Os acontecimentos
relatados anteriormente passaram-se no início do séc. XII. Recuemos, agora, até
ao séc. VII e entremos no Reino dos Visigodos.
Os Visigodos, se bem
se lembram, conquistaram a Península Ibérica no séc. V. Eram um daqueles povos
vindos lá da Germânia, sem um pingo daquilo a que os romanos chamavam
civilização: hábitos de vida refinados, aspecto asseado, belas cidades, um
sistema de leis organizado (o direito), uma cultura primorosa, etc. Ora, no séc.
VII já estes bárbaros conviviam havia 200 anos com os romanos e tentavam
parecer-se com eles. Para nossa sorte, adoptaram muitas das coisas boas que viram, sobretudo a Língua
e o Cristianismo que o Império perfilhara no fim dos seus dias. No íntimo
continuavam rudes, mas a sua conversão ao Cristianismo permitiu que a Igreja
fosse actuando e lhes inculcasse o dever de cumprir com os Mandamentos – lentamente,
porque depressa e bem não há quem e, afinal, era desses bárbaros com pouco
polimento que a Igreja precisava de se servir como padres e bispos.
Frutuoso era um
desses visigodos, de família nobre e rica. Ficou órfão muito novo e estudou
numa escola episcopal, destinando a sua vida ao serviço da Igreja. No início da
idade adulta teve, porém, ânsias dramáticas de mudança: deixou Palência, foi
para El Bierzo onde os seus pais tinham boas propriedades, deu tudo aos pobres
e decidiu tornar-se eremita. Qualquer buraco lhe servia de casa, passando os dias na
contemplação da obra de Deus. A sua fama, no entanto, espalhou-se e
rapidamente começou a chegar grande cópia de pessoas de todos os tipos: velhos e novos,
escravos e senhores, soldados e generais, todos trazendo as mulheres e os filhos,
se os tinham. Perante tal afluência, lá tiveram que se começar a construir
casas que, ao longe, pareciam uma aldeia. E foi assim que nasceu o primeiro
mosteiro fundado por Frutuoso. Homens e mulheres, apesar de partilharem o
espaço, levavam vidas separadas. As crianças estudavam na escola, preparando-se
para servir a Deus. A tudo Frutuoso deu regra, sendo das mais importantes a
obrigação da vida comunitária e o trabalho para a satisfação das necessidades
do corpo.
Terminada a obra
involuntária, desejou retomar a vida de eremita, deixando o cenóbio que
fundara. De novo procurou a solidão no meio de serras agrestes, mas de novo
tudo se repetiu e lá teve de recomeçar a partir do zero. E também dali se
escapou, assim que viu que tudo estava bem encaminhado. Mas de nada lhe valeu.
O processo repetiu-se outra vez, e outra, e outra… dizem que foram, pelo menos,
vinte os mosteiros que criou, sempre em lugares inacessíveis das montanhas da
Galiza, da Bética e, até, da Lusitânia! E sempre acompanhado dos códices da sua
biblioteca, a única companhia de que nunca se separava.
Cansado desta vida,
quis empreender peregrinação à Terra Santa, mas nem esse desejo pôde
concretizar, pois o rei Recesvindo mandou-o prender em Toledo porque queria
fazer dele bispo de Dume (ao pé de Braga) e foi já nessa condição que
participou no Concílio de Toledo (ano de 656) onde a sua presença foi muito
estimada e o seu conselho muito ouvido. Durante esse mesmo Concílio, e perante
a resignação do bispo de Braga, foi eleito bispo dessa diocese, assumindo as
duas prelazias. Pobre do S. Frutuoso, que quanto mais ansiava pela solidão,
mais os homens exigiam a sua presença!
Lá foi ele para Braga em
cujas proximidades, naturalmente, fundou mais um mosteiro (Montélios). A par do
mosteiro, quis que se fizesse um templozinho, de planta simples, como se fossem
quatro cubos unidos uns aos outros e que é hoje um dos mais originais
exemplares da arte visigótica da Península Ibérica (1). No exterior do “cubo”
virado a Norte, mandou que se rasgasse um arco para aí encravar a sua sepultura
(arcossólio). Já que em vida não pôde, pelo menos que na morte lhe fosse permitido, sem
grandes obstáculos, contemplar sossegadamente a obra da Criação.
A fama de Frutuoso
persegue-o. Fala-se de milagres singelos em que salva animais de serem caçados
e pessoas de se afogarem nos rios. A Braga, não param de chegar peregrinos para
o escutarem e monges para o mosteiro. Braga cresce e Frutuoso morre (c.665)
quando já todos lhe chamam santo.
Braga continua a
crescer, embora a situação se complique muito porque um turbilhão de cavaleiros
com turbante na cabeça e cimitarras na mão, vindos do Norte de África,
conquistaram rapidamente o Reino dos Visigodos e instalaram o culto a Alá. No
tempo dos mouros, muitas coisas são destruídas, mas não a fé nos milagres de S.
Frutuoso cujo culto retoma o antigo fulgor mal o Norte peninsular é
reconquistado pelos cristãos que se tinham refugiado nas Astúrias. São os ossos
deste santo que o bispo Diogo Gelmires roubará, 400 anos depois da sua morte,
temendo que Braga recuperasse o antigo brilho e impedisse Compostela de
florescer.
Que terá pensado S.
Frutuoso da aleivosia do bispo?
__________
Notas:
(1) A planta do templo de S. Frutuoso tem um nome: diz-se que é em "cruz grega" (+, ou seja, em que os braços da cruz cortam o eixo vertical pelo meio, por oposição à "cruz latina", †, que é a mais comum entre nós.).
Estas e outras fotografias do templo de S. Salvador de Montélios podem ser vistas na página do IGESPAR
A fotografia que abre o artigo mostra-nos uma estátua de S. Frutuoso presente na Sé de Braga.
A fotografia que abre o artigo mostra-nos uma estátua de S. Frutuoso presente na Sé de Braga.
8 comentários:
Agora já sei! E pergunto eu: seria a sua fama de salvar animais que fez com que as gentes de Rebordainhos, e penso que das redondezas, levassem os animais doentes a Teixedo?
Bem eu sei que os faziam passar na égua do rio, mas S. Frutuoso também está lá.
Continua. A tua sabedoria e "ratice de biblioteca" contribuem para o nosso enriquecimento cultural.
Beijinho
Continua muito interessante esta narrativa histórica. Espero a continuação.
Um abraço e bom fim de semana
Ó Fátima, o que a gente aprende contigo!
Este teu atento discípulo aguarda impaciente a terceira parte da tua lectio. E, já agora, deixaste-me com vontade de peregrinar até ao vale de Teixedo, onde nunca estive, mas que sempre me fascinou. Recordo-me de o meu pai dizer que a poveca que aí existia acabou por causa das maleitas, devido ao pouco sol que ali batia. Terá por ali feito S. Frutuoso algum ermitério?
Bjs.
A.Fernandes
Augusta
Boa leitora, e arguta. Acompanhaste-me no raciocínio.
Beijos
Elvira
Obrigada!
Tonho
Em podendo, não deixes de ir a Teixedo.As fotografias que vou publicar no fim não fazem jus à beleza do vale nem, sobretudo, conseguem transmitir a sensação de paz que lá se respira.
Beijos e obrigada
Eu tenho numerosas e engraçadas recordações de Teixedo e do S. Frutuoso... como todos sabem era anexa de Pombares, e esta fazia parte da Paróquia de Rebordainhos... com o Sr. Pe João fomos dezenas de vezes para lá... inclusive no dia da romaria, que era dia de festivo jantar (merenda), covidados de uma família de Pombares muito amigos da família do Pe. João. Minha irmã Izilda quase todos os anos cantava lá o fada no "autofalante"E outra moça dos Pereiros... Comprou também, o Padre João um moinho com um lameiro onde me deliciava dias a olhar à minha volta com a ribeira a correr lentamente e o rodesio do moinho a dar voltas e mais voltas. A história do S. Frutuoso foi-me contada pelo Padre João mas menos detalhadamente da que nos enriquece através da Fátima e nós ficamos imensamente gratos. Abraço aguardo ancioso a conclusão...
Tonho Braz
Pois muito me contas tu! Não fazia ideia de que o P.e João era dono do moinho de Teixedo e do lameiro onde fica. Em miúda ainda o vi a trabalhar, mas agora está em ruínas. Era um moinho de água.
Só me lembro de ir um dia à festa de Teixedo(era pequenina)e do piquenique que por lá fizemos. Eu acho que deve ter ido quase o povo todo de Rebordaínhos, porque a imagem que guardo na memória é a de muita gente junta.
Se calha, ouvi a Izilda a cantar o fado, mas isso não me alembra. Que pena: agora, sempre poderia dizer que lhe conhecia a arte.
Beijos e obrigada
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