domingo, 11 de janeiro de 2009

DIA DE REIS EM REBORDAINHOS




Em tempos idos, o dia de Reis em Rebordainhos exercia na miudagem uma multiplicidade de sentimentos. Por um lado, existia a curiosidade em saber quem era a pessoa que vestia aquele fato tão estranho, mas por outro inspirava um sentimento de medo, uma vez que nesses tempos os mais velhos costumavam dizer-nos que não se podia saber quem era o careto porque, se algo acontecesse, alguma maldição ou acidente de percurso, e o rapaz morresse com o fato vestido, a sua alma iria direitinha para o inferno.
“Diziam que assim que põe a careta, traz o diabo vestido” – lembrou-nos a Lurdes.
Assim, o careto naqueles tempos, nunca destapava a cara, que ocultava com aquela máscara de lata pintada de vermelho. Para assustar ainda mais, os “olhos” eram realçados por umas olheiras brancas e um azul intenso …
“Então, não pode tirar a máscara porquê? O careto sem máscara é um homem como outro qualquer!”- afirma o Toninho Rodrigo
Bem, às raparigas mais velhas, era vê-las correr e esconderem-se para não serem chocalhadas pelo careto, que corria, saltava à frente dos cantadores dos reis. Depois, uma vez entrado em qualquer casa, pedia: “chouricinha, chouricinha”, enquanto encimava a foice que trazia numa das mãos em direcção aos chouriços que secavam no fumeiro. E dali não saía sem uma chouriça, ou salpicão, mais uma moeda espetada na maçã que trazia na outra mão.
Bom, mas comecemos pelo início. O dia de Reis, celebra-se habitualmente no dia convencionado no calendário. No entanto, se esse dia coincidir com um dia de trabalho, então passa para o domingo imediatamente a seguir.
O responsável pela sua organização é o mordomo das almas que é nomeado pelo mordomo do ano anterior, no dia 1 de Janeiro. Este ano, calhou a vez ao Sr. JOSÉ FERNANDES, que, tal como os outros em anos anteriores, de imediato começa a sua função juntando os cantadores ao serão em sua casa para os ensaios, e que no dia tem por missão a recolha das esmolas para as almas.
O próprio dia começa com um “mata – bicho” reforçado em casa do mordomo. De seguida dirigem-se à porta principal da igreja onde começam por rezar às almas e cantam também uma ou duas estrofes.
Depois começa a volta ao povo, sempre encaminhados pelo careto. Ele traça o rumo, e anuncia a sua chegada com as chocalhadas.

Conforme o desejo dos moradores, numas casas rezam por quem já partiu deste mundo, e noutras cantam uma ou duas quadras.
De visita aos moradores próximos do cemitério, interrompem a jornada para, à porta deste rezarem por todas as almas que ali têm os seus corpos sepultados. Acabam a sua caminhada a cantar os reis em casa do mordomo onde os espera um almoço melhorado. A tarefa de o confeccionar coube este ano à FERNANDA (esposa do ZÉ)
Tomando conhecimento desta tradição, o ano passado, o sr padre fez questão que os cantadores também cantassem na Igreja. E , tal como no ano anterior, também este ano, os reis foram cantados na Igreja.


Não podíamos acabar sem uma referência especial aos cantadores. Foram eles: FRANCISCO MARTINS; CASIMIRO PIRES; MANUEL FERREIRA E ANTÓNIO PIRES (o Toninho da sra Margarida).
O careto, continuou a ser muito bem representado pelo ROGÉRIO

Nota: O fato já não é o mesmo que conhecemos noutros tempos. Está bastante diferente. Mas, para que a memória persista, fotografámos os dois anteriores, bem como a antiga máscara.

.............................E já agora, aqui estão algumas das estrofes cantadas

...........................................Em tais festas como estas,
...........................................Cantam-se os reis aos fidalgos,
...........................................Também nós os cantaremos,
...........................................A estes senhores honrados.

...........................................Ó Virgem Santa Maria,
...........................................Vós sois a estreta do mar
...........................................Sem a vossa protecção
...........................................Não podemos navegar

...........................................Oh! que rico cacho de uvas,
...........................................Criado em Santarém,
...........................................Oh! Valha-me Deus que assim tarda,
...........................................Este vinho que não vem.

...........................................Oh! que rico pinheirinho,
...........................................A que porta foi nascer,
...........................................À porta destes senhores,
...........................................Que nos vêm dar de beber.

...........................................Venha vinho venha vinho,
...........................................Que eu água não sei beber,
...........................................A água tem sanguessugas,
...........................................Tenho medo de morrer.

...........................................Rei Gaspar e Baltasar,
...........................................São três reis com Belchior,
...........................................Todos os três vão adorar,
...........................................Jesus Cristo Redentor.

Milita; Tilinha e Augusta



10 comentários:

Augusta disse...

Fátima:
Estou com algumas dificuldades em carregar o "vídeo" com as restantes imagens.
O formato também não ficou bem como gostaria que ficasse. Talvez fosse a pressa. Se quiseres, e tiveres disposição, paciência, e vontade, podes dar-lhe o arranjo que melhor entenderes. Eu não sei como se faz depois de publicado.
Quanto às restantes, se continuar a demorar, amanhã concluirei.
Beijinhos para ti e para o João.
Augusta

Américo Amadeu Pereira disse...

Foi com muito interesse que recordei o dia de reis em Rebordainhos. Dou os meus parabéns
a todos os participantes e a quem
fez a publicação. Força rapazes,
não deixem morrer os costumes da
nossa terra.
Américo

António disse...

Bem hajam os promotores da ideia de fazer chegar longe a memória dos Reis que já esteve a pique de se perder...
E parabéns aos cantadores que souberam apanhar o tom dos Reis de quando era miúdo. Oxalá o vosso exemplo frutifique para a conservação de outras tradições que animavam a vida comunitária da nossa terra no antigamente.
António

Anónimo disse...

Afloraram velhas lembranças que já estavam perdidas no tempo e no espaço. Eu nem lembrava mais da figura do careto, que dizer então da maçã onde ele enfiava as moedas?
Onde moro ainda existe a tradição dos cantares de reis, mas sem o careto, que me parece nunca ter existido por aqui...
O meu muito obrigado a todos os que participam da publicação e manutenção das tradições de nossas gentes e nossa terra.
Baptista
(com "p" mesmo)

Anónimo disse...

Garota

Alterei, apenas, um bocadinho o aspecto. Espero que tenha ficado do teu (vosso)agrado.

Não entendo aquele pedido de desculpas: a que título te referes? Não vi nada fora do lugar!

O vosso trabalho soube-me muito bem, porque bem feito, bem escrito (com os pormenores necessários) e porque o fizestes. Obrigada!

Sobra uma palavra para os cantadores que tão bem cantam e a quem devemos, além dos elogios merecidos, muitas palavras de agradecimento por manterem viva esta nossa tradição. Nos agradecimentos entram também o mordomo, que se empenhou na organização e, pelo que vós dissestes, ofereceu (ele e a esposa) um belo almoço e o careto, que já o é há uns anos e encarna bem o espírito desta festa dos rapazes. Deus lhe dê a possibilidade de ainda vir a ter muitas raparigas para chocalhar!

Sobra, ainda, outra palavra para o sr. P.e Estevinho que introduziu uma novidade que me agrada profundamente, que foi a de pôr os cantadores a começar dentro da igreja, dignificando, ainda mais, a cerimónia.

A todos, do fundo do coração, bem-hajam por me fazerem chegar notícia das coisas que tanto significam para mim.

Só me faltou ouvir a voz do Carlos Chedre a começar assim, para a minha mãe: "Diga lá minha madrinha" e de ouvir, no meio do coro a voz do sr. João Santacombinha e a do meu pai.

Olímpia disse...

Felicito e agradeço tanto às autoras como aos intervenientes neste dia de Reis em Rebordaínhos.
Recordei cada passo desse dia e avivaram-se memórias algo distantes:o careto; a foice que ele transportava na mão para poder cortar o fio da chouriça ainda no fumeiro ,quando a mesma lhe era negada pelo dono da casa; a maçã habilidosamente envolvida por moedas...
Recordo também de a minha sobrinha Catarina com cerca de 4 anos de idade, (agora tem 22?) ter saltado para o colo da avó (minha mãe)após ter percebido que o careto nos entrava casa dentro.
Coitadinha, teve mesmo muito medo.
Bjos a todos
Olímpia

Anónimo disse...

Augusta, Milita e Tilinha

Que linda reportagem, parabéns a todas.
Também aos mordomos e todas as pessoas que estiveram envolvidas neste tradicional cantar dos Reis.
É de eventos como este que a nossa aldeia precisa divulgar, para que se mantenham vivas as tradições dos nossos tempos de juventude que já começam a ficar longínquos.
bjs
Céu

Augusta disse...

Fátima:
Ficou bem melhor depois do teu arranjo. O título ao qual me referia, não se chegou a ver porque não consegui publicar (devia ser do cansaço, ou então da pressa).
Um senão ao teu comentário: os reis começam mesmo à entrada da igreja. deois, interrompem a caminhada para irem à missa, onde também cantam.
beijos

Augusta disse...

Tonho, Baptista, Céu, Américo e Olímpia:
Grata pelas vossas palavras. Estou certa que também os principais intervenientes vos agradecem também.
Permito-me falar em nome de todas. Para nós, foi um gozo enorme desenvolver este trabalho.
Beijos a todos
Augusta

Lurdes disse...

Parabéns a todos os participantes.
Um bem haja para as meninas que com tanta dedicação fizeram esta maravilhosa reportagem.

Lurdes