sexta-feira, 19 de outubro de 2012

VIVA RECOMENDAÇÃO


Torna-se importante salientar que velhos são quem a sociedade diz que o são, e que, por conseguinte, os velhos e a imagem social dominante que se tem deles é uma construção social. (…) Um dos elementos essenciais desta construção social da velhice é a representação mental desta etapa como um período de “deterioração” e “involução” (…).

Sabe-se hoje que esta conceção está errada. A mudança das diferentes capacidades não é unidirecional, nem universal, nem irreversível. Embora algumas capacidades possam deteriorar-se, outras mantêm-se e inclusive podem enriquecer-se, as pessoas evoluem de formas diferentes, e há mudanças que são reversíveis.

      Emília Magalhães, Sabedoria, Conhecimento e Espiritualidade no Idoso
                             in Teoria e Prática da Gerontologia, PsicoSoma, Viseu, 2012 (pp 287-288)

O artigo de onde retiro a citação (e todas as que se seguem) encerra uma obra que reúne contributos de numerosos especialistas sob a coordenação do professor Fernando Pereira. É um livro que se lê bem por diversos motivos, de que destaco:

– A linguagem acessível (ou seja: apesar de não prescindir do léxico técnico, ele vem devidamente explicado permitindo que tudo seja bem compreendido);

– A opção por capítulos breves, correspondendo cada capítulo ao artigo de um (ou mais) especialista;

– O encerramento de quase todos os artigos com uma súmula intitulada “Ferramentas para a Prática”. Estas súmulas, acreditem, estão muito bem feitas e podem funcionar como uma espécie de estojo de primeiros socorros de que podemos servir-nos em caso de emergência.

Não é este, então, um livro destinado a quem cuida dos idosos, ou estuda para isso? É, sim! Mas, não estaremos todos nós nas circunstâncias de cuidar, ter cuidado ou vir a cuidar de idosos? Ou ainda: não estamos nós todos a envelhecer e ler sobre quem é velho não nos ajudará a envelhecer de modo mais consciente e  sereno? Tenho a certeza de que sim e esse é outro motivo pelo qual recomendo a sua leitura. Além mais, a nossa Augusta assina dois artigos em co-autoria.

A título pessoal, devo dizer que alguns artigos me fizeram relembrar muitas situações que vivi com meus pais. Dou dois exemplos:

A integridade do Eu significa chegar a esta etapa da vida e ser capaz de ao olhar para trás aceitar, no essencial, o percurso percorrido (…), aceitar a vida como ela foi vivida e, desta forma recear menos a doença, a dependência ou até a morte.

Fernando Pereira, A Institucionalização do Idoso (p. 150)

– Pai, tanto filho que teve, tanto sacrifício que fez para os criar, e agora vê-se sozinho!
– Estas minhas mãos desfizeram muito torrão, mas voltaria a fazer tudo de novo!

No estudo levado a cabo por Andrade et tal. (2009), verificou-se que os cuidadores sentem constantes preocupações, por exemplo, em nunca deixar o idoso muito tempo sozinho porque temem negligenciar a sua assistência.

Maria José Gomes e Augusta Mata, A Família Provedora de Cuidados ao Idoso Dependente (p.166)

– Ó rapariga, avia-te tu primeiro, que estás aqui consumida! – dizia-me a tia Maria constatando a minha ansiedade por ter deixado a minha mãe sozinha e, embora estivesse à porta de casa, tinha medo que ela conseguisse levantar-se sozinha da cadeira e caísse.

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Há artigos que nos provocam um nó na garganta, tal o contraste entre a boa teoria que lemos e a prática a que assistimos com frequência:

A aplicação da metodologia da humanitude assenta essencialmente em seis pilares (Margot, 2010): verticalidade, o toque, o olhar, o sorriso, a palavra, a relação com o outro e com a sociedade, os adornos.

(…) IGM (2011b) defendem que o cuidador deve fazer os possíveis para manter o doente de pé, a andar, dado que (…) a verticalidade (…) faz com que este não perca totalmente a sua independência, elemento essencial para a sua qualidade de vida.

O toque é aqui abordado na forma de substituir o “toque utilitário” pelo “toque carinhoso” (Touboul, 2009), na medida em que o toque, como demonstração de carinho, por vezes, alivia mais o doente do que qualquer palavra. (…)

Quando falamos do olhar, temos em atenção o olhar partilhado, olhos nos olhos. (…)

(…) O riso é o remédio mais eficaz para combater o stress e relaxar (…).

O poder da palavra é de especial importância, dado que a comunicação se revela vital na vida do indivíduo. (…)

A relação com o outro e com a sociedade também se revela um pilar fundamental na vida quotidiana do indivíduo (…). Os idosos, pela sua situação vulnerável de dependência e doença, têm mais necessidade do contacto que as pessoas saudáveis e jovens (…).

Por último, mas não menos importante, o porte do vestuário e dos adornos (…) Pela carga simbólica (…) [eles tornam-se] algo imprescindível da nossa condição humana, estes determinam “quem nós somos e como os outros nos percecionam”

Fernando Pereira, Maria José Gomes, Ana Galvão, Ética e Humanitude no Cuidado do Idoso (pp. 88-89). (Sublinhados meus)

Encerro este artigo lembrando outra situação que vivi, desta feita as palavras indignadas da D. Suzette (tia-avó do meu marido, internada num lar):

– Não posso ver aquilo, não posso! Aquela senhora andava sempre tão bem posta, tão elegante! Agora que perdeu a vista, vestem-lhe uns trapos quaisquer, que nem são dela! Não posso ver aquilo, não posso!

É por estas e outras que vos digo que este livro é para ser lido por toda a gente.

27 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Este livro merecia uma abordagem capítulo a capítulo, mas este não é o espaço próprio para o fazer. Em todo o caso, saliento a sua enorme utilidade para a generalidade das pessoas porque, tal como lá vem referido, são as famílias que asseguram a maior fatia dos cuidados dispensados aos idosos, nomeadamente, àqueles que são dependentes.

O meu obrigada do fundo do coração à minha irmã Augusta por me ter feito presente dele.

Augusta disse...

Fátima:
Que bela publicidade, e que notável análise fazes do livro que tanto prazer nos deu em escrever.
Por isso, em meu nome pessoal e, não duvido, em nome de todos os colaboradores, te agradeço o teres publicado esta excelente análise.
Beijinhos

Elvira Carvalho disse...

A julgar pelo texto é leitura a não perder. Eu cuidei de meu avô paralisado e semilouco por uma trombose.
Tinha 13 anos, quando eu veio para minha casa. Minha mãe trabalhava, e era eu que cuidei dele embora apenas um mês. Depois ia para casa de outro filho. Eram 11 filhos e ele morreu antes de dar a volta a todos. Muitos anos mais tarde cuidei do pai faleceu em 2009 num sofrimento atroz e de minha mãe enquanto pude. O último ano de vida estava entubada a soro, e por causa das insuficiencias cardiaca e renal, e precisar de cuidados especiais foi para um lar.
Faleceu em Fevereiro de 2011 Mas a última vez que abriu os olhos e falou comigo foi na noite de Natal de 2010. Estive um bocado com ela nessa noite, porque o lar deixou, já que a hora das visitas era à tarde. Saí às 10 horas quando o meu irmão chegou. Ele ficou com ela, mas poucos minutos depois ela fechou os olhos, e ele pensou que ela tinha adormecido.
Nunca mais os abriu.
Um abraço e bom fim de semana


Obrigada pela nota sobre as letras.

antonio disse...

Porque finalmente encontrei uma solução para comentar, e, enquanto a Fátima publica o que lhe enviei por mai, volto a este espaço manifestar o meu empenho e dedicação pelos idosos carentes e vulneráveis, cuja indiferença das pessoas, e até de alguns familiares, me revolta e entristece profundamente... Que belo exemplo de coragem e amor o desta Senhora Elvira! Milhares de casos idênticos, semelhantes ou até piores, prevalecem sem resposta refugiados na cobardia do silencio camuflado pela ignorância... lamentável?! Inadmissível. Não basta ler e ouvir frases moralistas , as quais, de repente caem no buraco do esquecimento... agimos cada qual pelos seus... e aqueles que não tem ninguém, abandonados como um farrapo velho? Todos caminhamos pelo mesmo caminho e a passos de gigante, que ninguém se esqueça disto. Desculpem o desabafo, mas, fez-me bem.

Antonio disse...

Aqui fica o comentário que o Tonho me enviou para o e-mail, por não conseguir comentar aqui. Vem um pouco tarde, mas mesmo assim creio que é importante publicá-lo. Obrigada, Tonho.
____ //____

Todos os livros que possam incentivar os mais desmazelados a cuidar
convenientemente dos idosos, justificam um enxergar publicitário...
sou grande defensor dos seus direitos e dos nossos deveres para com
aqueles que querem e já não podem... muitos deles constatam a perdição
de uma dignidade adquirida com sacrifícios e honestidade... vi alguns
deles, imputados do 3º sentido, que é o falar, correrem-lhe as
lágrimas pelo rosto abaixo até ao coração.( sentido figurado). Todos
os actos referentes aos idosos tem a sua cota parte de importância...
alguns deles, infelizmente no sentido negativo... contudo, só guardo
comigo aqueles que os ajudam no que quer que seja... eles não pedem
nada e contentam-se com tão pouco!
Estejam onde estiverem, necessitam de carinho, amor e compreensão.
Obrigado Fátima e Augusta por este magnífico presente... um post que
me fez chorar de emoção... venham muitos mais como este. Beijos com
imensa gratidão.

PS. abrevia este sacrifício para comentar P.F

antónio brás pereira

Faz favor de inserir o meu comentário não consegui

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Obrigada eu!

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

São histórias como a sua que nos vão fazendo acreditar na Humanidade.

Os problemas do cuidador - sua condição, eficácia, dificuldades e sofrimento - estão muito bem abordados no livro, particularmente no que concerne ao papel desempenhado pela família que, por não ter formação específica e por ter de se confrontar com escolhas entre a vida profissional e a necessidade de prestar cuidados (frequentemente situações incompatíveis), se vê mergulhada numa realidade dura que lhe é muito penosa.

Beijos

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Obrigada por teres insistido, porque tudo quanto dizes é muito importante porque é sentido.

Só agora de manhãzinha é que vi o teu e-mail e apressei-me a publicar.

Deixa-me explicar-te como é que fiz, porque, tal como ficou, parece que foste tu próprio, ao aparecer o teu nome a azul. Escolhi a opção "Nome/URL" e, na caixinha do URL, escrevi o endereço do teu blog de Murçós.

Espero ter este sistema por pouco tempo, porque é muito maçador, de facto.

Beijos e muito obrigada.

Eduarda disse...

"A certeza , é que vou comprar!
Neste momento a minha mãe vive de fragmentos guardados na memória, como se esta fosse, uma manta de patchwork. Cada momento é um quadrado para recordar.
Na verdade, nós já não sabemos falar
Nós perdemos a faculdade de FALAR (falar uma com a outra).
Já quase se está à beira de tudo. Já quase se experimentou o limite, por vezes julgamos ter galgado a fronteira do suportável. Mas, apesar de tudo, só quero viver o dia-a-dia.
Numa fase em que ajudas são bênçãos, obrigada.

Ps: Só gostava de saber se está à venda em postos normais, tal como Fnac ou outras livrarias.
Augusta se me puderes dar a informação, agradeço.

Beijos a todos "
Eduarda

Blog de Rebordainhos disse...

Eduarda

Desculpa a demora na publicação, que se deve ao facto de nem sempre abrir a caixa de correio do blog. Para publicar o teu comentário procedi contigo tal como fiz com o António e lho expliquei acima.

Entendo muito bem - e a Augusta melhor do que eu - aquilo por que estás a passar. Coragem!

Provavelmente a Augusta estará em Rebordaínhos e, por isso, só à noite poderá ler o teu comentário e responder-te.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Claro que o comentário anterior é meu, mas esqueci-me de me registar com a caixa de correio com que publico no blog.

Augusta disse...

Eduarda:
Se compreendo... Mas disso preferia conversar contigo por outras vias. Apenas te digo: compreensão, paciência e muito, mas muito amor. Há dias de tudo.
Agora quanto ao livro. Sim, podes comprá-lo na FNAC. No entanto, caso tenhas alguma dificuldade, diz-me e teremos togo o gosto em enviar-to pelo correio.
Beijinhos para todos vós

Augusta disse...

Elvira:
Excelente exemplo de quem quer e gosta de cuidar os seus. permita-me que a felicite por isso.
Um beijinho

Olímpia disse...

Manas:
vocês são fantásticas; uma, publicou um excelente post e outra, colaborou num fantástico e aliciante trabalho contendo dicas sobre o quão delicado que é tratar dos nossos idosos e fazer com que eles vivam os restantes dias com dignidade.
Revivi momentos penosos mas muito afetuosos.
Obrigada às duas

Bjo

Olímpia

ANTÓNIO FERNANDES disse...

Augusta:

Parabéns por mais este passo na afirmação das tuas competências para bem de todos nós. Além da utilidade que o livro tem num país que cada vez é menos para velhos, é um orgulho para a nossa terra.
Claro que também vou comprar o vosso livro, até porque, nesta altura do campeonato, ditam-me os anos que já estou quase a jogar em ca(u)sa própria.
Como foi editado em Viseu espero encontrá-lo na FNAC cá do burgo.
Um grande abraço

A. Fernandes

Anónimo disse...

Muito obrigado pelo comentário. o livro foi escrito com todo o cuidado como um tema tão inspirador merecia.
Obrigado
Fernando Pereira

Fátima Pereira Stocker disse...

Sr. Professor Fernando Pereira


Obrigada, nós, por ter vindo aqui

Idanhense sonhadora disse...



Olá Fátima .Tenho andado meia fugida ,mas valeu a pena regressar hoje para tomar conhecimento do livro no qual tão bem nos introduz .Fiquei cativada e , enquanto nos deixam comprar livros !!!, lã irei procurá-lo e adquiri-lo.
Beijos
Quina

antonio disse...

Volto aqui para experimentar comentar com o novo sistema, e creio que todos nós conseguiremos sem problemas se clicarmos na seta redondo até que se vejam perfeitamente as letras maiúsculas e minúsculas espaço e Nºs.
Aproveito para dizer que vou tentar adquirir o livro com grande prazer. Abraço

Augusta disse...

Tonho (Braz)
De facto, em muitas situações é bem verdade aquilo que afirmas. No entanto, penso que não podemos nem devemos perder a esperança de melhores práticas no cuidado aos nossos idosos. Também acho que devemos louvar e enaltecer aqueles que cuidam bem, muitas vezes com inúmeras dificuldades e repercussões na sua vida familiar, social, laboral...
O que sabemos, e não devemos esquecer, é que não há ninguém que um dia qualquer, não venha a ter a necessidade de ser cuidador.
Para além do mais, os cuidadores de hoje, serão pessoas cuidadas amanhã.
Beijinho

Augusta disse...

Tonho (Fernandes:
Grata pelas palavras que tens a amabilidade de me dirigir.
Permite-me que as estenda a todos os restantes colaboradores, particularmente ao meu colega e amigo Fernando, de quem partiu a ideia de nos lançar este desafio.
Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Quina

Diz bem, enquanto nos deixarem, porque há muitas formas de proibir, e algumas bem mais perniciosas do que a proibição pura e simples...

Beijos

Chanesco disse...

Fátima

Antes de mais deixe-me felicitar a “vossa” Augusta (e naturalmente os restantes co-autores) por este valioso contributo na procura de nos ensinar a conseguir tranmitir o bem-estar necessário aos nossos velhotes, ajudando-os a melhor encontrarem na sua velhice um motivo para conservarem a jovialidade.
Afinal, como dizia o poeta, velhice é isso mesmo: chorar sem razão aparente e, acto contínuo, ficar com os olhos rasos de lucidez.

A si agradeço-lhe a partilha desta mais-valia.


Um abraço para Rebordainhos

Fátima Amaral disse...

Como gostei da última frase,do último comentário!
E não é preciso sermos muito avançados na idade para ficarmos de olhos rasos de lucidez,porque a razão, já ficou para trás,em todos os momentos vividos,uns bons e outros nem por isso,mas são a razão de toda a nossa existência.
E o livro fico curiosa por lê-lo,porque os pequenos excertos aqui apresentados,abriram-me o apetite.Há tantas coisas e pequenos actos,que parecendo de pouca importância,são muitas vezes os únicos,que alguém recebe quando está confinada a quatro paredes estranhas,que de repente passaram a ser as suas,que ironicamente se chama um LAR.l

Fátima Pereira Stocker disse...

Caro Chanesco

Os seus comentários têm o condão de nos deixar encantados. Bem-haja.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Boa tarde, Fátima

Espero que esteja tudo bem consigo e com os seus.

Como muito bem salienta, há pequenos gestos que fazem toda a diferença. Exemplifico com outra citação (é do mesmo artigo que citei por último):

"Uma simples modificação que o cuidador pode fazer e que faz toda a diferença para o doente, é a substituição da mão em garra para ajudar o indivíduo a sair da cadeira de rodas, por um gesto mais suave, permitindo a colaboração do doente sem esforço e sem a tentativa de ser agressivo com o cuidador (a mão em garra é percecionada pelo cérebro como um ato punitivo/agressivo)."

Beijos

Fátima Amaral disse...

Boa noite,Fátima.Está tudo bem,obrigada.

Diz-se na nossa terra:-temos de fazer das fraquezas forças.Pois são essas pequenas forças,que ao serem solicitadas,fazem desaparecer as fraquezas,e com jeito e paciência se consegue o que muitas vezes não se imaginava existir e nem se ousava pedir.

Beijos