sábado, 15 de junho de 2013

FRAGUEDO


 Plutão, o deus do submundo, raptou Prosérpina, filha de Ceres. Esta, que era deusa da agricultura, ficou tão triste que deixou de zelar pela terra que se tornou improdutiva e a fome apoderou-se dos Homens. Apiedado de sua irmã Ceres e dos Homens, Júpiter, que era o rei dos deuses, fez um pacto com Plutão: a bela Prosérpina ficaria metade do ano na sua companhia e na outra metade subiria à superfície para poder estar com a mãe. Desta forma, Ceres recuperou a alegria e voltou a garantir a fertilidade da terra. Era assim que os Antigos explicavam as transformações anuais da natureza.

Porque governava o mundo inferior, Plutão era também o senhor da riqueza e seu distribuidor, pois era nos seus reinos que se permitia o crescimento das sementes e consequente abundância das colheitas. Daí o seu nome (Plutão vem do grego “ploutos” que traduz a ideia de riqueza) e também a sua associação aos rituais agrários.

Que tem isto a ver com o título do artigo: Fraguedo? Talvez muito, talvez nada, atendendo a que me refiro às fragas do termo de Rebordaínhos. A mim apetece-me que sim.

Em muitos lugares, os deuses da fertilidade eram venerados cavando buracos nas rochas onde se vertia o sangue dos animais sacrificados, se pisavam uvas e azeitonas, etc. Esses rituais, que se prolongaram por muitos séculos na nossa era, vêm dos primórdios da agricultura.

Várias das fragas de Rebordaínhos apresentam pequenos buracos (15/20 cm de diâmetro), nitidamente abertos por mão humana e é costume designá-los por “lagaretas”. Lagareta/lagar é coisa que, para nós, não faz muito sentido, atendendo a que vinho e azeite são produtos de terras de temperaturas mais brandas. Para quê, então, dar-se ao trabalho de abrir tais cavidades na rocha dura? Só consigo imaginar uma resposta: o culto aos deuses relacionados com a agricultura. E se não tínhamos nem uvas nem azeitonas para oferecer, porque não queimar algumas espigas do bom centeio que colhemos anualmente? E a quem ofertaríamos o holocausto? Para não recuar mais no tempo, certamente a Ceres, a deusa das searas, e Plutão, o distribuidor da riqueza e aquele que faculta o seu espaço para que as sementes possam germinar. Os nossos antepassados tinham motivos para lhes lhes estar gratos. Tal como nós.

Mas Plutão, antes de ser nome próprio da divindade romana, era atributo que os gregos davam a Hades, nome que significa “aquele que é invisível”, qualidade que lhe vem do capacete que os ciclopes lhe ofereceram. O capacete de um deus tem, por força, que ser uma coisa descomunal. Como as nossas fragas?

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(1) No magnífico santuário de Panóias (VilaReal), de que toda a gente já ouviu falar, prestava-se culto a numerosos deuses locais, mas também a outros comuns ao mundo romano, entre eles Serápis (de origem egípcia) e Plutão (aliás, os dois viriam a ser associados). Não estou a querer comparar as nossas singelas “lagaretas” com o esplendor de Panóias, mas a afinidade religiosa parece-me que existe.

(2) Não cabe neste artigo falar do outro lado de Plutão/Hades, o deus que domina o mundo dos mortos aos quais julga e determina se terão uma eternidade serena (nos Campos Elísios) ou torturada (no Tártaro), conforme a vida que tivessem levado.

15 comentários:

Augusta disse...

Seja imaginação ou um relacionamento histórico que só tu sabes fazer, apetece-me acreditar naquilo que dizes tão bem.
Beijinho

Elvira Carvalho disse...

Mais um excelente texto no qual aprendi muitas coisas sobre os deuses na antiguidade dos tempos.
Um abraço e bom domingo

A. Fernandes disse...

Obrigado, Fátima por mais esta lição de cultura clássica. E nós que chamávamos àquelas cavidades da Fraga Grande da Lareira 'malgas dos mouros'! - Muito caldo comiam eles, dizia o Zequinha Lelé.
Abrs

A. Fernnades

antonio disse...

Olá! Venho só cumprimentar... de história não percebo "népia"... as fotos estão belas e a paisagem convida a um passeio por Rebordainhos. Parabéns pelo teu saber mas sobretudo porque tentas transmiti-lo aos ignorantes como eu., sem ofensa para ninguém. Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Há coisas em que dá enorme prazer pensar.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

É bondade sua.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho [Fernandes]

Bendito sejas tu, que me ensinaste o nome que damos a tais buracos. Já ficou registado!

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Ignorante só o não é Deus Nosso Senhor porque é o único que sabe tudo.

Eu às vezes hesito em publicar estes textos: parece que assusto e afugento as pessoas. Já estive mais longe de deixar de escrever.

Beijos e obrigada pela visita.

Idanhense sonhadora disse...



Olá Fátima ,é bom recordar estas matérias ...que aliás é uma das minhas preferidas .Quanta verdade há por detrás de toda esta mitologia ?!!!Por mim rogo que escreva esses textos e espero que o faça
Um abraço

antonio disse...

Fátima: nem todas as pessoas se afugentam ou assustam... deixares de escrever seria um erro... 1 porque o fazes muito bem... 2 porque nem só de pão vive o homem... ou seja: há gente que gosta imenso, pelo que a diversidade das coisas é que faz engrandecer a curiosidade. Não achas?
Coragem, beijosMercier

antonio disse...

esse Mercier está a mais... não sei como foi parar aí, estava na palavra de passe para publicar.Xau

Fátima Pereira Stocker disse...

Quina


É verdade, temos esse amor em comum.

Bem-haja pelas suas palavras.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

É verdade aquilo que dizes, mas às vezes fico muito desanimada. Aliás, os dois já tínhamos conversado sobre o assunto.

Obrigada pelo estímulo.

Beijos

Olímpia disse...

Obrigada Fátima por esta bonita e interessante interpretação. Depois daquela tua explicação, também pensei que as lagaretas ou malgas, naquelas fragas, só poderiam servir para moer as sementes.
Bjos

Olímpia

Fátima Pereira Stocker disse...

Olímpia

Obrigada.

Foi uma tarde bem passada.

Beijos