sexta-feira, 17 de julho de 2015

OS VELHOS



Um dia também nós ganharemos a aparência etérea dos velhos. 

O corpo dos velhos balanceia como se tivesse perdido consistência e estivesse submetido a forças que nós não sentimos. Talvez seja por isso que os seus pés quase não pisam o chão e o seu caminhar se torna oscilante, como se flutuassem. O andar dos velhos é o primeiro sinal de que eles se despedem de nós.


Depois são os olhos, afundados por cataratas de vento. Em que momento perderam o brilho e a cor, como se já não houvesse vida dentro deles nem vida fora deles que possa ser olhada e transmitida do mesmo modo que antes? A cor esbatida dos olhos dos velhos conduz-lhes o olhar para lugares inacessíveis a quem não tem a idade deles.


O mundo dos velhos está todo guardado em recordações. Um dia, talvez aquele em que deixam de sorrir, também eles hão-de desejar ser recordação. 


E o nosso coração aperta-se por nós, que os queremos abraçar sempre.


Agosto de 2008
(publicado na Urzeira)

9 comentários:

Rebordas disse...

Enquanto jovens imaginamos que nunca envelheceremos.
Com meia idade ainda vivemos como se nunca fossemos morrer.
Quando a velhice chega começamos a querer fazer tudo aquilo que sempre tivemos vontade, mas nunca a coragem. Com sorte conseguiremos, ou não.
A nossa vida é uma loteria...
César

Anónimo disse...

Fátima,
É com a cor que aprendemos a vida,
E a possuímos…
E ela dá aos olhos a cor da alma.
Engalanados pelas pestanas e sobrancelhas,
Dão-nos por vezes sorrisos, outras, avisos e quando descrevem carinhos ficam sós e lindos.
Já gastos e embebidos de uma ternura tremenda, mostram-se mais soltos nas palavras,
Mas ainda assim de uma amabilidade repousante tornado os carinhos e avisos em celestes abraços de despedida.
E eu tento perder-me nesse olhar.

Orlando Martins

antonio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fátima Pereira Stocker disse...

César

Tens razão. E porque a vida é lotaria, aproveitemos os nossos velhos enquanto os temos.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Orlando

Há quem aprenda e transmita vida em abundância, embora não veja cor...

Bem-aventurados os que perscrutam o olhar dos outros porque contemplarão o significado da vida.

Bem-hajas pela ternura do poema.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

A Urzeira era o meu blog pessoal antes de as circunstâncias da vida me obrigarem a dedicar ao Rebordaínhos (abandonando aquele, onde assino como MPS).

Este texto pode estar todo errado, mas resultou daquilo que fui observando e me foi entristecendo. Para te ser sincera, gostaria de estar errada.

À excepção de um, os comentários que leste na Urzeira falam com revolta do abandono dos velhos e não dos sinais de despedida que aqui refiro. São coisas diferentes.

Ao contrário de ti, gosto da palavra "velho" porque lhe associo significados positivos, entre os quais, o de dignidade e o de sabedoria.

Beijos

Augusta disse...

E porque os queremos abraçar sempre os nossos corações apertam-se ainda mais porque não os temos ou sentimos fisicamente. E que saudades desses olhos que inseriste no teu texto. Faltam uns que tinhas no urzeira. E todos eles apesar de baços readquiriam o seu brilho quando chegava quem lhes era significativo.
Tal com tu, também eu gosto da palavra "velho". Porquê ter medo das palavras apenas porque alguém lhes atribui um significado mais depreciativo? Para mim significa carinho e amor, tal como na belíssima canção de Roberto Carlos.
Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Este poema de Cecília Meireles, que fala do ponto de vista de um velho, refere, embora de forma mais bela, aquilo que eu quis dizer:

A Velhice Pede Desculpas

Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.


Beijos

Anónimo disse...

A velhice também é um estado de espírito. Uma pessoa pode já ter visto milhares de flores em sucessivas primaveras e ainda sentir-se jovem por dentro. Por exemplo, o texto de Fátima Stocker que transcrevo a seguir e que peca por um pequeno erro em jenufletem, que se deve escrever com g, transmite uma opinião de alguém que não tem teias de aranha na cabeça e, portanto, vê claramente que a educação em Portugal -dos doutores feitos à força e ao ritmo das máquinas de encher salsichas, para mostrar nas estatísticas -, descarrilou do caminho que conduz à ciência, e ao futuro!...

“Fialho tem, do Conselho de Instrução Pública do séc. XIX, a mesma visão crítica que eu tenho dos mestres saídos da escola de Boston que, tragicamente, lançaram ideias daninhas e práticas assassinas sobre o nosso sistema de ensino a partir dos anos 80 do séc. XX. São eles os agentes importadores do modelo americano das ciências da educação, designação que seria hilariante se a realidade que nos impuseram não fosse trágica. À estatística, ou a brandem como arma, ou jenuflectem perante ela como se ela fosse o credo da verdade e a medida de todas as coisas. A estatística é o dogma da religião que professam, a que chamam ciência. Os mestres de Boston, não satisfeitos por controlarem todo o processo da formação de professores, quiseram que as suas ideias tivessem forma de lei. Conseguiram-no, chegando ao Ministério da Educação na última legislatura. Por lá se mantêm, apesar de ser outra a ministra. Queira Deus que eu me engane como o (às vezes reaccionário) Fialho se enganou tantas vezes.”