terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O BALÃO DO JORGE



por

ANTÓNIO AUGUSTO FERNANDES





Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra da terra





O que muito me espanta em Rebordainhos é a profusão de topónimos, que é como quem diz de nomes para dar aos sítios. A cada cem metros aparece um nome novo, sem que, muitas vezes, nada nos faça perceber o que mudou na paisagem para lhe mudar o nome. Rebordainhos esbanja nomes por uma pá velha. E todos eles bonitos. Assim, quem segue para poente, mal se passa a portela de Vale-da-Frunha d’Além, já está na Cruzinha e logo começa a descer para a Corredoura; dois passos andados e encontra-se na Chãera. Aqui podemos cortar à esquerda para o Blagoto, ou seguir em frente para o Alto do Sirgo. (Ah este nome tão romanticamente medieval! Sedia la fremosa seu sirgo torcendo / sa voz manselinha fremoso dizendo / cantigas d’amigo). Para a direita, lá vêm as Fontelas, os Cerejais, onde se corta ou para as Bouças ou para o Catrapeiro.
Ora foi aqui, nesta bifurcação, que as coisas aconteceram.

O Jorge (quem dianho é o Jorge?...) Mas se eu disser o Pilatos, toda a gente me entende. Ora o Pilatos da tia Zulmira (já lá vão uns sessenta anos) tinha ganho, de um tio qualquer a viver na civilização, um balão, um magnífico e berrante balão de borracha encarnada, desses que hoje se compram em qualquer chafarica por uns míseros cêntimos. Só que, historicamente, tratava-se do primeiro balão a aparecer em Rebordainhos. E a malta da escola seguia em rancho atrás do Jorge e do seu balão vermelho, na expectativa de ter o privilégio de segurar por instantes o balão vermelho do Jorge para depois o largar e ver como ele pairava, movendo-se molemente como que embalado pelo ar.

Nessa tarde o Jorge ia a recados lá p’rós lados do Catrapeiro, claro! não largando o seu balão vermelho atado com uma guita, e um rancho acolitava o Jorge mailo balão. Entretanto, pela meia tarde, levantara-se dos lados de Vilardouro uma aragem arisca que depressa se transformou em vento agreste, a dar senhas de mudança de tempo. A malta queria lá saber de questões meteorológicas! Enlevada, a procissão seguia o balão como um pendão.
De repente um berro: ai o balão!

Toda a gente voltou o olhar para o balão, mas o travesso do balão desatara já a galgar a ladeira, em direcção à Fraga Grande, furiosamente impelido pela ventania. E o pessoal, sebo nas canelas! atrás do balão. Subitamente parecia que o fio ia ficar emaranhado numa giesta, ou entaliscado entre duas pedras, mas cedo se soltava, ganhando mais velocidade. Às topadas em urzes, giestas, calhaus, nada o detinha, nem tão pouco rebentava. Era mesmo de bom material o balão do Pilatos! Aguentámos a corrida esbaforida ladeira acima na esperança de que algum empecilho lhe detivesse a fuga desenfreada. Debalde. Chegado ao topo, o estuporado deixou de tropeçar em pedras, giestas e urzes, ganhou mais velocidade ainda e… levantou num voo desimpedido.
Ainda ficámos um bom pedaço a mirá-lo, na esperança de que mergulhasse como perdiz ferida na asa. Mas o belo e fugaz balão navegava triunfalmente ares fora como ave liberta das peias: já passara sobre a Tergaça, já sobrevoava os lameiros da Teixeira…
Bem decerto voltava para as mágicas paragens donde viera.

Por acaso, não te lembras, Jorge, de quem deixou escapar o Balão? Não? Atão tamém não to digo!

5 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Um regalo de texto, pela simprez e pela ledice com que contaste esta aventura.

O Jorge, se o não sabia, já não precisa de comer "avuitor", para adivinhar.

Obrigada pelo texto e pelas fotografias com que me permitiste ilustrá-lo.

Beijos

Filinto disse...

Grande Tonho.
O Pilatos foi o meu mestre no lameiro das Bouças e não só.
Já há mais de 20 anos que deixei de fumar, pois o meu mestre está longe.
Na verdade a nossa terra tem nomes até dar com um pau. A etimologia dos mesmos é que eu não sei.
Primacho, vai-nos descobrindo alguns que merecem tal.
Só tu e o Aquilino, que já não pode, nos ajudas a compreender a beleza de tais nomes.
Filinto

antonio disse...

António: mais um texto que nos faz recuar no tempo de garotos irrequietos, cuja personagem principal completaria um volume de histórias identicas... e, quando contadas com tanto brilhantismo, até parece que o tempo não passou por nós... imaginamos vagueando nas recordações, quantas destas magnificas histórias ficarão para sempre "encafoadas" no segredo dos deuses? Quanto ao balão do "pilatos" meu primo, imagino o seu estado de fúria, sobretudo se era o pioneiro avermalhado! Parabéns pela ilustração, mas, sobretudo pela extraordinária memória dos nomes citados, referentes a lugares de um canto do "termo" de Rebordainhos... muitos deles já vagueiam também no esquecimento dos anos passados! Abraço

Anónimo disse...

Tonho, delicioso este teu texto cheio de magia e realidade. Adorei.
Abraço amigo

Olímpia disse...

Mais um extraordinário texto e uma extraordinária memória. Bem-hajas António.

Bjo

Olímpia