A sua origem perde-se nos tempos. Há quem o afirme celta e há quem lhe atribua filiação romana. Ninguém duvida, no entanto, que o careto é uma figura pagã que foi cristianizada.
Os caretos - figuras maiores das festas dos rapazes - existem por todo o Nordeste transmontano e estão associados a diferentes festas litúrgicas, segundo as preferências de cada aldeia. Para nós, é o dia de Reis.
Os caretos - figuras maiores das festas dos rapazes - existem por todo o Nordeste transmontano e estão associados a diferentes festas litúrgicas, segundo as preferências de cada aldeia. Para nós, é o dia de Reis.
Em Rebordaínhos, a festa é organizada pelo mordomo das Almas que oferece lauto mata-bicho ao careto e aos cantadores. Depois, dirigem-se todos ao adro da igreja onde, fente à porta principal, cantam e rezam. De seguida iniciam o périplo pelas povoações que compõem a freguesia: Arufe, quinta de Vila Boa, Pereiros, Vales (ainda lá vão?) e, naturalmente, Rebordaínhos. Era uma canseira, nos tempos em que todas as casas eram habitadas e o percurso se fazia, integralmente, a pé.
As famílias aguardam em suas casas pela visita. Os cantadores, que se não intimidam com o frio, puxam pelas vozes e entoam alguns versos (ver aqui). Finda a cantoria, o mordomo recolhe a esmola que lhe é dada. Em casas de luto, em vez de se cantar, oferece-se uma oração por alma de quem partiu.
Que faz o careto? Vestido com fato garrido, costurado de uma colcha velha e debruado com franjas de lã, traz chocalhos à cinta, que sacode o mais que pode para se fazer ouvir bem. Numa mão transporta uma maçã onde vai cravando as moedas que as pessoas lhe dão, ao pedido de "ũa c'roinha! ũa c'roinha!" Na outra mão transporta uma foice. Chocalhos e foice são as armas que usa para se meter com as raparigas, que fogem dele a sete pés. Traz a cara tapada por uma máscara que lhe acentua o aspecto diabólico.
Além de chocalhar as raparigas, o careto é um atrevido, capaz de entrar em qualquer casa e, com a foice, roubar algumas chouriças e salpicões do fumeiro.
Com o fato vestido, o rapaz transformava-se na própria personagem do careto. É por isso que nunca mostrava a cara pois acreditava-se que se o fizesse e morresse, iria direitinho para o inferno, sem possibilidade de redenção.
A figura do careto é composta de diversos símbolos, a maioria deles associados ao diabo: o fato e a máscara de cor vermelha, os chocalhos e também a maçã, aquela que Eva comeu, induzida pela serpente. Mas o careto ainda transporta uma foice que todos relacionamos com a ideia de morte. Representará a morte da natureza presente no calendário cíclico de eterno retorno que os celtas celebravam? Não sei e ninguém o pode afirmar, mas tenho a certeza de que, através desta festa, estabelecemos uma ligação entre o mundo dos vivos e o mundo das almas - afinal, o mundo futuro de todos nós.
8 comentários:
Olá Fátima , conheci os caretos através da minha cunhada . É uma tradição muito interessante e , parece-me , até única dessa regiâo do Nordeste português e espanhol . Ainda bem que se conservou . Creio , na minha simples opinião , que deve ser anterior à romanização
Um abraço
Quina
Boa noite,
Bonito texto sobre o careto, que é uma marca da nossa região, assim como os nossos Reis são (penso eu) uma marca de Rebordainhos!
Aqui, podemos ver/ler sobre Rebordainhos. Para os que estão longe, abre-se uma janela para saciar saudades. Outros podem rever. Quem de fora é, tem oportunidade de conhecer!
Só coisas boas que este espaço nos trás.
As fotografias infelizmente devido à minha falta de tempo aliado ao seu relativo grande tamanho, apenas foram agora enviadas... Peço desculpa aos leitores, que querendo vê-las, não tenham tido oportunidade antes.
Rui
Olá
Fátima, explica-me lá uma coisa que não percebi;
o rapto das "tchouriças" é só por atrevimento?
Se assim é, vou contratar um.
Um beijo e obrigada pela forma como nos mostras as tradições.
Eduarda
Quina
Também eu penso assim. Quem filia os caretos nas festividades romanas associa-os às saturnais e isso parece-me errado porque, sem sombra de dúvida, as saturnais transformaram-se no entrudo. Mas não podia deixar de dar a informação.
É tradição que, como muito bem diz, só se encontra em Trás-os-Montes e nas regiões espanholas próximas. Muitas aldeias têm diversos caretos, mas em Rebordaínhos só temos um.
Beijos
Rui
Tu tens que receber um agradecimento expresso, não tens que pedir desculpas!
Fizeste um trabalho magnífico que muito me aliviou a ferida da saudade. Bem-hajas, pois, por mim e por todos quantos, embora o não digam, sentem o mesmo!
Um grande beijo
Eduarda
Com efeito, é grande atrevimento, embora poucos levem a mal. Acredito, até, que o careto só o fazia em duas circunstãncias: quando tinha grande confiança com a família (embora a família não soubesse quem era o dito cujo) ou quando, tratando-se de família abastada, costumasse dar esmola de pouca monta! Tenho a certeza de que o meu irmão Pedro foi autor de alguns desvios no fumeiro lá de casa...Se o contratares, é capaz de te não dizer que não!
Beijos
Interessantissimo.
Anónimo
Se se refere à tradição, concordo consigo (sem falsas modéstias e sendo juíz em causa própria). Se se refere ao artigo, agradeço-lhe a simpatia.
Cumprimentos
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