3: “SUAVE MILAGRE”[1]
Quando, lá do Céu,
viu o seu corpo encafuado na cripta daquela que viria a ser a catedral de Compostela
(estavam a decorrer as obras), tapado por não sei quantos telhados, S. Frutuoso
entristeceu[2]. Foi
ter com Deus nosso Senhor e fez-lhe o seguinte pedido:
Senhor: sempre
abandonei o meu querer para Vos obedecer. Nunca, enquanto fui vivo, pude realizar
o desejo de viver longe dos Homens para Vos louvar em comunhão com as criaturas
de que também sois Pai. Quando chamastes por mim, respondi sem medo da morte e
acreditei que o meu corpo terreno, naquela sepultura virada ao céu, encontraria
finalmente o lugar em que pudesse cumprir o sonho. Crença vã, pois de novo
me foram buscar e encerraram-me num lugar onde, em vez da Vossa, sou obrigado a
contemplar a obra dos Homens. Por isso, Senhor, Vos peço: libertai-me deles!
Então Deus,
compadecido, deu a Frutuoso a possibilidade de, em espírito, habitar qualquer
lugar da face da Terra, por si escolhido. O Santo lembrou-se de que, nas suas
deambulações, passara por um vale aberto, atravessado por um pequeno rio em
cujas margens cresciam teixos e amieiros. Esse vale estava rodeado de montes
povoados de touças e soutos que faziam medrar toda a casta de vida livre.
Recordou, ainda, aquilo que pensara na altura: “o paraíso terreal, se não calha
ser no Oriente, poderia bem ter sido aqui!”
E foi assim que S.
Frutuoso tomou Teixedo como moradia do seu espírito. E é desse espírito que,
ainda hoje, bebem os naturais de todas as aldeias em redor: o dia dividido
entre o trabalho árduo e o louvor a Deus, o respeito pela natureza, a
entreajuda fundada num intenso sentido de comunidade e o rigor absoluto na
observância de tais princípios que não se compadecem com a desobediência. E, acredito,
também o amor pelos livros lançou raízes fundas em alguns desses lugares.
Em certo tempo que
não sei precisar, alguém decidiu erigir uma capelinha da invocação do Santo.
Fê-la singela – um cubo apenas, espécie de miniatura de um dos corpos do
templozinho de Montélios. Na face voltada a Norte, cinco degraus conduzem a
pequeno púlpito que está em vez do arcossólio. E é dali que, sem ser visto, S.
Frutuoso espalha as suas bênçãos e torna milagrosa a água do estreito rio que
os aldeãos se não cansam de aspergir sobre os animais doentes, assim como a
água de nascentes e ribeiras que me não canso de beber, de tão saborosa e
paliativa que é.
[1] Fui buscar este título, de empréstimo, a um conto de Eça de Queiroz.
[2] Só em
1966, aproveitando as celebrações dos 800 anos da restauração definitiva da
arquidiocese de Braga, que estavam próximas, é que Compostela aceitou devolver
as relíquias de S. Frutuoso. A bem dizer, não foi devolução completa: os restos
mortais do Santo foram irmãmente divididos entre ambas (uma partilha macabra, em meu
entender). As relíquias dos restantes santos, roubados pelo bispo Gelmires, regressaram a Braga em 1994.
13 comentários:
E aqui está o meu devaneio que, espero, não vos tenha decepcionado.
As duas primeiras fotografias são, ou da Olímpia, ou da Augusta (ou uma de cada, não sei bem, porque as tenho guardadas juntas). A terceira fotografia é minha, muito má, mas foi a fotografia possível, na medida em que foi tirada a partir daquela minúscula gurita circular que se pode ver na porta. Não quis deixar de mostrar o interior da capela de S. Frutuoso em Teixedo.
Foi com muito interesse que segui a
história de S.Frutuoso e estava com
certa ansiedade em saber como iria
parar a Teixedo. Na composição faz
sentido a petição que dá origem ao destino final. Gostei e aqui deixo
os meus agradecimentos à FÁTIMA.
Américo
Obrigado Fátima por mais esta aula de cultura.
Confesso que não fazia a menor ideia da história de S. Frutuoso, mas nas minhas lembranças da única vez que lá fui aparece uma capela igual à da foto. Só não me aparece aquela escada lateral. Em contrapartida aparece uma sineta que não vejo na foto, mas também já lá vão uns 50 anos...
Sr. Américo
Sou eu que agradeço as suas palavras. Bem-haja por elas.
Beijos
Ribordayn
A capela há-de ter tido sineta: só não juro que me lembro dela, por ter medo de estar a fazer confusão com a capelinha de Arufe (é que, quando li o que escreveste, saltou-me à lembrança uma sineta e uma guita azul e foi a guita que me fez desconfiar de estar a confundir lembranças).
Quanto às escadas, sempre me lembro delas e constituem, mesmo, a minha primeira memória de Teixedo: a de ver, no dia da festa, o padre a pregar dali.
É possível - e isto não passa de mera suposição - que a sineta tenha sido retirada quando se procedeu ao restauro da capela (se reparares, o chão do interior é coisa recente) e que não tenha sido reposta.
Bem-hajas por continuares na nossa companhia.
Beijos
Finalmente a conclusão tão esperada! Tudo isto nos faz voltar atrás no tempo... e que bom sabermos sempre mais graças a ti Fátima! Recomendo a toda a gente uma visita a Teixedo, é um lugar mágico, encantador de beleza e serenidade...não esquecendo a oração ao S. Frutuoso. Beijos
Garota:
Venham daí mais crónicas como esta. No final soube a pouco, de tão empolgante que foi a sua leitura.
Obrigada por nos brindares com os resultados das tuas pesquisas.
Beijinho
Muito interessante a história de S. Frutuoso, cujo nome 8confesso a minha ignorância) eu nunca ouvira.
Um abraço e Santo Domingo
Tonho [Braz]
Obrigada pela tua gentileza constante.
Agora, à conta do que disseste, vou pedir-te o favor de, se te lembras dela, nos ensinares a oração der S. Frutuoso, que eu desconheço.
Beijos
Augusta
Obrigada por teres gostado.
Beijos
Elvira
Não se amofine, porque nós só conhecemos o S. Frutuoso por causa da capelinha ao pé da nossa terra. O roubo do bispo Gelmires até isso conseguiu.
Beijos
Fátima:
Espero ainda viver o suficiente para visitar esse lugar que só me traz boas lembranças, assim como vários outros povoados limítofes, incluindo a minha terra natal, que não visito há mais de 40 anos.
Quanto ao teu obrigado, sou eu que tenho que te agradecer por manteres vivo este cantinho onde eu posso sempre recarregar minhas lembranças de infância.
Gostei muito deste teu devaneio.
Continua a tê-los porque gosto muito de os ler.
bjos
Olímpia
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