onde começam a nascer giestas são o quartzo
que, não se dissolvendo, fica solto e desprende-se de mim. Os líquenes também
cumprem a sua parte, mas gosto deles, porque me acariciam.
O
rosto da terra que avisto acompanhou a minha transformação. Vi surgir as
primeiras árvores e acompanhei a formação das matas. Lentamente, o espaço
arborizado encheu-se de vida animal: primeiro aves e pequenos herbívoros; só
depois vieram os carnívoros, chamados pela abundância de alimento. Por fim, chegou
o Homem.
Quando
vi pela primeira vez aquelas criaturas frágeis e destituídas de dotes próprios
de sobrevivência, convenci-me que resistiriam pouco tempo. Em comparação com os
outros animais, os recém-chegados nada tinham que os favorecesse: sem garras
nem dentes afiados, desprovidos de revestimento quente e com o seu andar mal
amanhado, somente sobre dois pés, rapidamente seriam presa de ursos e de lobos.
Enganei-me,
porém! O ser humano tomou conta da paisagem. Primeiro, alimentava-se daquilo
que caçava; depois, desmatou a terra e, não sei com que magia, começou a
semeá-la e a colher dela tudo quanto precisava. Também chamou a si alguns
animais, fazendo-se guardador deles em troca de alimento e trabalho. Talvez tenham nascido aí certas inimizades.
Desconheço
os motivos, mas desde que aqui chegaram, os humanos sempre me olharam com
respeito e admiração. Imaginaram histórias comigo e sobre mim que transmitiram
de geração em geração; houve quem fizesse de mim solo sagrado e há, ainda, quem venha visitar-me sempre, só para conversar comigo e aconchegar-se a mim. Quem
assim procede sente que chegou a casa, logo que, roída de saudades, me avista
na curva da estrada. Só eu sei como sossegá-la.
O
título desta mensagem é um verso feliz de António Gedeão. Escolhi-o como forma
de dizer que este foi o último artigo que escrevi para o blog.
O
meu BEM-HAJA ao António Fernandes, ao Orlando e ao Filinto que me ajudaram a fazer deste espaço um lugar de elevação.
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