sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

AINDA OS REIS: NOVOS OLHARES

Um outro conto da montanha


por
António Carloto e Ilda correia



Rebordainhos, 6 de Janeiro de 2013

Chegados à aldeia, não foi muito fácil ver a festa dos Reis como se fôssemos dois estranhos vindos da cidade; desde o início todos os vizinhos nos abriram as portas de suas casas e partilharam connosco a mesa que estava posta, aguardando a chegada do careto e dos cantadores. Tornaram-nos parte da comunidade.

O primeiro momento que nos fez realmente abrir os olhos foi a paragem à porta do cemitério, efetuando-se as orações. Pareceu-nos um momento mágico em que o careto assume, mais do que nunca, a sua ancestral ligação entre os que agora rezam e aqueles que já partiram.

Pudemos verificar que a maioria dos lares pediu para rezarem; o nível etário da população não será estranho a este facto, mas confere à visita uma dimensão religiosa que só terá equivalente no compasso pascal.

A população da aldeia pareceu-nos muito recetiva, creio não ter havido casas que recusassem a festa. Em algumas delas, o telefone estendido a enviar o canto dos Reis para o estrangeiro deixou-nos um pouco sem palavras, imaginando como seria estar do outro lado da linha; ainda alguns pequenos gestos, como uma neta que abraça a avó enquanto se canta, diz bem do alcance simbólico do momento.

Surpreendeu-nos o cantar polifónico das quadras, com os cantadores em cruz, à semelhança do que se fazia até à década de 60, em algumas zonas do país, nos cânticos das almas. As quadras sobre os reis magos, Cristo Redentor, ou mesmo a do raminho, pareciam vindas de um passado que só conhecíamos dos livros de história.

E o careto?
Diabo cristianizado e, talvez por isso, sobrevivente até aos nossos dias (como em Bemposta – Mogadouro e Montamarta – Zamora) foi sempre o primeiro a entrar dentro das casas. É um caso único em que um mascarado é coprotagonista de uma festa religiosa como o cantar dos Reis. Muitos contribuíram com uma moeda de esmola, mas a maçã que transporta é mais do que um mealheiro, é um símbolo de fertilidade nas suas mãos, a quem fazemos um pedido para um bom ano agrícola ou de saúde. O enterrar da moeda no fruto como uma enxada entra na terra. Que o portador dos nossos desejos tenha também um bom ano.


Pensando nas coisas alguns dias mais tarde, a nossa passagem por aí pareceu mergulhar-nos num conto de Miguel Torga, feito de terra e pessoas com uma dimensão da paisagem que se vê das vossas janelas.

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António Carloto e Ilda Correia são o gentil casal de Coimbra que nos visitou no dia de Reis. Ambos tiveram a generosidade de escrever para nós o belo texto lá de cima e, perante o meu "Deus vos pague", responderam à maneira mirandesa: "Ya stá pago."

4 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

António e Ilda

Tenho a certeza de que todos os nossos leitores vão sentir uma profunda gratidão por aquilo que escreveram e pelo modo carinhoso com que o fizeram. Por mim, ainda tenho que agradecer as fotografias que ilustram o artigo, que também são vossas.

antonio disse...

Muitos parabéns para os reporters, que contam com tanta getileza e verecicidade, os acontecimentos simbólicos de um cantar de reis que já faz parte integral das nossa lindas tradições.
Bem-hajam António e Ilda, afinal é o meu nome e o da minha mãe! Abraço fraterno

Elvira Carvalho disse...

EMOCIONANTE.
UM ABRAÇO E BOM FIM DE SEMANA

Augusta disse...

Obrigada Ilda e António pelo precioso contributo e singular descrição dos nossos reis.
Ficamos gratos pela vossa simpática e amável visita e, como costumamos dizer por cá, voltem sempre. Recebê-los-emos de braços abertos. E, já agora, como dizia Zeca Afonso, "venham mais cinco", e "traz outro amigo também".
Um abraço para os dois
Augusta