POR: FILINTO MARTINS
Habituados à civilização deixámos as caminhadas, preferindo o automóvel, mas como os combustíveis estão pela hora da morte e as pernas necessitam de exercício, pois os anos vão pesando e alguma “neve vai na serra”, sacudida pelo vento deixa livre uma autoestrada, tento umas pequenas deambulações. Eis senão quando, olhando bem para o chão, não há por aqui vacas nem bois, mas há cães a mais, deparei na berma do caminho com umas figueiras-do-diabo.
Há quanto tempo as não via!...
Há mais de cinquenta anos…
Calor, moscas, monotonia… aragem fresca de vez em quando. Ainda não havia televisão e as bibliotecas estavam à mão de semear, pois meu pai embora analfabeto era uma biblioteca-viva do saber. Como eu gostava de o ouvir contar pequenas histórias da sua infância, do seu saber adquirido pelos anos de trabalho a fio, agarrado a um pau, que servia de bengala, sentado no carro dos bois, com o queixo sobre a mesma, ora enxotando as moscas, ora coçando a barba rara que havia de cair às mãos do Armindo da Eira, semana a semana, me contou:
- Sabes, uma vez havia um patrão muito rico que era cego e disse ao criado:
- Amanhã, bem cedo, quero ir ver um terreno… aparelhas o melhor cavalo.
Logo eu atalhei:
- Se era cego como ia ver o terreno?
- Espera…
Com a mão calejada matou uma mosca que o não deixava livre no seu discurso… “Já foste, carai…”
- A terra era longe, pai?
- Se era… mas o cavalo andava bem. Olha que havia bons cavalos naquele tempo. Depois de muito andarem o criado parou e disse-lhe:
- Meu amo, estamos na terra que queria ver.
- Está bem. Olha: vais contar os passos da terra na largura… o comprimento não interessa.
- Vou começar, mas o meu amo segure a arreata. – Disse o criado.
- Não. Prende-me antes o cavalo a uma figueira-do-diabo.
O criado olhou à volta e disse-lhe:
- Patrão, aqui não há nenhuma figueira-do-diabo!
- Então escusas de contar os passos, vamos embora.
Como o meu pai tentou matar outra mosca e ficou calado, eu perguntei-lhe:
- Porque é que ele já não quis que contasse os passos?
Após um curto silêncio, sorriu, fechou os olhos e acrescentou:
- Ó burrinho, terreno onde não há figueira-do-diabo, não presta… Percebeste tu agora, como é que ele viu o terreno e era cego?