«Pelas ruas de Cecília, cidade ilustre, encontrei uma vez um cabreiro que conduzia encostado às muralhas um rebanho badalante.
- Homem abençoado pelos céus - deteve-se para me perguntar -, sabes dizer-me o nome da cidade onde nos encontramos?
- Que os deuses te acompanhem! exclamei. - Como podes não reconhecer a mui ilustre cidade de Cecília?
-
Tem pena de mim -
respondeu ele -,
sou um pastor em transumância. Calha-me às vezes a mim e às cabras atravessar
cidades; mas não conseguimos distingui-las. Pergunta-me o nome dos pastos:
conheço-os todos, o Prado entre as Rochas, a Encosta Verde, a Erva à Sombra. As
cidades para mim não têm nome: são lugares sem folhas que separam um pasto do
outro, e onde as cabras se assustam nos cruzamentos e se dispersam. (…)»
Quando este artigo sair já estarei em Rebordaínhos, em transumância, como o pastor do texto que quis partilhar convosco.
Como sabem, lá não tenho internet, razão pela qual estarei ausente durante todo este mês.
Boas férias a todos.
19 comentários:
Olá Fátima! Um belo texto que carinhosamente diz tudo sobre as diferenças existentes entre a vida citadina e a magnifiçência campestre. Adorei!
Espero que aproveites bem o tempo na paz das nossas gentes e na involvencia da terra amada... boas férias Beijos
belíssimo texto que traduz bem a indiferença e altivez das (algumas) pessoas das cidades. Fácil é para um camponês reconhecer árvores, folhas, flores ou ligares, como é fácil a um pastor reconhecer cada uma das suas ovelhas ou cabras que a nós nos parecem iguais. Difícil é reconhecer os lugares que nada lhe dizem e onde se sente um estranho.
Bem vinda aos nossos lugares. Faremos uns belos passeios para lembrar lugares que serão um colírio que atuarão durante o resto do ano.
Beijo
Também eu sou um dos muitos filhos de Rebordainhos que, por caprichos insensatos da mocidade, decidiram atravessar o oceano imenso, abandonando o doce conforto das sua aldeia cheia de tradições e romarias, para se virem embrenhar nesta selva brasileira, sem lar, sem pão e sem casa de banho.
Hoje, com uma fortuna avaliada em mais de dois mil milhões de dólares, e com os cabelos mais branquinhos do que a neve que no Inverno cobre os campos e os telhados dos casais, vi na internet, por acaso, o blog de Rebordainhos e, imediatamente, um turbilhão de recordações e ideias novas assaltou o meu espírito inquieto:
- Que faço eu neste fim do mundo, em pleno Estado de Mato Grosso, na República Federativa do Brasil, quando lá, na rica e civilizada Europa, toda a população da associação de freguesias de Rebordainhos e Pombares anseia pelo regresso deste seu humilde e arrependido filho pródigo. Desde já, quero declarar que dispenso os bezerros e cordeiros assados em cama de casulas e feijocas pré-cozidas em potes de ferro, embora lembre, com muita saudade, estes deliciosos manjares, que, pelo S. Miguel, quando as cerejas já pintam nos frondosos cerdeiros da nossa querida terra, eram servidos sobre toalhas brancas de linho, tanto na mesa do rico como na mesa do pobre.
Como paga de todo o bem que me fizeram, apenas quero propor aos meus patrícios a constituição de uma comissão, totalmente financiada por mim, evidentemente, que terá por missão elaborar, primeiro, e concretizar, imediatamente, o plano de desenvolvimento das terras incluídas no perímetro territorial da serra da Nogueira. O projecto número um, como todos já estão à espera, não é mais nem menos do que e a reabilitação urbana das Ruínas do Cercado. O desleixo e a incúria do governo de Lisboa levaram a que as pessoas deixassem de frequentar um dos recantos mais nobres da nossa aldeia, porém o querer do povo é mais forte do que a intriga política e a obra avançará para a frente! Todo o casario que ainda puder ser recuperado será sujeito a pequenas intervenções, procurando-se a todo o custo (cá estou eu para entrar com o dinheiro) manter a traça original das fachadas tradicionais; quanto aos arruamentos, serão todos em estilo de calçada transmontana com a pedra granítica da região. No centro da urbanização, para não ferirmos a arquitetura que os antepassados nos legaram, será feita uma rotunda com 10 km de raio, no meio da qual será construído o maior farol de Trás-os-Montes, com uma altura de mais de 500m: o potente foco de luz a irradiar em todas as direções permitirá que os comandantes dos navios de cruzeiro e dos iates de luxo que rumarão a Rebordainhos e a Pombares, com milhares de turistas, vejam distintamente e evitem diversos escolhos, como as majestosas fragas, que também fazem parte da nossa bela e agreste paisagem, ou os enormes bancos de areia da praia do Azibo, onde poderiam ficar encalhados!
O nosso objetivo é fazer do Cercado o renovado centro político-administrativo da região do Nordeste e Alto Douro Vinhateiro.
Como convidados de honra da cerimónia da elevação do Cercado a Património Cultural da Humanidade, contamos com os habitantes de uma pequena povoação dos arredores de Bragança que serão ensaiados para dizerem, apenas, em uníssono e em voz alta, mal o presidente de Rebordainhos e Pombares dê por encerrados os trabalhos, o nome da sua terra: GOSTEI!
gosto do comentário do anónimo
Boas Férias para si amiga.
Eu não saio. Espero que o mês passe aqui no sítio de sempre.
Um abraço
Mas que raio de conversa!!! Ao menos que se identifique.
Que raio de conversa digo eu! Diz o roto ao nu porque é que não te vestes tu? Um anónimo, a mandar identificar outro anónimo! Esta é boa! E se toa a gente se identificasse!
Amélia
A Dª. Amélia é mesmo engraçada, mas olhe, é capaz de ter razão... Vamos pensar nisso a sério.
O meu voto vai para o anónimo du Bresil. Os de Rebordainhos non têm raison!
Nicole Marie Fernandes, Pombares
Então Très bien bota lá nu anónimo du Bresil já cus de Rebordainhos non têm raison. Será que no boletim de voto vem a foto do anónimo du Bresil?
sr. anónimo "brasileiro":
Mas que grande imaginação a sua!! Consegue colocar navios de cruzeiro a rumarem até Rebordainhos!... A não ser que haja um degelo enorme não conseguiremos ter águas tão profundas que permitam tal. O rio Azibo nasce em Rebordainhos mas só consegue alguma profundidade ma albufeira com o mesmo nome, e mesmo assim...
Não pretendo dar-lhe lições de geografia. Antes aplaudi-lo pelo seu humor apesar do anonimato. E, ainda que sob tal condição, continuará a ser sempre muito bem vindo.
Receba um abraço caloroso desta rebordainhense ferrenha.
sr anónimo (português?).
Mesmo com essa condição. grata pelas suas frequentes visitas.
De Anónimo para Anónimo rico
1. Não está no Brasil;
2. Não tem aquele dinheiro;
3. Conhece muito bem Rebordainhos;
4. Tem algum problema pessoal.
Descubram quem é.
Abrs
É você! E não tem só um problema tem vários! Digo mais, deves ter é uma grande pancada! Mas isto agora tornou-se o jogo da adivinha ou quê? Vá-se curar!!!
Antes de mais, quero agradecer as boas palavras que a mademoiselle Nicole, de Pombares, e a dona Augusta, de Rebordainhos, me dirigiram nos seus últimos comentários.
Voltando à terra de Rebordainhos, em relação à qual eu sou um extraterrestre, arrisco a ousadia de dar um conselho de amigo aos seus habitantes:
Não adiram à confraria do botelo com casulas. Primeiro, porque eu não aprecio o prato, depois porque quando ouço dizer “do porco, aproveita-se tudo” faz-me lembrar tempos tristes, de quando ainda havia fome na serra. Como pratos alternativos para servir a milhares de turistas, sugiro o cabrito assado em forno de lenha, à padeiro, ou o javali no espeto, à caçador.
Se insistirem no botelo com casulas, não se admirem se a juventude torcer o nariz e hesitar, à espera do passarão!, que passará a ser o primeiro “big mac” que lhe apareça à frente, sem qualquer dúvida! Estes assuntos da gastronomia regional são muito delicados, têm de ser tratados com muito esmero, senão é mais uma tradição que, na realidade, se perde, só podendo ser revivida, mais tarde, através da internet, onde tudo é global e igual, mas sem sal!
Apelo daqui aos excelentíssimos blogueres para que deem continuidade ao diálogo, apresentando também as suas ideias e sugestões, que, por mais pequeninas que me pareçam, na nascente donde brotam, acabarão, quando se juntarem com as minhas, por formar um grande rio que correrá veloz rumo à esperança, que a todos anima, de fazermos de Rebordainhos uma terra de paz e harmonia entre todos os homens, e entre estes e a natureza envolvente.
Anónimo
(aquele que escreveu por último que, presumo, será o mesmo que escreveu em primeiro lugar):
"Apelo daqui aos excelentíssimos blogueres para que deem continuidade ao diálogo, apresentando também as suas ideias e sugestões, que, por mais pequeninas que me pareçam (...)"
Tem muita razão na classificação que faz e, por isso, rendo-me à evidência: seria incapaz de apresentar propostas com o grau de hilaridade das suas.
Cumprimentos
Nicole Marie Fernandes
Terei notado certo tom de acrimónia em relação a Rebordaínhos? Gostaria que lesse o artigo que escrevi aquando da deliberação da Assembleia Municipal de Bragança. É este:
http://rebordainhos.blogspot.pt/search?q=bem-vindos
Cumprimentos e volte sempre
Dona Fátima,
Deve compreender que a transcrição que fez do meu texto não se referia a si. Quando escrevi esse comentário, no mês de agosto, algumas pessoas anónimas faziam chacota com o meu anonimato, não dando a mínima importância ao conteúdo da minha mensagem! Mas eu desculpo-os porque, no fundo, apesar do meu humor ser por vezes um bocadinho azedo, gosto do blog de Rebordainhos. Acho que têm feito um trabalho excelente na promoção de festas e convívios entre toda a gente, mas o que me toca mais, como os meus leitores habituais não terão dificuldade em adivinhar, é quando defendem de uma forma apaixonada as memórias individuais e coletivas de Rebordainhos.
Todas as histórias que li no blog, mais alegres ou mais dramáticas, trazem-me sempre à memória aquele poema lindíssimo de Fernando Pessoa : “ Ó sino da minha aldeia, dolente na tarde calma, cada tua badalada soa dentro da minh’ alma…”.
Tal como Fernando Pessoa, muitos de nós, citadinos ou aldeões, sentem saudades da infância, perdida lá numa “aldeia” distante onde o tempo corria devagar, com a cadência dolente das badaladas do sino, e a vida era simples e feliz…
Mas, apesar de toda a visão poética que têm de Rebordainhos, já se veem nuvens escuras no horizonte, que não auguram nada de bom!
As pessoas mais idosas argumentam que “da terra é que vem tudo”, desde as couves, à madeira, aos minérios, etc, portanto, basta ter paciência e esperar, porque todos hão-de acabar por regressar às suas aldeias abandonadas.
Oxalá não se enganem!
Cumprimentos
Caro anónimo
Penso do mesmo modo: oxalá não se enganem e o povo volte a ter gente que lhe semeie a terra e percorra os caminhos.
O poema que citou do Pessoa toca-me profundamente, mas creio que não o sinto da mesma forma, talvez porque, embora "sempre errante", eu esteja e vá ficando, em vez de me limitar a passar.
Também eu tenho saudades, não do tempo, mas das pessoas que habitavam esse tempo e a quem já não tenho. Não tenho saudades nenhumas de ver crianças descalças e mal agasalhadas, de saber que há pais que têm de roubar carvalheiras para poderem aquecer os filhos, nem do comprar fiado na taberna porque não há dinheiro para pagar. Da guerra, para onde me mandaram três irmãos, tenho menos saudades ainda, e são nenhumas as saudades das condições que obrigaram tanta gente a emigrar.
Esse tempo não o quero de volta. As pessoas sim, e por isso agradeço-lhe a referência que fez às histórias que por aqui se vão contando, que é a forma que encontrámos de as manter vivas e exemplares.
Daquilo que escreveu deduzo que conhece muito bem a nossa terra. O seu contributo será inestimável, se aceitar colaborar connosco, o que poderá fazer escrevendo para o e-mail do blog (blog.rebordainhos@gmail.com). Eu me encarregarei de publicar, depois de conversar consigo. Se não quiser desvendar o anonimato, a coisa mais simples a fazer é criar uma caixa de correio com um pseudónimo: outra pessoa já se socorreu desse estratagema.
Cumprimentos
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