domingo, 2 de agosto de 2009

Existencialismo

Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência”.

Sigmund Freud, in 'As Palavras de Freud'







EXISTENCIALISMO


Tem…
A rua tem carros que passam
Ronronam,
Apitam,
Carros que vêm e vão.

Tem…
O passeio,
As pessoas que se cruzam,
Talvez todos os dias,
E desconhecem.

Tem paralelos…
Tem a ideia rua e
É rua…

Tem a humidade e o frio
Dos corações quentes e secos
Das pessoas que a calcetam

Elas são os paralelos,
Secos e alinhados,
Talvez somados,
Divididos
E encostados
Que são a rua?

E são os corações
Somados,

Divididos,
Corações encostados
Que fazem a rua?

Sem Olá
Sem Bom-Dia
Sem o calor dos homens
Que pastam,
Mesmo que passem,
Nos paralelos
Que a rua tem…

Hoje
A rua tem,
Amanhã terá
Ontem teve
O ser…
Como eu o tenho, e sou a rua…
Mas eu não passo na rua
No entanto, estou na rua,
E a janela tem vidros.

Tudo é mentira,
A rua não tem paralelos,
Não tem passeios,
Não tem pessoas…

A rua são,
Os paralelos,
Os passeios,
E as pessoas.

Eu também sou rua.

Viro-me.
Deixo a janela.

Os carros passam,
Mas já não são carros,
São o fundo
Do barulho
Do tagarelar
Da máquina de escrever que está na secretária.

A rua está longe, muito longe…
Talvez Além Mar
Para onde o mano mais velho
Lembra… (Talvez lembre),
O amor que tem.

O carro apita,
A campainha toca.
Fim de frase,

Ponto,

Nova linha,

Espaço… (rua)

Outra linha;

Não há linha.
Que treta é essa, sou eu a escrever…



Pronto,
Dobra,
Envelope,
Correio,


Volto a casa.

Eu levei a carta
E giro o puxador da porta.

Falhou a água quente
Aii!!!
(Que frio) !!! A rua,
Estou a tomar banho,

Oh mulher,
Podes chegar-me a toalha.


(Orlando Martins – 1997)

16 comentários:

Olímpia disse...

Orlando,
Este teu poema, fez-me lembrar a prosa de Lobo Antunes.A partir duma palavra, divagaste.Não de qualquer maneira,mas sim através do emparelhamento ritmado de palavras,sons,sentimentos...
É sabido que a matéria prima do poeta é a palavra e, através dela,sugere-nos emoções, ideias, pensamentos.
O poeta diz-nos algo que ninguém ainda disse, mas que não é novo para nós.Tu, fazes isso muito bem.
Bem-hajas
beijos
Olímpia

Olímpia disse...

Orlando,
Optei por publicar este teu poema. Confesso que de todos os que me deste a conhecer,este é o meu preferido.
É um poema muito ritmado onde o ritmo nos é sugerido de diversas maneiras (as ruas calcetadas, o cruzar das pessoas na rua,o apitar dos carros, o alinhamento dos paralelos,a máquina de escrever, a campaínha, a organização do próprio texto).
No emparelhar das tuas ideias, retive aquela em que as pessoas, apesar de se cruzarem diariamente na rua, não se cumprimentam.E , no meio de todo aquele movimento que sugere vida,nós limitamos-nos a passar ao lado uns dos outros,quase amorfos ou simplesmente entregues aos nossos pensamentos.É o mal das grandes cidades.
Bjos
Olímpia

Manuel Pereira disse...

Lindo!!! A palavra, o sentir, a escência do ser, da existência no espaço. Continua a deleitar-nos com a tua poesia; Resta-me dizer grande poeta espero que continues a surpreêder-nos com mais coisas belas.
Aquele abraço ternurento: Manuel
P.S. A visita fá-la quando quiseres, o meu horário de Ter. a Sáb. é das 17.30h às 01.30h mas nunca saio antes das 03.00H

Anónimo disse...

Obrigado a vós.

Apenas quis tagarelar.

Manel, lembras?

A Olímpia pode ir também e beber meio "Constantino"?

Ou apenas 1/4?

Beijos e abaraços

Orlando Martins

Anónimo disse...

Desculpem...

Mas a fotografia deixou-me sem palavras, quem foi a fada?

Orlando

Anónimo disse...

Desculpem...

Mas a fotografia deixou-me sem palavras, quem foi a fada?

Orlando

Manuel Pereira disse...

Orlando;
A minha memória já não é o que era, mas lembro concerteza, podes levar quem quiseres e a Olímpia será sempre bem vinda,é sempre um prazer rever-vos, podem beber o que quiserem, 1/2 1/4 ou um barril é igual o importante não é o que se bebe mas sim a vosso afecto, fico aguardando. Como dizia o Zeca, tragam mais um.
Bjos e abraços. Manuel

Olímpia disse...

A pedido do Orlando, venho responder que a "fada" (que nome bonito e sugestivo) responsável pela escolha e edição da fotografia enquadrada no seu belíssimo poemo, fui eu.Pois é, essa responsabilidade foi toda minha, sem ter pedido qualquer socorro a alguma das manas.
Considerei que esta imagem sem palavras, dizia quase tudo o que ele dizia por palavras.
Fiz a procura no google. Esta foto foi a 2ª encontrada e, apesar das muitas observadas, foi a minha preferida.
Ainda bem que te agradou.
Aceito o desafio deixado por ti e pelo Manuel (já não é a primeira vez...)
Vou na terça-feira para cima.
Manuel, quando entras de férias?
Bjos
Olímpia

Olímpia disse...

Orlando,
Optei por publicar já este teu poema, com receio de não o conseguir de Rebordaínhos.
Julgo que não levaste a mal.
Bjos
Olímpia

Manuel Pereira disse...

Boa tarde:
Vou responder à Olimpia, em relação a férias já não tenho direito a isso por este ano, vim de lá cima à dias, comecei a trabalhar na semana passada.
Quanto à net eu conseguia aceder a ela em Rebordaínhos jto. à porta da minha irmã Júlia na Cabecinha.
Bjos. Manuel

Anónimo disse...

Orlando: como sabes, estava no Minho, e ainda não tinha espreitado para o Blog, que aliás faço com regularidade. Esta é a razão pela qual não te felicitei, há horas, mas, foço-o agora com grande prazer, e enorme satisfação. Apesar de nos teres acostumado ao bom, esperamos de ti sempre melhor, e o resultado é a prova viva do potencial talento, reconhecido e confirmado.Como te foi possível verificar,reconheço-te a voz para além dos poemas. Obrigadissímo pelas duas coisas. Recebe um grande abraço do amigo: António Brás Pereira

Anónimo disse...

Tonho,
prefiro sempre que me reconheças a voz... sempre amiga, sobretudo de ti que foste um grande companheiro.

Obrigado por tudo.

Orlando Martins

Anónimo disse...

Orlando
(permita-me que lhe chame assim)
Em boa hora chegam estes seus belíssimos poemas.
Parafraseando Chanesco, "à semelhança da água, a palavra não tem forma fixa,molda-se à sensibilidade do poeta".Você, é sensível e conhecedor.
Não tenho o seu dom da escrita mas sei reconhecer quando ela é boa. O Sr, sabe fazê-lo tão bem como os melhores.Continue.
Aproveito para dar igualmente os parabéns à Srª Olímpia pela sensibilidade na escolha da fotografia (provou ter captado bem a mensagem do poema)e para lhe dizer que aprecio muito os seus comentários e que me deu muito prazer a leitura de alguns textos que escreveu neste blog ( apesar de não constar nas etiquetas).
Este blog está a tornar-se um vício que não dispenso de consultar com regularidade.
Abençoada terra que deu semelhantes frutos!
Continuem
Cumprimentos
Marcos

Augusta disse...

Orlando:
Puxa! desta vez estou em atraso!
Mais um belíssimo poema. Em boa hora regressaste! E que belíssimo retrato fazes do frenesim das grandes cidades. Fotografaste com um amáquina de não sei quantos píxeis (é assim que se escreve?), as pessoas que, absortas nos seus pensamentos, estão cegas para o ambiente circundante... Olham os outros com quem se cruzam diariamente, sem as verem efectivamente. E, tal como referes no final, ao fim do dia, encontram-se em casa, num individualismo atroz (ou solidão?), apesar dos milhares de pessoas que os rodeiam!
Beijos, e olha que há dias não respondeste ao meu telefonema...

Fátima Pereira Stocker disse...

Orlando

Vês? 'O ser humano está condenado a ser livre'. Livre, também, para querer ser um dos calceteiros das ruas e dos passeios transmutado em poeta ou/e filósofo (afinal, rasgar vias na cidade é tão importante como estruturar as vias do pensamento).

Cá para mim, o mundo faria muito mais sentido se Nietzsche não tem matado Deus...

Depois do cá para mim, um cá para nós: Freud teria feito bem melhor se se tivesse quedado pela emulação dos poetas e romancistas.

Regresso ao teu poema (ai esta dor de cabeça que me não deixa arrumar as ideis!)para notar o modo belíssimo com que abordaste o tema do absurdo. Deu-me vontade de concluir parafraseando e contrariando Sartre: o absurdo somos nós.

Um grande beijo, na certeza de voltar a ler mais poemas teus da envergadura deste.

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Fizeste muito bem em publicar o poema do Orlando. Nós todos agradecemos.

O Orlando já te chamou fada. Eu dou-te os parabéns pela escolha da imagem.

Beijos