sábado, 5 de maio de 2012

FEIRA DAS CANTARINHAS

Este artigo só servirá, provavelmente, para que quem está longe possa matar saudades. Acredito, no entanto, que vale a pena.

De há vinte e cinco anos a esta parte, à feira das cantarinhas associou-se a do artesanato, pelo que o tempo da feira já se não limita aos dias 2 e 3 de Maio. O Sapo publicou um vídeo que nos dá essa e várias outras informações (tentei incluí-lo aqui, mas por algum motivo não permite a leitura a partir do blog. Quem tiver interesse em vê-lo pode seguir a ligação, clicando no sublinhado)


Porque me lembro bem da sensação de esperar pelo regresso da mãe, não resisto a transcrever parte de um texto assinado pelo Sr. Padre Belarmino e colocado no portal do distrito de Bragança. Quem tiver curiosidade pode consultar todo o texto seguindo o link.

A Feira das Cantarinhas constituía uma celebração festiva. De véspera, à noite, preparavam-se os alforges com os produtos que se mercadejavam na feira: gradura, batatas. Tudo se acomodava de modo que sobrasse um pequeno espaço onde cabia também a ração dos animais. Enfeitadas iam também as albardas. Uma colcha de lá vermelha eu branca, tecida no tear da casa, enfeitava a burricada que fazia um arraial medonho. Os donos, seguros de que ninguém . iria violar os enfeites festivos dos animais, deixavam-nos seguros, à aldrabe de uma porta velha.

"(...) Todos se apressavam para escolher um lugar bom, onde a exposição dos produtos facilitasse a venda. Dos ventres flácidos dos alforges saía a gradura e outros produtos para vender. No largo de S. Vicente, a Praça Velha, junta-se em pequenos montículos a trouxa que vem chegando das aldeias mais distantes: Câmaras de Pinela, latoeiros, ferreiros e mais objectos artesanais. Também os objectos as vasilhas de cobre têm sempre um pequeno espaço para se arrumar. Hortaliça e renovos, chouriços secos, queijos e raminhos de cerejas apetitosas vão atafulhando todos os espaços até à metade da Rua Direita. Da Torre de D. Chama e de Alfaião, pequenos microclimas, vinham em canastras os pimentos, alfaces, tomates, beterrabas, que iam ser plantados no dia seguinte e fazem a fartura dos marranchos de qualquer casa.

Rua abaixo, rua acima, saracoteavam-se os compradores e vendedores. Dos lados do sul, nuvens negras ameaçavam chuva iminente. Fim da tarde aproxima-se. Compram-se os últimos presentes que fazem o enlevo da garotada.

O dia 3 de Maio, dia de feira e festa está quase a findar. Falta a cântara de barro que no campo acompanha os trabalhadores com a água fresca. Nossa Senhora da Serra dá de novo as merendas. Quer dizer, os dias alongam-se mais. Esta mobília, comprada no 3 de Maio, nunca mais se esgota. Ainda falta um caldeiro e um garabano para regar à mão os renovos e os feijões de que falámos.

Os homens vêm do Toural, onde tinham levado um vitelo e uma vaca para vender. O bom negócio foi também pretexto para fechar o negócio com uns copos de vinho.

Em sentido contrário, organiza-se agora o mesmo movimento para casa. À entrada da aldeia já aos filhos lhes tarda a chegada dos pais. Numa saquinha da merenda, feita de remendos de muitas cores, vão uns económicos ou súplicas, quando não alguns rebuçados, para sofrear a gulodice da garotada. Uma flauta de barro, mais um chapéu da palha salpicavam a noite e os dias seguintes de tons musicais. A monotonia nostálgica do pós festa regressa também no quotidiano dos dias que se seguem. Que esta breve descrição nos auxilie na compreensão de uma festa anual que já não se reconhece no barulho de uma multidão que não cabe nos espaços livres da Rua Direita."

7 comentários:

Américo disse...

Gostei do artigo a lembrar a feira das cantarinhas. Não consegui ver o filme.

Olímpia disse...

O padre Belarmino foi meu professor de Português no 1ºano do ciclo preparatório (agora chama-se 5ºano).
Retratou realisticamente a azáfama da feira das cantarinhas. Era mesmo assim.
Também eu me lembrei da mâe e do chapéu de palha com que muitas vezes me presenteou. Da espera na esquina da "casa d'além", das súplicas, das laranjas...

Obrigada garota

Bjos

Olímpia

Fátima Pereira Stocker disse...

Sr. Américo

Não sei o que se passou, porque quando publiquei o artigo, aquilo funcionava. Tentei hoje e já não deu. Por esse motivo, alterei um pouco o artigo e incluí o link que nos dirige directamente para a página que permite a visualização.

Beijos e obrigada pela visita.

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Há dias em que as memórias pesam mais.

Beijos

Augusta disse...

A feira das canatarinhas adquire hoje contornos bem distintos dos de outros tempos, a par da manutenção de outros que teimam em persitir. É o caso da compra das cebolas, tomates, pimentos que, como diz o padre Belarmino, serão plantados no dia seguinte. Não sei se este ano essa ação se concretizou atendendo às condições da meteorologia. Efetivamente, as condições climatéricas entristeceram esta feira centenária, e fizeram com que muitas pessoas (como eu) este ano não cumprissem a tradição de passarem uma tarde, ou uma manhã num passeio pela feira.
Havia (e creio que ainda há), uma tradição muito engraçada. Ofereciam-se as cantarinhas às pessoas a quem se quer bem. As mais bonitas eram certamente, aquelas mais rústicas e que eram fabricadas em Pinela. os rapazes tinham por hábito oferecer às raparigas uns bonequinhos pretinhos, nos quais sobressaía um pontinho vermelho.
A memória da mãe ( e hoje com mais intensidade) está sempre bem presente. As idas dela a Bragança, independentemente de ir à feira ou não, terminavem sempre com uma espera nossa, aguardando os miminhos que ela fazia questão de nos trazer.
Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Obrigada pelo que acrescentaste e que ajuda a compreender melhor o que ficou escrito pelo p.e Belarmino.

Procurei, em vão, imagens de cantarinhas que correspondessem àquelas que guardo na memória: pequeninas e semeadas de flores coloridas. Fiquei cheia de pena, porque nada vi que se comparasse à beleza que recordo.

Também é muito verdade que,apesar da pouca fartura, à mãe o dinheiro tinha que dar sempre para trazer um mimo aos filhos.

Beijos e obrigada

Fátima Amaral disse...

A descrição de uma feira,quer fosse a das cantarinhas ou não,é esta.É tão fiel,que nos coloca na ilusão daquele tempo,em que o mais importante para a garotada era o regresso da mãe,que nos matava o desejo com alguma guloseima comprada na feira.Como me lembro bem!
Parabéns por nos refrescar a memória.Hoje as feiras são muito diferentes das DO ANTIGAMENTE,e nem poderia ser de outra formo?