Estava tão linda a nossa ribeira nesta Páscoa! Já lá não ia desde que, na infância, o bom P.e Caminha se dispunha a acompanhar a garotada em passeios que nos levavam até onde os nossos passos fossem capazes de alcançar. As saudades que tinha!
A caminhada fazia-se ao ritmo do vagar e, enquanto andávamos, carregando o saquitelo da merenda, o P.e Caminha convidava-nos a atentar na dimensão da paisagem, na largueza dos horizontes ou na maravilha das coisas pequenas. Flores e pedras, desenhos da água nas agueiras, o voo das aves ou os seus ninhos, tudo era saborosamente observado e registado no lugar das coisas belas. Aprendíamos, assim, que Deus não era só “majestade”, antes, se revelava próximo e amoroso em cada pormenor que íamos descobrindo. Só os grandes mestres sabem ensinar assim!
Ele não ia com a lição preparada mas sabia como tirar partido de qualquer observação nossa para nos ajudar a ver atentamente, levando-nos a descobrir o que está para além das aparências ou de um exame superficial. Isto passava-se assim nos dias em que nos apetecia aprender, mas havia outros em que, se queríamos cantar e dançar, era isso que fazíamos, certos da sua benevolência. Quantas vezes ficou ele no meio da roda a servir de “farfalhão”?! Entra o farfalhão ao meio, grande data vai levar… Hoje sorrio-me perante o inaudito da situação. Há quarenta anos, no entanto, àquele bom homem não pareceu demérito participar em brincadeiras infantis que os moralistas de hoje considerariam desadequadas à condição de sacerdote. Deus lhe pague pelo desassombro, pela cabeça lavada e pelo coração puro.
Perguntava-nos sempre: Então, hoje, para onde quereis ir? E lá seguíamos à nossa vontade, acompanhados dessa figura de batina e cabeção a quem as nossas mães nos confiavam, agradecidas pelo desvelo. Voz branda, gesto meigo, sorriso terno. Nunca o vi de outro modo, nem o recordo sem ser assim e eram esses os atributos que faziam com que a garotada o seguisse entusiasmada e fruísse do prazer de aprender, sem se dar conta de que o fazia. Seguíamos os caminhos até onde eles levavam, mas também nos embrenhávamos pelas touças se a nossa curiosidade o requeresse. Os passeios com o P.e Caminha serviam, assim, de contrapeso às histórias assustadoras de lobos e feras, escutadas durante os serões das noites compridas de Inverno que nos ensinavam a ter medo da floresta e dos seres que nela habitam.
Um desses passeios foi até à ribeira. Era Verão e o povo consumia o corpo na tarefa árdua das segadas e acarrejas. “Comerás o pão com o suor do teu rosto” foi a citação genesíaca escolhida e explicada como a forma que Deus tem de dizer ao Homem que nada lhe vem sem trabalho e cansaço, quantas vezes com sofrimento. Hoje, sei que foi destas conversas com o P.e Caminha que nasceu em mim a certeza de que a obra divina se completa pela labuta dos Homens. Só espero não estar a ser infiel ao mestre.
A caminhada fazia-se ao ritmo do vagar e, enquanto andávamos, carregando o saquitelo da merenda, o P.e Caminha convidava-nos a atentar na dimensão da paisagem, na largueza dos horizontes ou na maravilha das coisas pequenas. Flores e pedras, desenhos da água nas agueiras, o voo das aves ou os seus ninhos, tudo era saborosamente observado e registado no lugar das coisas belas. Aprendíamos, assim, que Deus não era só “majestade”, antes, se revelava próximo e amoroso em cada pormenor que íamos descobrindo. Só os grandes mestres sabem ensinar assim!
Ele não ia com a lição preparada mas sabia como tirar partido de qualquer observação nossa para nos ajudar a ver atentamente, levando-nos a descobrir o que está para além das aparências ou de um exame superficial. Isto passava-se assim nos dias em que nos apetecia aprender, mas havia outros em que, se queríamos cantar e dançar, era isso que fazíamos, certos da sua benevolência. Quantas vezes ficou ele no meio da roda a servir de “farfalhão”?! Entra o farfalhão ao meio, grande data vai levar… Hoje sorrio-me perante o inaudito da situação. Há quarenta anos, no entanto, àquele bom homem não pareceu demérito participar em brincadeiras infantis que os moralistas de hoje considerariam desadequadas à condição de sacerdote. Deus lhe pague pelo desassombro, pela cabeça lavada e pelo coração puro.
Perguntava-nos sempre: Então, hoje, para onde quereis ir? E lá seguíamos à nossa vontade, acompanhados dessa figura de batina e cabeção a quem as nossas mães nos confiavam, agradecidas pelo desvelo. Voz branda, gesto meigo, sorriso terno. Nunca o vi de outro modo, nem o recordo sem ser assim e eram esses os atributos que faziam com que a garotada o seguisse entusiasmada e fruísse do prazer de aprender, sem se dar conta de que o fazia. Seguíamos os caminhos até onde eles levavam, mas também nos embrenhávamos pelas touças se a nossa curiosidade o requeresse. Os passeios com o P.e Caminha serviam, assim, de contrapeso às histórias assustadoras de lobos e feras, escutadas durante os serões das noites compridas de Inverno que nos ensinavam a ter medo da floresta e dos seres que nela habitam.
Um desses passeios foi até à ribeira. Era Verão e o povo consumia o corpo na tarefa árdua das segadas e acarrejas. “Comerás o pão com o suor do teu rosto” foi a citação genesíaca escolhida e explicada como a forma que Deus tem de dizer ao Homem que nada lhe vem sem trabalho e cansaço, quantas vezes com sofrimento. Hoje, sei que foi destas conversas com o P.e Caminha que nasceu em mim a certeza de que a obra divina se completa pela labuta dos Homens. Só espero não estar a ser infiel ao mestre.
12 comentários:
A verdade é que a Igreja, é algo muito superior, aos pecados de alguns dos seus seguidores.
Eduarda
Fátima:
Este teu belo texto, fez-me ter inveja por não ter tido o previlégio de tão agradáveis passeios.
Do Sr. Pdre Caminha, lembro a sua serenidade e um homem de poucas falas.
Concordo contigo: neste momento,apesar da mágua por alguns maus servidores de Deus, há que lembrar aqueles de conduta recta e que nos ajudaram a crescer.
Bjos
Olímpia
Olá Fátima:
Que texto mais lindo que tu escreveste sobre essa nobre e bela alma que foi o nosso "tio Padre" como lhe chamávamos! Eu bem que tentei seguir-lhe os passos mas não tive fôlego para tanto.
Obrigado não só pela homenagem prestada a esse tão grande quanto modesto homem, como também pela quantidade de poesia que consegues transmitir-nos. E ainda pela mensagem de esperança na bondade dos homens, quando tantos, armados em moralistas de plantão, tentam afogar ma prevaricação de uns poucos a magnitude das obras de tantos outros que sabem fazer das suas vidas um monumento de altruísmo e dedicação a causas nobres.
António
Peço desculpa pelo acidente, mas não consegui introduzir o meu comentário senão como anónimo.
António
Olá, Dadinha, sê bem regressada!
às tuas palavras eu só acrescento: graças a Deus que assim é!
Beijos
Olímpia
Não sabes o que perdeste!
Beijos
Tonho
Obrigada!
O P.e Caminha merecia que se dissesse dele muito mais do que aquilo que eu pude escrever, fruto de recordações gratas, mas escasso para se traçar o retrato da pessoa que ele foi. Espero que alguém que o tenha conhecido melhor possa, um dia, contar-nos mais.
Beijos
Tonho
Muito obrigada por me teres enviado a fotografia do Sr. P.e Caminha. É um modo de matar saudades.
Beijos
Minha caríssima Fatima
Esteja onde estiver, "mestre" Caminha estará certamente orgulhoso dos discipulos que deixou em Rebordaínhos.
Quanto à situação vivida neste momento pelos homens da igreja, é a velha questão dos justos que são enrodilhados no tufão das noticias, desencadeado pela depressão de um pecador.
Um abraço.
Fátima
Lindíssimo texto de homenagem a uma pessoa que foi um grande exemplo de simplicidade e de bondade. O Sr. Padre Caminha!. O que mais se pode dizer de uma pessoa que era perfeita? Conhecê-lo de perto, foi um privilégio.
Obrigada a ti, Fátima por esta publicação.
Bjs
Céu
Meu caro Chanesco
Infelizmente, é assim em tudo, o justo a pagar pelo pecador.
Um grande abraço
Céu
É verdade, tu conviveste bem de perto com ele. Não queres tu ir reunindo as tuas memórias e partilhá-las connosco?
Beijos
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